Reforma, trânsito e tombamento viram desafio para nova gestão de Congonhas

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O grupo espanhol Aena assume nesta terça-feira (17) a concessão do aeroporto de Congonhas, na zona sul de São Paulo, com enormes desafios.

Por contrato e sob risco de multa, a concessionária terá até cinco anos para modernizar e ampliar o velho terminal aeroportuário —dono da segunda maior movimentação de passageiros no país—, sem paralisar as operações e sem deixar que os canteiros de grandes obras estruturais levem caos ao local e à malha aérea nacional.

Congonhas e outros dez aeroportos de Minas Gerais, Mato Grosso do Sul e Pará fizeram parte da sétima rodada de concessões, vencida em agosto do ano passado pela Aena Brasil, com lance único de R$ 2,4 bilhões.

A nova gestão dos 11 aeroportos começou a ser feita a partir de Uberlândia (MG), na última terça-feira (10), e vai em sequência até 30 de novembro (Altamira-PA).

Pela complexidade, a posse de Congonhas levará mais tempo que as demais, e a concessionária reservará um espaço de 21 dias até começar a administração do aeroporto seguinte, o de Ponta Porã (MS), em 7 de novembro.

Entre as obrigações da empresa está a de construir um novo terminal e mudar de lugar as 12 pontes de embarque (além de ampliar o número atual para ao menos 20), em um obra que precisará ficar pronta até junho de 2028.

“É um belo esforço de gerenciamento para não transformar em caos”, afirma David Goldberg, diretor da divisão de infraestrutura da empresa Alvarez & Marsal.

Um dos coordenadores do estudo de viabilidade da licitação do bloco com os 11 aeroportos, ele afirma que fazer a revitalização sem parar o aeroporto é como trocar o pneu de um carro em movimento.

Ao ser questionado pela Folha de S.Paulo, em entrevista coletiva, sobre como minimizar os problemas aos passageiros e aos vizinhos com as obras, o diretor-presidente da Aena no Brasil, Santiago Yus, foi direto: “Não tenho a resposta hoje”.

Com 27 projetos em análise e consultorias internacionais de engenharia e arquiteturas contratadas, Yus afirma que será preciso conviver com a estrutura atual até a entrega total da nova, mantendo ao máximo a operação do aeroporto, que neste ano, até agosto, recebeu 14,3 milhões de usuários.

O número, aponta a Infraero, estatal responsável por Congonhas até segunda-feira (16), ainda é inferior aos 14,9 milhões de passageiros em 2019, antes da pandemia de Covid-19.

Goldberg destaca uma janela diária, entre 23h e 6h, quando o aeroporto fecha ao público, para a realização de obras.

O anteprojeto operacional e arquitetônico da ampliação de Congonhas precisa ser entregue à Anac (Agência Nacional de Aviação Civil) até dezembro e as obras devem começar em 2024.

A construção do novo terminal é necessária para aumentar a distância entre a pista principal e a de taxiamento, atualmente menor do que determinam as normas internacionais.

Segundo a Anac, Congonhas opera hoje graças a procedimentos e medidas mitigatórias, aprovados em processo de certificação, renovado em maio passado. Mas a concessionária terá de adequar o aeroporto.

Estão nos planos e promessas de curto prazo, até 2026, ampliação da saturada sala de embarque atual, readequação das vias de acesso e revitalização da fachada que, segundo a concessionária, “está envelhecida e maltratada”.

A fachada de Congonhas, assim como partes do atual terminal de embarque, o pavilhão das autoridades e um hangar de madeira, são tombados desde 2011 pelo Conpresp (Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico e Cultural) e isso pode ser uma dificuldade a mais nos planos de revitalização do aeroporto de quase 90 anos.

De acordo com a Secretaria Municipal de Cultura, a construção de um novo terminal não deve provocar qualquer interferência nas edificações protegidas, tampouco prejudicar a sua visibilidade.

O DPH (Departamento de Patrimônio Histórico) afirma ter orientado a concessionária para se guiar nas determinações especificadas da resolução de tombamento.

Valter Caldana, professor da FAU (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo) da Universidade Presbiteriana Mackenzie, afirma que, pela importância do aeroporto aos paulistas, a concessionária terá de tornar públicos seus projetos, sobretudo os que envolvem bens tombados.

“É um belíssimo exemplo de arquitetura de qualidade internacional aeroportuária, com parte tombada que, além de ela estar desfigurada em vários pontos, precisaria e merece ser restaurada”, afirma.

Entre os estudos, estão o de transformar o terminal atual em local de desembarque, área comercial ou de escritórios.

“Não quero antecipar, pois temos de falar com patrimônio histórico e artístico da cidade de São Paulo para ver quais são os usos dentro desse terminal”, diz Yus.

A nova área de terminal deverá ter 80 mil m², praticamente o dobro de hoje.

Marcus Quintella, diretor da FGV Transporte, da Fundação Getúlio Vargas, diz que Congonhas pode ser transformado em um aeroporto comercial, inclusive com salas de cinema, principalmente por estar em uma região densamente povoada. “Tem uma atratividade interessante”, diz.

NOVO PROJETO TERÁ DE CONCILIAR O PASSADO E O FUTURO

O aeroporto foi construído com arquitetura inspirada no estilo art déco, assinada por Ernani do Val Penteado e Raymond A. Jehlen. O primeiro voo para o Rio de Janeiro decolou em 1936.

Por ter valor histórico, a reformulação deve se preocupar com a paisagem do local, que remete ao imaginário, diz Hugo Segawa, professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP.

Conforme a Aena, o terminal atual terá de fazer a conexão com a futura linha 17-ouro do Metrô, que deveria ter sido entregue para a Copa do Mundo de 2014 e teve obras retomadas no últimos mês —a mais nova promessa é inauguração em 2026—, além de ter ligação com o estacionamento.

Melhorar o acesso, principalmente para quem chega de carro, está entre as ações de curto prazo, mas ainda não há projeto definido.

Segundo a Aena, o trânsito no acesso ao aeroporto é pesado e confuso. Algumas alterações, diz, podem torná-lo mais fluido e menos congestionado. A CET (Companhia de Engenharia de Tráfego) já iniciou conversas com a concessionária.

O aumento no fluxo de passageiros —pode chegar a 35 milhões de pessoas no fim do contrato de 30 anos e há planos para voos internacionais— tende a refletir diretamente no entorno do aeroporto.

No ano passado, associações de bairros vizinhos a Congonhas entraram na Justiça para tentar barrar a concessão. Não tiveram sucesso, mas alertaram para o temor do aumento de trânsito e poluição, inclusive sonora.

Por isso, explica o urbanista Segawa, serão necessárias mudanças inteligentes nos sistemas viário e de acesso ao transporte público.

“Existem soluções e boas, estudadas há décadas, mas que são complexas e caras”, diz o também arquiteto Caldana.

Um concorrente ouvido pela reportagem afirmou que seu grupo não entrou na disputa do leilão por considerar que na modelagem do projeto, Congonhas era um risco muito grande.

Para Yus, porém, nos próximos cinco anos a Aena não deverá ter um projeto de infraestrutura tão relevante quanto o do aeroporto da cidade de São Paulo.

FÁBIO PESCARINI / Folhapress

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