Governo Lula tenta turbinar caixa de rádio comunitária e abre disputa com evangélicos

BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O governo do presidente Lula (PT) abriu uma disputa com rádios comerciais e evangélicas em torno de mecanismos para fortalecer o caixa de emissoras comunitárias. O conflito tem sido marcado por recuos e ameaças de judicialização.

A disputa representa mais um desafio para a aproximação de Lula com lideranças evangélicas, que adotam comportamento mais refratário ao petista e são próximas do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

Além do mais, alguns parlamentares da oposição acusam o governo de estar buscando empoderar emissoras comunitárias com viés eleitoral, a um ano do pleito municipal.

O foco mais recente da queda de braço é uma instrução normativa, editada em setembro, que abre a possibilidade de as rádios comunitárias receberem apoio cultural. Ou seja, ao inscrever determinado programa em um edital, elas pleiteiam essa forma de patrocínio público. Trata-se de uma modalidade distinta da publicidade institucional.

A iniciativa do governo é considerada ilegal pela Abert (Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão), que ameaça judicializar caso o governo não recue.

Há atualmente 5.000 rádios comunitárias do país.

O governo afirma que o fortalecimento do caixa dessas emissoras visa ampliar a democratização da comunicação. O questionamento não vem apenas das rádios comerciais, mas também de outros grupos que controlam um grande número de emissoras, como as igrejas evangélicas.

O presidente da Associação Brasileira das Rádios Comunitárias, Geremias dos Santos, rebate as críticas de que a iniciativa do governo teria viés político. “Existe muita acusação equivocada de que rádio comunitária é de esquerda, e isso não é verdade”, afirmou.

Santos defende que as rádios comunitárias recebam publicidade institucional de ações que têm impacto nas comunidades, como campanhas de vacinação. E afirma que a principal demanda é ter acesso às verbas locais, seja de prefeituras ou mesmo a publicidade do comércio das pequenas cidades.

O governo chegou a anunciar em um evento na Câmara dos Deputados a edição de um decreto para viabilizar recursos da publicidade institucional para as rádios comunitárias. Essa possibilidade foi abandonada rapidamente, diante da repercussão negativa com o setor e com o Congresso.

O presidente da frente de radiodifusão é o deputado federal e pastor Cezinha de Madureira (PSD-SP). Até o semestre passado, ele comandava a bancada evangélica. As igrejas hoje representam importante fatia da radiodifusão.

Cezinha esteve com os ministros Jorge Messias (Advocacia-Geral da União), Alexandre Padilha (Relações Institucionais) e Paulo Pimenta (Comunicação Social), além de técnicos da própria Secom (Secretaria de Comunicação Social da Presidência), para pressionar contra um eventual texto que abrisse brecha de publicidade institucional para as rádios comunitárias. Pimenta nega que exista essa possibilidade.

“A lei não permite que a rádio comunitária receba a verba do governo. Quem precisa receber propagandas do governo são as comerciais, que foram feitas para isso”, disse Cezinha. “Esse texto, se vier a ser publicado, é inconstitucional.”

Oficialmente, a bancada evangélica nega que esteja atuando contra a medida.

O líder da Frente Parlamentar Evangélica, deputado Eli Borges (PL-TO), afirma que até seria favorável ao repasse para as rádios comunitárias, desde que “não fosse ideologizado”. No entanto, ele afirma não ter conhecimento da proposta do governo.

A disputa agora está em torno da instrução normativa relativa ao apoio cultural para as emissoras comunitárias. Uma lei já prevê a hipótese de apoio cultural. Mas o texto de 1998, que rege a radiodifusão comunitária, é vago ao falar desse tipo de incentivo financeiro a estabelecimentos na área da comunidade atendida pela rádio.

A disputa entre o governo, as rádios comerciais e as evangélicas gira em torno de quem poderia fazer esse patrocínio cultural. A Abert diz que apenas estabelecimentos privados, enquanto o governo quer injetar recursos públicos.

A Secom publicou uma instrução normativa em que diz entender como estabelecimentos “qualquer unidade de representação de órgão da administração direta e de entidade da administração indireta do Poder Executivo federal, bem como unidades do Sistema Único de Saúde (SUS)”.

Integrantes do governo dizem que a possibilidade já estava na lei e que agora só foi feito um ajuste para dar maior segurança jurídica. Radiodifusores comunitários também afirmam que não há qualquer restrição na lei.

O secretário-executivo da Secom, Ricardo Zamora, afirma que não há irregularidade e que o fortalecimento das rádios comunitárias já constava como compromisso na transição de governo.

“Já havia previsão legal na lei de 1998, estamos prevendo apenas na instrução daquilo que está na lei. O nosso objetivo é valorizar, em alguma medida, a radiodifusão comunitária, é compromisso antigo. Vamos seguir dialogando com todo mundo. Não vamos fazer nada de afogadilho.”

A Abert, por sua vez, defende um entendimento mais restritivo da lei, em que só existe essa possibilidade para estabelecimentos privados —ou seja, em que o poder público não realiza desembolsos.

Em nota, disse que a instrução normativa é ilegal. “Ingressamos com um pedido de revisão e consequentemente revogação deste dispositivo junto à Secom e esperamos que o órgão da administração pública reveja a IN [instrução normativa]. Caso seja mantida nos seus atuais termos, a Abert recorrerá à Justiça, já que há precedentes favoráveis ao setor sobre o assunto.”

A instrução normativa é um primeiro passo para a elaboração, posteriormente, de um edital. A estimativa é que menos da metade das rádios comunitárias hoje no Brasil esteja na ativa.

A disputa em torno do apoio cultural reedita uma outra de 2013, quando o Ministério das Comunicações da então presidente Dilma Rousseff (PT) publicou uma portaria que previa a realização de apoio cultural por “entidades de direito privado e de direito público”.

A medida foi contestada pela Abert, que conseguiu derrubar a portaria na Justiça.

MARIANNA HOLANDA E RENATO MACHADO / Folhapress

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