SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Aos 16 anos, à beira de um mangue na periferia do Guarujá (SP), Konrad Dantas, 35, o KondZilla, sonhava em contar histórias da periferia paulista em uma produção audiovisual. Nesta terça-feira (10), o criador de “Sintonia” (Netflix) foi anunciado como um dos novos membros da Academia Internacional de Artes e Ciências Televisivas, ao lado do apresentador e humorista Paulo Vieira e da CEO da Conspiração Filmes, Renata Brandão, entre outros brasileiros.
O reconhecimento acontece dois meses após o lançamento da quarta temporada da série, baseada em uma história escrita pelo produtor e criada em conjunto com Felipe Braga e Guilherme Quintella. A produção alcançou o 1º lugar no Top 10 Global de séries de língua não inglesa na Netflix em agosto e já teve sua a quinta e última temporada anunciada pelo streaming.
KondZilla, que além de produtor é empresário e apresentador, diz ser “um moleque de favela que conta histórias para pessoas de favela”. Foi daí que surgiu a vontade de representar sua realidade no audiovisual. A fala aconteceu no último sábado (7), durante uma apresentação de Dantas e Grazi Mendes, head de diversidade da Thoughtworks, na Conferência Juntos.
“Fico pensando no quanto minha mãe me deu liberdade e algumas ferramentas [como o computador], e confiou em mim também, para que eu usasse essas ferramentas para hoje me tornar um profissional que usa o digital ao meu favor, a favor das histórias e da cultura da periferia, e da cultura negra aqui no Brasil”, disse à Folha de S.Paulo.
Para KondZilla, o entretenimento deve ser aliado à educação para que mais pessoas da periferia tenham acesso a espaços sociais. Por isso, os pais devem entender o uso de tecnologias digitais, como os smartphones, como aliado do aprendizado. “Tendo a sensibilidade de diferenciar o que é podar um possível talento e o que é abandonar a educação dos filhos, depositando a responsabilidade apenas a essas ferramentas”, comentou.
O produtor conta que, assim como o Nando (Christian Malheiros) de “Sintonia”, perdeu a mãe cedo e precisou empreender. A mãe de Dantas morreu quando ele tinha cerca de 19 anos, deixando a ele e ao irmão uma poupança, que foi usada para os estudos.
“Tem uma pitadinha [da minha história] em todos os personagens. O Nando, desde o desenvolvimento dele, sempre enxerguei como um empreendedor, um realizador. A diferença é que ele teve a oportunidade de mostrar o talento dele em uma atividade que hoje ainda não é regulada”, afirmou.
Na avaliação do produtor, a história do personagem, no entanto, não é sobre as drogas, mas sobre como ele cuida da família, seu afeto pela filha, respeito pela esposa e fidelidade aos amigos de infância, chamados de irmãos de alma nos bastidores da série.
Durante a apresentação, KondZilla contou que a série é formada por três universos e cinco personagens. Os primeiros são a igreja, a música e o crime, onde os conflitos e as histórias se desenvolvem. Já os personagens são Nando, Doni (Jottapê) e Rita (Bruna Mascarenhas), além do figurino e do vocabulário, que compõem a cultura urbana e que ele destaca como elementos com vida na obra.
Dantas contou, por exemplo, que pensou em todos os detalhes do figurino de Nando para que reproduzisse as marcas, signos e logotipos usados nas quebradas de São Paulo. Já os diálogos foram construídos por pessoas que fizeram curso teatro enquanto estavam presas no sistema penitenciário, para evitar a criação de estereótipos pelo roteiro da série e construir verossimilhança.
Sobre o aspecto religioso, o produtor também lembrou ter crescido na Assembleia de Deus, onde aprendeu a doutrina cristã e o papel da igreja nas comunidades do Brasil. “Muitas das pessoas que trabalham com a dramaturgia são de outras religiões ou não têm religião. Foi um desafio [fazê-las] contemplar o impacto social da igreja na periferia”, afirmou no palco.
Para ele, a igreja é onde jovens periféricos acessam a cultura e desenvolvem habilidades que serão usadas no mundo corporativo. É nessas comunidades, por exemplo, que crianças aprendem a tocar instrumentos, desenvolvem a oratória e experimentam a vida em comunidade.
Kondzilla contou que, durante a adolescência, criava remixes e convidou um colega da comunidade para criar um fundo de teclado. Ele tocava o instrumento na igreja. Já na vida adulta, em uma das vezes que foi indicado ao Grammy, um amigo foi finalista como produtor do álbum do grupo gospel Preto no Branco. “Era o moleque que colocava o som de teclado nas músicas”, falou.
O produtor destacou também a necessidade de o Brasil incentivar o desenvolvimento da economia criativa, com investimentos em tecnologia, criatividade e entretenimento. “Não existe pais que se desenvolveu sem economia no campo das ideias”, avaliou.
PAOLA FERREIRA ROSA / Folhapress