SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Os australianos rejeitaram neste sábado (14), em referendo, uma emenda à Constituição que propunha reconhecer os aborígenes como os primeiros habitantes do território e criar um órgão consultivo para lidar com temas relacionados a esses povos no Parlamento.
Na Austrália, para ser aprovado, um referendo precisa ter maioria dos votos em quatro dos seis estados do país e, concomitantemente, maioria de votos em nível nacional. Ao depositar o voto, os australianos tinham que escrever “sim” ou “não” em uma cédula que questionava se concordavam com a proposta de reconhecimento dos aborígenes.
Os apoiadores da proposta acreditavam ela inauguraria uma nova era para seus povos autóctones, que compreendem centenas de grupos diferentes, cada qual com suas próprias histórias, tradições e idiomas. Eles representam 3,8% da população de 26 milhões do país oceânico e estão na região há 60 mil anos, aproximadamente, mas não são nem sequer mencionados na Carta Magna, de 1901.
Também formam o grupo mais desfavorecido do país segundo indicadores socioeconômicos, registrando altas taxas desproporcionalmente altas de suicídio, violência doméstica e encarceramento e expectativa de vida cerca de oito anos menor do que a dos australianos não aborígenes.
O órgão consultivo aborígene, batizado de “Voz no Parlamento”, foi proposto na Declaração Uluru do Coração, um documento de 2017 elaborado por cerca de 250 líderes aborígenes que estabeleceu um roteiro para a reconciliação dos povos com o resto da população australiana. Na época, a administração, conservadora, rejeitou o pedido.
Ao ser eleito, em 2022, o primeiro-ministro Anthony Albanese retomou o assunto, propondo a realização de uma consulta pública sobre ele. A derrota da proposta neste sábado representa um revés para o seu governo e, para alguns acadêmicos e defensores de direitos humanos, um atraso de anos nos esforços de reconciliação dos aborígenes com o restante da população.
Após a divulgação dos resultados, o premiê pediu que os australianos fossem bondosos uns com os outros. “Assim como a Declaração de Uluru do Coração foi um convite feito com humildade, polidez e otimismo em relação ao futuro, nesta noite, devemos receber esse resultado com a mesma humildade e polidez. E amanhã devemos buscar um novo caminho com o mesmo otimismo”, disse ele em um encontro com a imprensa em Canberra, a capital.
A ministra para assuntos relacionados a aborígenes, Linda Burney, aparentava estar segurando as lágrimas ao discursar ao lado de Albanese. Ela admitiu que os últimos meses foram difíceis para essas comunidades e para os povos do Estreito de Torres. “Mas tenha orgulho de quem você é, de sua identidade. Dos 65 mil anos de história e cultura que você carrega, e de seu lugar legítimo neste país. Continuaremos, avançaremos, e prosperaremos”, disse.
Este é o primeiro referendo a ser realizada na Austrália em quase 25 anos -em 1999, houve uma votação para decidir se o país deveria se tornar uma república, rejeitado. A maioria dos referendos realizados na nação oceânica tiveram o “não” como resultado, aliás: desde a sua fundação, em 1901, só oito plebiscitos passaram, enquanto 36 foram recusados.
Em 1967 -mais de 60 anos depois da fundação do país, portanto- uma consulta popular para definir se os aborígenes deveriam ser considerados parte da população australiana se tornou um sucesso ao ganhar apoio político bipartidário. Não foi o caso do referendo deste ano, em que líderes dos principais partidos conservadores fizeram campanha pelo “não”.
Também depois da divulgação dos resultados, o líder da oposição, Peter Dutton, pediu que o governo mude o foco de sua gestão para questões de custo de vida, como os preços da eletricidade. Ele ainda sugeriu novamente a criação de uma comissão para apurar crimes sexuais contra crianças nas comunidades e que os programas voltados para os aborígenes passassem por uma auditoria.
“Este é o referendo que a Austrália não precisava ter. A proposta e o processo deveriam ter sido projetados para unir os australianos, não nos dividir. O que vimos esta noite é que literalmente milhões de australianos rejeitaram o referendo do primeiro-ministro”, disse Dutton.
A população de aborígenes da Austrália despencou a partir do início da colonização britânica, em 1788. Eles foram expulsos de suas terras, expostos a doenças e forçados a trabalhar em situações semelhantes à escravidão. Muitos ainda foram assassinados pelos colonizadores.
Além disso, uma a cada três crianças aborígenes foi tirada à força de suas famílias entre as décadas de 1910 e 1970 e levada para adoção por australianos não aborígenes, em uma tentativa de inseri-las na sociedade. Em 2008, o governo pediu desculpas pela chamada “Geração Roubada”.
Redação / Folhapress