Governo Lula retoma política de participação social, mas foco em diversidade é desafio

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O governo Lula (PT) criou uma rede de assessores de participação social e diversidade com representantes de diferentes ministérios na tentativa de articular as ações e alavancar esses temas.

Após nove meses de gestão, a nova estrutura, que fica sob a coordenação da Secretaria-Geral da Presidência, ainda está em formatação e tem os dois assuntos tratados com pesos distintos —com foco na interlocução com a sociedade civil, a rede não atua, por exemplo, nas políticas de diversidade do próprio governo.

A retomada dos espaços de participação social foi uma das bandeiras de Lula em sua campanha, em contraposição à gestão de Jair Bolsonaro (PL), que buscou minar ou esvaziar a maioria dos conselhos e instâncias do tipo existentes no governo. Um dos exemplos é o Consea (Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional), que foi reativado em fevereiro.

Além de atuar na reestruturação das instâncias dos próprios ministérios, a rede de assessorias teve na preparação dos Diálogos Amazônicos uma de suas principais iniciativas até agora, organizando plenárias e debates com pluralidade de vozes sobre as questões da região, em paralelo à Cúpula da Amazônia –que reuniu chefes de Estado da região, em agosto.

Fabrício Araújo Prado, chefe da assessoria no Itamaraty e peça central na organização junto às demais assessorias, destaca a interlocução no mesmo evento de diversos segmentos que não se encontram com frequência, incluindo representantes de ONGs e movimentos, da área acadêmica, de empresas, órgãos públicos e parlamentares.

“Foi uma experiência que recupera uma tradição do Brasil, como foi a Conferência do Rio de 1992, considerada um marco de participação social em política internacional”, diz.

Conforme previsto nos decretos de estruturação do governo Lula, quase todos os ministérios têm uma assessoria de participação e diversidade em sua estrutura.

A Defesa e o GSI (Gabinete de Segurança Institucional) estão entre as poucas pastas não incluídas na rede, como mostrou a Folha de S.Paulo, o que é interpretado como uma blindagem dos militares.

Além delas, estão apenas a CGU (Controladoria-Geral da União), que afirmou estar participando das atividades da rede, e a Secretaria das Relações Institucionais da Presidência, que disse dialogar com o tema por meio do “Conselhão” —reinaugurado em maio.

A maioria dos ministérios já possui um assessor à frente do tema. No entanto, há ainda pelo menos três pastas que até setembro seguiam sem nomear representantes formalmente para as respectivas assessorias.

Transportes disse que tinha encaminhado o nome da pessoa escolhida para apreciação da Casa Civil e aguardava aprovação. O Ministério dos Povos Indígenas não respondeu. Desenvolvimento e Assistência Social também não respondeu, mas segundo a Secretaria-Geral uma servidora da pasta vem acompanhando as reuniões.

Mariana Braga, chefe da assessoria na Cultura, menciona como um dos destaques a implementação de ações afirmativas a partir da regulamentação da Lei Paulo Gustavo. Ela ressalta ainda a diversidade na composição do time de assessores e vê importância na rede porque as demandas não chegam direcionadas a uma só área.

“É uma maioria de pessoas vindas de periferia, de movimentos sociais, pessoas negras, trans. Isso por si só já traz novos olhares para construção da política pública dentro dos aspectos de diversidade”, afirma.

À frente do tema na gestão atual, a secretária-executiva adjunta da Secretaria-Geral, Tânia Maria de Oliveira, afirma que uma das primeiras tarefas do grupo foi trabalhar no mapeamento da situação dos conselhos para reestruturá-los. Ela diz que os assessores mantêm contato com movimentos, levando demandas para os ministérios e retornando depois para os grupos.

O foco das atividades tem sido a participação social, com a justificativa de que a diversidade já está incluída na discussão, sendo um princípio das políticas públicas do governo Lula.

“Temos pastas específicas para as políticas, como os ministérios da Igualdade Racial, das Mulheres, dos Povos Indígenas e a Secretaria Nacional de Juventude, que funciona dentro da estrutura da Secretaria-Geral da Presidência da República. Então a diversidade está contemplada em todo o governo”, diz Oliveira.

Daniela Salomão, chefe da assessoria de Gestão e da Inovação, cita, por exemplo, o esforço para tornar as políticas mais inclusivas para mulheres do campo.

“A Marcha das Margaridas é um movimento social e está muito claro ali que também é diversidade, porque é um movimento de mulheres. Então a participação social, ela não é dissociada do que se chama de diversidade.”

Para Artur Sinimbu, que é chefe da assessoria de participação e diversidade do Ministério da Igualdade Racial, continuar avançando com a transversalidade das políticas públicas, considerando os recortes de gênero e raça, por exemplo, é um desafio.

“As políticas de diversidade variam com mais intensidade do contexto de uma política para outra. O que se faz de diversidade e de forma efetiva num ministério pode ser radicalmente inócuo em outro ministério, porque o racismo, o machismo, são formas muito sofisticadas de hierarquização.”

Apesar das intersecções entre os dois temas, há iniciativas relacionadas à diversidade encampadas no governo que acabam sendo tocadas sem que haja uma mesma rede estruturada interligando todas as pastas, como ocorre com a política de participação.

Um exemplo da diferença de peso é a criação por decreto de um Sistema de Participação Social, reunindo as assessorias e tendo como órgão central a Secretaria-Geral. Não há algo equivalente, porém, para coordenar as ações de diversidade.

Em março, o governo criou um grupo de trabalho formado por dez ministérios para elaborar um programa nacional de ações afirmativas, voltado à população negra, indígena, com deficiência e mulheres.

Outro grupo criado em julho e que também conta com dez pastas trata do assédio na administração pública.

Em outra frente, buscando atingir maior diversidade racial em instâncias decisórias do serviço público, o governo editou um decreto que determina que 30% dos cargos de confiança dos órgãos do Executivo sejam ocupados por pessoas negras até o fim de 2025.

A ação ficou sob o guarda-chuva dos Ministérios da Igualdade Racial e da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos, um dos próximos passos será definir como se dará o controle e monitoramento da ocupação desses postos pela Esplanada.

RENATA GALF E PRISCILA CAMAZANO / Folhapress

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