Míriam Leitão monta quebra-cabeças cuidadoso e didático da Amazônia em novo livro

FOLHAPRESS – As transformações que a região amazônica sofreu nas últimas décadas foram tão aceleradas e brutais que é preciso um esforço fora do comum para compreender como elas se encaixam. “Amazônia na Encruzilhada”, novo livro da jornalista Míriam Leitão, consegue montar a maior parte desse quebra-cabeças, enxergando através do cipoal cotidiano de operações do Ibama, más notícias climáticas e poderio crescente do agronegócio para montar uma visão de conjunto.

Dada a complexidade da Amazônia e dos problemas que enfrenta, é inevitável que o resultado de tal esforço seja um livro caudaloso, mas as quase 500 páginas passam voando. A narrativa da autora tem ritmo ágil de reportagem, didatismo cuidadoso e domínio do tema.

Essas virtudes derivam, em primeiro lugar, do fato de que Leitão combina sua experiência na cobertura de temas econômicos ao conhecimento detalhado dos dilemas ambientais da região —combinação um bocado rara no jornalismo televisivo brasileiro.

Apesar do gigantismo e diversidade da região, boa parte da história narrada pela autora segue uma trajetória fácil de entender: triunfo, queda e possível redenção. Dito desse jeito, parece maniqueísmo, mas não há outro jeito de descrever o que aconteceu com o desmatamento amazônico durante os governos brasileiros após a redemocratização.

Em suma, depois de tentativas frustradas para controlar o assalto à floresta nos anos 1980-1990, o primeiro governo Lula, por meio da equipe da ministra Marina Silva, foi o primeiro a reduzir de forma significativa o desmate, graças a uma combinação de tecnologia de monitoramento de ponta, legislação rígida (ambas legadas, em parte, por governos anteriores) e disposição para fazer cumprir a lei.

O desenvolvimentismo dos governos Dilma e Temer e, principalmente, a ascensão do bolsonarismo colocaram essa vitória em risco. No caso de Bolsonaro, os motivos eram os mais delirantes possíveis —uma obsessão com supostas fortunas minerais e conspirações contra a soberania nacional que não encontram o menor respaldo na realidade.

São reveladores, por exemplo, os relatos sobre o ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles, chamando investidores europeus e americanos de “comunistinhas” por criticarem a política de Bolsonaro para a Amazônia.

O delírio, porém, tinha método, como mostra a autora: em suma, ele deu poder a caciques políticos locais que se beneficiavam do garimpo, da grilagem de terras, da exploração madeireira e agropecuária predatórias.

O pior é que, tanto do ponto de vista econômico quanto do social, essa estratégia só favorece um pequeno grupo de espertalhões: diversos estudos, esmiuçados por Leitão, mostram que os municípios mais desmatadores da Amazônia têm desempenho econômico e índices sociais piores que os de seus vizinhos que não idolatram a motosserra.

Além disso, acabam diminuindo as chances de que a região conquiste investimentos de um mercado global cada vez menos tolerante com o desmatamento (ainda que isso também seja usado de forma cínica pelos mercados desenvolvidos).

Se até do ponto de vista econômico colocar a mata abaixo é uma imbecilidade, ao menos para a maioria das pessoas e no longo prazo, como o bioma já perdeu cerca de um quinto de sua extensão?

O livro analisa esse paradoxo explicando, por exemplo, os incentivos perversos que as brechas da legislação e os problemas da logística amazônica acabam trazendo. O garimpo do ouro talvez seja o caso mais gritante: pouco taxado e com notas fiscais ainda feitas a mão (até em “papel de pão”), a atividade é o paraíso dos estelionatários.

A volta de Lula e Marina Silva ao governo federal, desse ponto de vista, é inegavelmente o retorno da racionalidade à maneira de pensar a Amazônia, mas ainda é cedo para saber se será suficiente para fazer virar a maré.

Leitão aposta na valorização do conhecimento dos povos indígenas e na capacidade de transformar a riqueza da floresta em produtos com alto valor agregado para vencer o impasse. Não será fácil, mas a alternativa seria desastrosa para o Brasil e para o mundo.

Amazônia na Encruzilhada

Avaliação Muito bom

Preço R$ 92,90 (464 págs.); R$ 49,90 (ebook)

Autoria Míriam Leitão

Editora Intrínseca

Lançamento nesta quarta (18), às 19h, na Livraria da Travessa do shopping Iguatemi, em São Paulo

REINALDO JOSÉ LOPES / Folhapress

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