BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Quando as sirenes soaram um sinal de alerta nos arredores de Jerusalém, em Israel, o pastor Matheus Chagas, 30, pensou que o barulho era um uivo do vento rasgando as frestas das janelas do hotel Ramada.
Eram 17h de segunda-feira (9), terceiro dia do conflito entre o grupo terrorista Hamas e Israel. Matheus e sua esposa, Isabela Lima, 24, abriram a janela e perceberam que se tratava de um alerta emitido pelas autoridades locais.
Na antevéspera, a comitiva de 41 brasileiros que visitava o Oriente Médio para turismo religioso, para conhecer locais importantes citados na Bíblia, havia recebido informes do hotel sobre como proceder em caso de acionamento das sirenes.
Os papéis distribuídos nos quartos diziam que os turistas teriam um minuto e meio após o início dos alertas para chegar ao bunker no térreo ou à escadaria do hotel, que é revestida por concreto. Essa é a estimativa de tempo que o governo de Israel prevê para um foguete lançado na Faixa de Gaza chegar a Jerusalém.
O aviso, porém, não evitou que uma correria se instalasse em diversas partes do prédio do hotel, com pessoas em busca de locais seguros para se abrigar.
“A gente imediatamente correu para a escadaria. Nada aconteceu. A gente nem sabe o que houve: se foi realmente um alerta só que eles emitiram, uma precaução, se realmente houve tentativa de ataque. Então, graças a Deus, foi realmente para nos precaver”, disse Matheus à reportagem, por telefone.
Os ataques de Hamas contra Israel começaram no sábado (7). No dia, a caravana organizada pela Igreja Presbiteriana do Pina, em Recife (PE), havia visitado o Monte Sinai (Egito), local em que, segundo o texto bíblico, Deus conversou com Moisés e entregou-lhe os dez mandamentos.
Pelo plano inicial, o grupo assistiria ao nascer do sol na península do Sinai. A agenda, porém, acabou sendo alterada pela eclosão do conflito.
Duas pessoas da caravana decidiram abandonar o grupo e permanecer Egito à espera de uma oportunidade de deixar o Oriente Médio. “Eles não quiseram entrar em Israel, com medo e pânico por ter estourado a guerra, mesmo que incipiente ainda. Eles ficaram no Egito. Vão embarcar em breve [para Portugal]”, disse o também pastor Daniel Chagas, 61, pai de Matheus e um dos organizadores da viagem.
Daniel conta que visitou com a caravana locais históricos no Cairo (Egito) antes de irem ao Sinai e cruzarem a fronteira rumo a Jerusalém.
Mesmo com o conflito instaurado, eles tentaram manter parte da agenda predefinida. No domingo (8), segundo dia da guerra, foram por uma passagem subterrânea em Jerusalém ver o Muro das Lamentações. “Como é um negócio subterrâneo, não tinha problema, né, não oferecia perigo, por ser escavação”, relata.
A experiência da ida ao refúgio, na segunda, mudou a visão do grupo sobre os riscos de permanecer em Israel. “A gente não ouve barulho, estrondo, não vê fumaça nem nada. Pode gerar uma falsa sensação de segurança. Mas tudo o que queremos é voltar para o Brasil”, conta Daniel.
No refúgio, onde permaneceram por mais de uma hora, juntaram-se quase todos os hóspedes do hotel Ramada. Um casamento ocorria em um dos auditórios do edifício quando a sirene tocou. A festa, porém, não foi totalmente interrompida: os músicos entraram no local protegido com instrumentos de bateria e continuaram tocando, segundo o relato de Daniel.
O som dos bumbos se confundia com os barulhos dos projéteis, ouvidos pelos vídeos que circulavam nas redes sociais, por mais que nenhum dos foguetes tenha caído em Jerusalém naquele fim de tarde.
“Uma senhora do nosso grupo ficou em pânico porque pensávamos que eram barulhos de bombas o barulho do bumbo do casamento. Mas eles continuaram dentro do bunker cantando, pulando e celebrando. Foi um negócio de doido, uma celebração, assim, um tanto inusitada”, detalha o pastor brasileiro.
No refúgio, parte dos brasileiros passou o tempo cantando uma música gospel cuja letra diz “porque Ele vive posso crer no amanhã”.
“Para nós, brasileiros, é um pouco mais tenso porque nós não estamos familiarizados com esse contexto. Infelizmente, e eu digo isso com pesar no coração, o povo de Israel está mais acostumado e eu digo isso com muitas aspas com esse tipo de experiência de guerrilha, de ameaça. Então eles sabem muito bem o que fazer. Mas nós, brasileiros, estamos completamente desfamiliarizados com um ambiente de guerra. Então foi um momento muito tenso”, disse Matheus.
Quando saíram do bunker e da escadaria, o grupo de brasileiros se reuniu em uma sala do hotel. Lá, eles conversaram sobre a experiência e oraram com chineses que também estavam hospedados ali. “Deus tem nos dado uma experiência ímpar, estamos vivendo coisas que não imaginávamos. Esse culto foi algo divino”, contou Daniel.
O avião que traria a caravana de volta ao Brasil sairia de Tel Aviv, no sábado (14). O grupo foi informado nesta terça-feira (10) que a companhia aérea cancelou as operações em Israel até o fim de outubro.
“Não temos outra alternativa para sairmos daqui a não ser pela FAB (Força Aérea Brasileira)”, lamentou Matheus. Ele conta ainda que o grupo está em contato com a Embaixada do Brasil em Israel.
Na noite desta terça, a Embaixada comunicou que 28 pessoas da caravana poderão embarcar na quarta (11) num voo da FAB que sairá de Tel Aviv. Os demais devem aguardar em Jerusalém.
O turismo religioso de brasileiros em Israel ganhou força nos últimos anos com o crescente interesse de pentecostalistas e protestantes por Jerusalém.
Desde o início dos anos 2000, o governo de Israel patrocina a ida de pastores estrangeiros para formá-los guias de turismo religioso em Jerusalém e arredores, na expectativa que os líderes evangélicos retornem ao território israelense trazendo caravanas de suas igrejas. Foi o caso de Daniel.
Agências de viagens também criaram nas últimas décadas pacotes específicos para turistas cristãos que desejam conhecer a terra prometida e os locais por onde Jesus andou.
“Mesmo que a experiência dessa viagem não tenha sido como esperávamos, houve uma visitação enorme de Deus sobre nosso grupo. Todo mundo ficou impactadíssimo com o que Deus tem promovido para nós nesse lugar”, concluiu Daniel.
CÉZAR FEITOZA / Folhapress