SANTOS, SP (FOLHAPRESS) – Após sucessivos rebaixamentos, uma grave crise financeira e até o temor de perder seu estádio, a Portuguesa Santista ensaia uma recuperação. O time garantiu sua volta a um torneio nacional depois de 18 anos de ausência e se reaproxima da elite estadual.
O melhor momento da equipe em anos contrasta com a situação do maior time da cidade, o Santos.
O atual vice-presidente da Portuguesa Santista, Emerson Coelho, recorda como se fosse hoje a ingrata surpresa que teve pouco após ter assumido a presidência do clube do litoral paulista, em 2017.
Ele nem bem havia ocupado o novo posto quando foi informado da execução de uma dívida trabalhista com o folclórico ex-atacante paraibano Zinho, que jurava ter fisionomia semelhante à do ator espanhol Antonio Banderas, intérprete do personagem Zorro.
Zinho atuou pela Briosa no início dos anos 2000, após passagens marcantes por Sport, Portuguesa da capital e outra dezena de clubes.
“Todos os presidentes foram recorrendo, e [a dívida] sobrou para mim. Algo que se arrastava desde 2002 e que caiu no meu colo”, disse o dirigente à Folha. “Hoje a Portuguesa não tem nenhuma ação trabalhista, nenhuma dívida. Zero. Tira certidão negativa [de débitos] em âmbito municipal, estadual e federal.”
Seis anos depois, é melhor o momento do clube centenário, um dos fundadores da FPF (Federação Paulista de Futebol). Finalista da Copa Paulista, a agremiação carimbou na última semana participação em uma competição nacional 18 anos após a última aparição, na Série C de 2005.
A equipe enfrenta o São José neste sábado (14), às 15h, no jogo decisivo. Na ida, venceu por 1 a 0 em casa.
O campeão fatura R$ 250 mil e o direito de escolher disputar a Copa do Brasil ou a Série D do Brasileiro. O vice fica com R$ 150 mil e o torneio preterido pelo vencedor.
“Estamos discutindo, definindo para ver o melhor caminho”, disse o gerente de futebol Cassiano Carduz.
Enquanto a Briosa celebra as vitórias recentes, o Santos vive um ano tumultuado. Atualmente na 14ª colocação do Campeonato Brasileiro, o “primo rico” respira com dificuldades após oito rodadas seguidas na zona de rebaixamento, mas ainda se vê ameaçado.
“Somos rivais no campo, mas fora dele nos ajudamos. Santos, Portuguesa e Jabaquara representam a cidade. Acho que o clube deu azar de más gestões, mas tenho certeza de que vai se recuperar. Torço muito por isso. Temos vidas separadas, mas somos unidos”, afirmou Carduz.
A proximidade, ao menos física, de fato existe. A distância entre o estádio Ulrico Mursa, da Portuguesa Santista, e a Vila Belmiro, do Santos, é de apenas 500 metros.
O Santos também é um dos que ajudam a Briosa a driblar a falta de estrutura. Sem um centro de treinamentos, a agremiação rubro-verde utiliza o próprio estádio para treinar ou recorre aos CTs do Peixe, além do Centro Esportivo Pagão, da prefeitura. Na véspera da primeira final, treinou no CT Rei Pelé por causa das chuvas.
“Quando cheguei, em 2018, chovia dentro do nosso alojamento. Fazíamos somente o almoço de refeições, e os atletas se viravam no jantar. No departamento médico, eram só um médico e um fisioterapeuta. E nas viagens mais longas íamos no mesmo dia por não ter como concentrar. Muita coisa mudou”, observou Carduz.
Não é incomum ver nas partidas da Portuguesa jogadores do Santos, como o goleiro João Paulo, e integrantes da comissão técnica do clube alvinegra, entre eles o preparador de goleiros Arzul e o treinador Marcelo Fernandes.
“O Marcelo esteve conosco [foi treinador do clube em 2017 e zagueiro em 1999]. Está muito envolvido com a cidade, com tudo”, afirmou Coelho.
O clube se profissionalizou. Aderiu ao ProFut (Programa de Modernização da Gestão e de Responsabilidade Fiscal do Futebol Brasileiro) para sanar antigos problemas financeiros e fiscais. Reforçou alojamentos, criou um departamento de fisioterapia, liderado por Luiz Alberto Rosan, ex-seleção brasileira, e conta com diversos profissionais de apoio.
Segundo o cartola, a Briosa hoje tem cerca de 400 sócios pagantes e sobrevive, principalmente, da receita de três patrocinadores, além de acordos com empresas de alimentos, de internet e do placar eletrônico.
O time para a Copa Paulista foi capitaneado pelo experiente treinador Sérgio Guedes, 60. Foram contratados 26 jogadores, além de três remanescentes da Série A-2. Segundo Carduz, com um orçamento de um terço do gasto no primeiro semestre.
A agremiação tentou nos últimos anos resgatar uma espécie elo perdido com o torcedor. Voltou a utilizar à exaustão o nome de Briosa, cheia de valentia, modo como o time é conhecido. Passou a produzir conteúdos em redes sociais, além de trazer nomes identificados com sua camisa, como o ex-lateral Rafael Ferro, hoje auxiliar técnico.
“Sentia o clube muito isolado que só olhava para dentro do portão. Hoje há relação com a federação, com outras diretorias, frequentamos congressos, adotamos de vez essa identidade visual de Briosa”, disse Coelho.
Rebaixado da elite estadual em 2006, o clube viveu anos difíceis com quedas consecutivas até a Segunda Divisão do Paulista, que é na verdade o quarto patamar.
Até agosto de 2022, pairava um temor de que boa parte do terreno ocupado pelo clube desde 1971 fosse perdido. Cedida pela União em comodato, a área federal abriga a sede social, mas foi arrematada em leilão.
No acordo com os novos donos, o grupo empresarial Peralta cederá parte da área para construir um prédio vertical para atender aos sócios. O estádio ficará e ganhará reforma na fachada. O clube já desocupou a parte do terreno que receberá um complexo residencial.
“Entregamos o nosso fundo todo e acredito que começamos as construções em janeiro. Está em fase de aprovação de plantas, mas vai sair”, assegurou Coelho.
KLAUS RICHMOND / Folhapress