CURITIBA, PR (FOLHAPRESS) – O fechamento das comportas da Barragem Norte, no município de José Boiteux, em Santa Catarina, já provoca o alagamento de ao menos quatro aldeias da Terra Indígena Laklãnõ Xokleng na manhã desta quarta (11), segundo a DPU (Defensoria Pública da União).
A Defensoria Regional de Direitos Humanos em Santa Catarina, ligada à DPU, afirma que os indígenas estão em situação de “gravíssima vulnerabilidade” e pede à Justiça Federal uma liminar que obrigue o governo estadual a dar assistência a eles.
A comunidade indígena, de acordo com a defensoria, precisa de cestas básicas, água potável, velas, lonas, barracas, medicamentos, ferramentas e barquinhos, entre outras coisas.
Procurado, o governo Jorginho Mello (PL) afirmou à reportagem que “a alegação de falta de assistência aos indígenas é falsa”.
Segundo a defensora pública Mariana Döering Zamprogna, as aldeias Sede, Figueira, Coqueiro e Palmeira já se encontram alagadas. “Ademais, algumas aldeias demandam a atenção imediata do estado de Santa Catarina para que possam satisfazer suas necessidades mais básicas e garantir a sua proteção física”, escreveu ela em petição à Justiça Federal.
O alagamento da área, onde vivem cerca de 3.000 indígenas, já era esperado desde domingo (8), quando o governo de Santa Catarina começou a fechar as comportas de três barragens no estado consideradas estratégicas para minimizar o impacto das cheias dos rios para algumas cidades.
As chuvas caem com intensidade no estado desde o último dia 4. Comportas de três barragens no estado -Taió, Ituporanga e Barragem Norte- começaram a ser fechadas no último final de semana na tentativa de minimizar os efeitos das cheias dos rios para algumas cidades.
A terra indígena fica acima da Barragem Norte. “O governo dá prioridade à população abaixo da barragem. A água está subindo rápido aqui. As pessoas estão indo para a igreja ou para casas de familiares”, disse a professora Keli Regina Xokleng, em entrevista na segunda (9). Segundo ela, a última vez que as comportas foram fechadas foi em 2014.
“Os bens solicitados são apenas necessidades de tipo mais básico para a sobrevivência dos indígenas, que precisaram abandonar suas casas, pertences, seu patrimônio histórico-cultural, seu território, em razão do fechamento da barragem, o que se deu em nome do bem comum e da segurança da população da região”, diz a defensora.
Ela pede ainda que o governo catarinense comprove o atendimento das demandas específicas de cada aldeia, sob pena de multa não inferior a R$ 10 mil por dia, em caso de descumprimento.
Até o início da tarde desta quarta, a Justiça Federal ainda não havia julgado o pedido.
A reportagem entrou em contato com o governo, que se manifestou através de nota, na qual afirma que “tudo que foi acordado com as lideranças indígenas está sendo rigorosamente cumprido”.
“Até o momento foram entregues uma ambulância, água potável e cestas básicas para as 969 famílias, conforme previsto no acordo. Três barcos já foram enviados para José Boiteux, mas na chegada na cidade foram solicitados outros modelos específicos de embarcações. Uma van também já está à disposição dos indígenas na cidade, aguardando apenas a formalização da entrega”, diz a nota.
A gestão também diz que a Secretaria da Saúde forneceu “ambulância equipada e entregou medicamentos”. Acrescentou que está dando suporte para a Secretaria Especial de Saúde Indígena, ligada ao Ministério da Saúde e responsável pelo atendimento no local.
A Barragem de José Boiteux é a maior barragem do sistema de contenção de cheias do Vale do Itajaí, com capacidade de armazenamento de 326,00 hm³ (hectômetro cúbico) de água.
Segundo a Defesa Civil, a estrutura da barragem tem capacidade de mitigar as inundações em Blumenau e região em cerca de 3 a 4 metros, mesmo sem a operação das comportas. “Com a operação, a depender do regime de chuvas, é possível mitigar um adicional de até 1 metro da enchente em Blumenau”, aponta a Defesa Civil.
Além de Blumenau, os municípios de José Boiteux, Ibirama, Apiúna, Rodeio, Ascurra, Indaial, Gaspar, Ilhota e Itajaí também são influenciados pela operação da barragem.
MPF QUESTIONA DATA DE LAUDO SOBRE SEGURANÇA DA BARRAGEM
Na Justiça Federal, o Ministério Público Federal pediu na noite desta terça (10) que o governo catarinense faça esclarecimentos sobre o relatório de inspeção da Barragem Norte que comprovaria que a estrutura tem condições de operar sem riscos.
O último fechamento de comportas ocorreu em 2014 e, desde então, a estrutura não tem recebido manutenção adequada, segundo a Procuradoria.
O relatório apresentado pelo governo é um laudo feito em julho de 2021 pela empresa Hydros Engenharia.
“Em que pese o documento indicar que a barragem se encontra em condições de utilização, é preciso esclarecer se o estudo se encontra vencido”, aponta a Procuradoria.
O Ministério Público Federal destaca que uma resolução de 2017 da ANA (Agência Nacional de Águas) dispõe que a ISR (Inspeção de Segurança Regular) deve ser realizada no mínimo uma vez por ano.
No laudo de julho de 2021, os técnicos apontam que as anomalias encontradas na estrutura não comprometem de imediato a segurança da barragem, mas alertam que a situação precisa ser “controlada, monitorada ou reparada”.
A PGE (Procuradoria Geral do Estado) disse à reportagem que vai se manifestar no processo, “conforme os prazos determinados pela Justiça”.
PREFEITO COBRA REABERTURA DE COMPORTAS
Em Taió, uma das cidades de Santa Catarina mais afetadas pelas enchentes, a prefeitura pediu que o governo reveja a decisão de fechar as comportas de barragens.
Vídeo divulgado em redes sociais na noite de terça-feira (10) mostra trecho do telefonema do prefeito de Taió, Alexandre Purnhagen (MDB), ao coordenador de Monitoramento e Alertas da Defesa Civil estadual, Frederico Rudorff, no qual o mandatário da cidade apela para que as comportas da barragem de Taió sejam gradualmente abertas. “Estamos no limite”, disse o político.
O prefeito teme o acúmulo de água no reservatório e defende fluidez por etapas.
“O povo aqui está no limite. Precisamos esvaziar a barragem. Blumenau não precisa ficar com sapatinho seco. A gente está com a água na cabeça. Vai dar tragédia. Vai morrer gente por causa de festa”, disse o prefeito ao representante da Defesa Civil.
O prefeito se refere à 38ª Oktoberfest, que acontece em Blumenau, banhada pelo rio Itajaí-Açu, que sobe menos dentro da cidade a partir do fechamento das barragens.
“Taió também faz parte do estado”, disse o prefeito.
Na manhã desta quarta, o governador Jorginho Mello disse que já determinou a reabertura gradual em Taió, atendendo ao apelo do prefeito. Cinco comportas foram abertas e duas seguem fechadas.
CATARINA SCORTECCI / Folhapress