‘Fiz feijoada, mas não sei se teremos café da manhã’, diz brasileira em kibutz perto de Gaza

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O telefone tocou na madrugada de sábado (7) em Porto Alegre. Era uma ligação de Israel. “Está voando míssil para todo lado”, disse Miriam Mittelmann, 58, para o marido, que não dormiu mais. “Está tremendo tudo, tem alguma coisa séria acontecendo”.

Miriam e os filhos adultos estavam em casa, no kibutz Bror Hayil, comunidade rural a 7,5 km da Faixa de Gaza, de onde partia a ofensiva da organização terrorista palestina Hamas.

“Botei o cachorro para dentro, tranquei tudo e ficamos na escada, entre duas paredes de concreto”, conta ela.

Construída nos anos 80, a casa de estrutura leve não tem abrigo antibomba.

“Ficamos 18 horas acordados, ouvindo ‘bum’ e aviões passando, com a TV ligada e o WhatsApp cheio de mensagens”, diz Miriam.

Os relatos eram de que três kibutzim na fronteira com Gaza haviam sido invadidos. Em um deles, o Be’eri, mais de cem corpos foram encontrados.

“A fronteira é segura, um passarinho senta na cerca e já pisca a sirene. Como deixaram passar terroristas com carros e motos?”, questiona a brasileira, que vive no sul de Israel há 38 anos e diz que o momento atual é inédito.

No Bror Hayil, que tem mais de 1.120 pessoas, duas equipes são acionadas em casos como esse há pelo menos 50 anos. Uma se volta a serviços de emergência, como controle da população local e de mantimentos, e a outra tem treinamento militar.

“São umas dez pessoas levemente armadas, com metralhadoras e revólveres, mas não dá para enfrentar 50 terroristas com mísseis de ombro”, explica Marcelo Mittelmann, 60, há um mês no Brasil em visita aos pais idosos.

Ele embarcou nesta quinta-feira (12) para Roma. No sábado, segue para Israel em voo da companhia El Al, autorizada a pousar no aeroporto de Tel Aviv.

No dia seguinte ao ataque, Miriam e os filhos juntaram roupas para três dias e pegaram estrada. “Não podia dirigir rápido porque tinha barreiras e polícia. O Xuxu [cachorro] vomitou em tudo, mas seguimos sem parar.”

Passaporte, joias, remédios e o carro do marido ficaram para trás em direção a Raanana, cidade a 20 km de Tel Aviv, na casa de um primo.

“Aqui é relativamente seguro, o comércio está aberto, mas desfalcado. Parece a época da Covid-19.”

Leite, frutas, verduras, papel higiênico, desodorante e meias são alguns dos produtos em falta nas prateleiras.

Para passar o tempo e afastar pensamentos ruins, Miriam e a filha Natali, 26, evitam o noticiário e buscam atividades prazerosas, como passear com o cachorro ou cozinhar.

“Fiz feijoada”, diz ela. “Mas não sabemos se teremos café da manhã.”

Quarenta soldados israelenses montaram acampamento dentro do kibutz. “Estão na sala de atividades das crianças”, conta Marcelo.

“As mulheres estão cozinhando para eles. Uma coisa é comer ração militar, a outra é comidinha de casa, Coca-Cola e chocolates.”

Com cargo de chefia no departamento de segurança de informação na Prefeitura de Tel Aviv, Marcelo Mittelmann eleva o tom contra o grupo terrorista.

“O estatuto do Hamas diz que religiões anteriores ao islamismo não veem a verdade e que é preciso exterminar judeus e, depois, cristãos. Não tem como negociar com isso.”

Ele explica o procedimento padrão do xército israelense ao bombardear um edifício: “Uma ligação em árabe pede que os ocupantes deixem o prédio e cinco minutos depois uma bomba pequena, de aviso, é lançada. Evitam matar civis.”

Esta foi a semana mais sangrenta do século entre Israel e Palestina, com ao menos 2.300 mortes —o balanço não inclui os 1.500 integrantes da facção que Israel diz ter matado dentro do país.

“Terroristas entram aqui, raptam pessoas, assassinam nossas crianças e é Israel quem está cometendo crime de guerra?”, questiona Miriam Mittelmann, em ligação com a reportagem às 23h de lá, de um quarto fortificado.

Ela lembra com melancolia da noite anterior ao ataque, quando se juntou aos vizinhos em uma confraternização no kibutz.

Havia barracas de comida brasileira, música e a presença do candidato à prefeitura regional, Ofir Libstein.

“Fomos para casa cheios de adrenalina, à meia-noite e, pela manhã, soube que Ofir foi assassinado em sua casa pelos terroristas. Foi uma festa de despedida da vida.”

GABRIELA CASEFF / Folhapress

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