TAIPEI, TAIWAN (FOLHAPRESS) – No último final de semana, Meng Wanzhou encerrou seus seis meses na presidência rotativa da Huawei, passando o cargo temporário para Ken Hu -que é lembrado no Brasil por ter dirigido a operação latino-americana da empresa chinesa, a partir de São Paulo.
Neste meio ano, Meng, 50, filha do fundador da gigante de tecnologia, surpreendeu os próprios chineses, ao comandar o retorno da Huawei à produção de smartphones de ponta, com chip de 7nm (nanômetros) para conexão 5G, vencendo as sanções americanas impostas há mais de quatro anos.
Venceu também os três anos, até setembro de 2021, em que ela própria foi mantida em prisão domiciliar no Canadá, por ordem dos EUA, acusada de desrespeitar sanções americanas contra o Irã -como diretora financeira da empresa, seu cargo há mais de uma década.
O triunfo de Meng ocorreu de forma dramática em 30 de agosto, com o lançamento do Mate 60 Pro sem alarde, mas se espalhando online no momento em que Gina Raimondo, secretária de Comércio dos EUA, responsável por sanções, ia em um trem-bala de Pequim para Xangai.
Raimondo chamou o episódio de “perturbador” e questionou se o chip desenhado pela Huawei tem de fato condição de ser produzido em larga escala na China. A resposta de Meng veio em seguida, apresentando toda a linha de celulares e outros aparelhos.
Além da ampla adoção do chip de 7nm, houve mais novidade no evento final de Meng. A Huawei cancelou a compatibilidade com aplicativos Android, do Google, tornando seu HarmonyOS o terceiro sistema operacional independente, a exemplo também do iOS, da Apple.
“Ninguém havia percebido a transformação da Huawei em uma empresa de software e inteligência artificial”, comentou Paul Triolo, especialista em China e tecnologia da consultoria ASG, de Washington. A menção a IA veio do discurso de Meng, sua despedida da presidência rotativa.
Nele, a executiva delineou o que seria o próximo passo, após retomar a presença em smartphones de ponta e se aprofundar em software. Chamou de estratégia “all intelligence”, toda inteligência, se propondo a dar suporte para o salto da China em inteligência artificial.
“O objetivo da estratégia é acelerar a transformação inteligente de milhares de indústrias”, disse ela. “A Huawei está comprometida em construir uma base sólida de potência de computação na China e oferecer uma segunda opção, uma segunda escolha para o mundo.”
Exatos dois anos antes, Meng havia desembarcado no aeroporto de Shenzhen Bao’an, na cidade-sede da Huawei, com transmissão ao vivo pela rede CCTV e editorial do Diário do Povo, saudando seu retorno como prova de que nada “pode parar o avanço da China”.
Ela chorou na pista, diante das câmeras, e declarou ao microfone: “Finalmente estou em casa”. Agradeceu Xi Jinping pela negociação com Joe Biden que a libertou e que incluiu a soltura de dois canadenses. Em meio à pandemia, saiu do aeroporto para a quarentena.
Desde então, é tratada como heroína, em mídia social e na imprensa, o que se ampliou com os resultados de sua presidência rotativa. Ela teria “cimentado seu papel como herdeira de Ren Zhengfei”, o célebre fundador e ainda a maior liderança da Huawei, aos 78 anos.
A indicação de Meng para ser um dos três nomes da presidência rotativa foi vista como sinal de que a resistência de Ren pode ter sido derrubada. Ele fala há décadas que a filha não tem formação em tecnologia, só em finanças, o que seria impeditivo para presidir a Huawei. Meng fez contabilidade na Universidade Huazhong, em Wuhan.
Em mídia social, veem-se afirmações como: “Depois que a Huawei sofreu contínuas sanções dos EUA e do incidente canadense, Meng Wanzhou não é mais uma simples CFO. No contexto da guerra comercial sino-americana, foi transformada em uma figura heroica”.
Seu maior concorrente é Eric Xu, o terceiro nome na lista da presidência rotativa. É o que procura ser mais realista, em seus pronunciamentos, por exemplo, dizendo que é “desafiador ou impossível” avançar além do chip de 7nm, com as restrições americanas.
Outro nome que começou a aparecer é o de He Tingbo, presidente do comitê de cientistas da Huawei e também da subsidiária que desenvolveu o novo chip, HiSilicon. É tratada como “a supermulher que destruiu as sanções dos EUA”, após “quatro anos no inferno”.
Com menos chance, também é lembrada a irmã de Meng, Annabel Yao, 25 anos mais nova e filha do segundo casamento de Ren. Ela tenta carreira como cantora e atriz, mas se formou em ciência da computação na Universidade Harvard, nos EUA.
NELSON DE SÁ / Folhapress