Equador elegerá empresário ou esquerdista após assassinato de candidato

BUENOS AIRES, ARGENTINA (FOLHAPRESS) – Foram turbulentos os últimos meses no Equador. Em 150 dias, o país sul-americano viveu uma tentativa de impeachment, a dissolução de sua Assembleia, a convocação de eleições antecipadas, o assassinato de um candidato e a ascensão de um novo presidenciável, em meio a uma crise de segurança nas ruas e nas prisões.

Depois de tudo isso, os equatorianos vão ao segundo turno neste domingo (15) em clima de esperança, mostram pesquisas. Elegerão entre um dilema político clássico, segundo analistas: de um lado, está o empresário de centro-direita Daniel Noboa, 35; do outro, a esquerdista e correísta Luisa González, 45, ambos ex-deputados considerados moderados.

Quem for eleito presidente terá um tempo curto de mandato. Governará por apenas um ano e meio, já que esse é um pleito atípico, convocado pelo atual presidente, Guillermo Lasso, para evitar um impeachment após decretar, em maio, a chamada “morte cruzada”, mecanismo previsto na Constituição equatoriana.

O ex-banqueiro de direita deixará o cargo em 30 de novembro sem ter conseguido acordos na Assembleia Legislativa e com uma das piores avaliações entre presidentes latino-americanos, por isso Noboa tem tentado se afastar da posição de centro-direitista na qual analistas o colocam. Ele já chegou a dizer que é de centro-esquerda.

Noboa, que pode se tornar o líder mais jovem do país, é filho de um bilionário que tentou chegar à Presidência cinco vezes e foi a grande surpresa do primeiro turno em agosto. Disparou nas primeiras sondagens, herdando os eleitores de vários outros candidatos de direita ou centro-direita que ficaram pelo caminho -mesmo tendo sido o segundo mais votado, com 23,5% dos votos válidos.

Na última quinta (12), a Folha de S.Paulo revelou que Noboa é dono de empresas em paraísos fiscais, o que é proibido pela lei eleitoral equatoriana. A campanha dele não quis comentar.

González, porém, que pode ser a primeira mulher a governar, demonstrou reação na última semana e diminuiu a diferença, o que jogou certa indefinição sobre o que pode acontecer nas urnas. Com longa carreira pública, ela atraiu 33,6% dos eleitores na primeira votação, representando o ex-presidente Rafael Correa e sua força política, que dominou o país em 15 dos últimos 17 anos.

“A escolha será entre um modelo empresarial, capitalista e neoliberal ou um socialismo do século 21, mais moderado, que não promete tocar nos interesses empresariais nem na dolarização [o Equador adota a moeda americana desde 2000]”, diz Michel Rowland, consultor e cientista político no país.

O clima de medo que se espalhou antes do primeiro turno, com o assassinato do candidato Fernando Villavicencio por sicários em um ato de campanha em Quito, parece ter se dissipado um pouco após o pleito tranquilo. Mesmo assim, haverá novamente um forte esquema de segurança com revistas e mais de 100 mil agentes nos colégios eleitorais.

O Equador, antes considerado um lugar seguro, viu a guerra entre narcotraficantes explodir nos últimos dois anos, triplicando sua taxa de homicídios e fazendo crescer os casos de violência política. Isso ocorreu num contexto de aumento da produção global de cocaína, que tornou os estratégicos portos do país mais relevantes na rota aos Estados Unidos, à Europa e à Ásia.

Gangues locais se converteram em dezenas de grupos sofisticados, sendo armados e financiados por facções colombianas e mexicanas, sem preparo do Estado para lidar com uma ameaça dessa magnitude. Suspeita-se que Villavicencio tenha sido morto por uma dessas facções, as quais ele costumava criticar publicamente.

Sete colombianos acusados pelo crime foram enforcados em duas prisões no último sábado (7), gerando uma nova crise institucional. Guillermo Lasso voltou às pressas de uma viagem a Nova York e trocou toda a cúpula policial do país. Ainda não se sabe quem são os mandantes do assassinato do candidato, pelos quais os EUA estão oferecendo uma recompensa de US$ 5 milhões (R$ 25 milhões).

“Em um contexto tão trágico e violento, os dois presidenciáveis têm tentado escapar de confrontações mais fortes entre si. A população pede que haja consenso”, analisa a cientista política Ingrid Ríos, professora da Universidade Casa Grande, em Guayaquil. Tanto Noboa quanto González ainda usam coletes à prova de balas nos atos de campanha.

As propostas dos dois não destoam tanto na área da segurança, principal preocupação para 40% da população. Ambos falam em endurecer a repressão a organizações criminosas e equipar as polícias. González diz que vai militarizar presídios, fronteiras e portos para “retomar o controle do país”. Noboa quer também criar “prisões-barco” para isolar os mais perigosos.

Para o consultor político Rowland, outro fator que definirá essa eleição será o correísmo versus anticorreísmo: o ex-presidente Correa recebeu asilo na Bélgica após ser condenado em 2020 por corrupção em suas campanhas, alegando que é perseguido politicamente. González é vista como alguém que pode trazê-lo de volta à gestão do país, no mínimo como seu assessor à distância.

Segundo a pesquisadora Ingrid Ríos, porém, ela tem tentado se afastar da imagem do padrinho no segundo turno. “Houve uma mudança na estratégia de marketing. No primeiro turno parecia que o candidato era ele, mas agora ele está em segundo plano. Eles perceberam que o discurso do ‘já fizemos e vamos voltar a fazer’ não funcionou com o eleitorado indeciso”, afirma.

Além da crise na segurança, o novo presidente terá que lidar com outras questões. Mesmo com taxas de emprego estáveis, 52% dos postos de trabalho ocupados no país são informais –cifra que gira em torno de 40% no Brasil. Já a pobreza atingiu em dezembro 27% da população, nível mais alto que no pré-pandemia, período em que o Equador sofreu bastante economicamente.

Esses fatores, somados à piora da violência, levaram a um aumento das tentativas de migração legal e ilegal a outros países, principalmente aos EUA. Recentemente, os equatorianos se tornaram, atrás dos venezuelanos, a segunda nacionalidade que mais se arrisca a atravessar a perigosa selva de Darién, no Panamá.

JÚLIA BARBON / Folhapress

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