Nesta quinta-feira, dia 19 de outubro de 2023, completamos exatos 110 anos do nascimento de Vinicius de Moraes. Para celebrar, preparamos uma semana de homenagens a este grande artista. Hoje, seguimos com a Parte 2: os famosos sonetos, o cinema e a carreira diplomática de Vinicius de Moraes.
Caso ainda não tenha lido a Parte 1, clique aqui.
Vinicius de Moraes
Praticamente uma lenda de nossa história, a contribuição do também cantor, compositor, dramaturgo, crítico, roteirista e diplomata carioca para a cultura do nosso país é imensurável.
Quase todos os maiores nomes da música nacional gravaram alguma composição de Vinicius, que – ao lado de Tom Jobim e João Gilberto – fez história, ao tornar-se um dos fundadores da Bossa Nova, movimento que transformou para sempre o DNA da música popular brasileira, no fim dos anos 50.
Sua obra é vastíssima, passando pela literatura, teatro, cinema e música. Mas Vinicius de Moraes sempre considerou a poesia como sua primeira e maior vocação, e dizia que toda a sua atividade artística derivou do fato de ser poeta.
O primeiro livro de poemas
Em 1933, Vinicius de Moraes publicou o seu primeiro livro de poemas: O Caminho Para a Distância. E, em 1935, publicou o seu segundo livro, Forma e Exegese, muito elogiado pela crítica. Em 1936, lançou o livro Ariana, a Mulher, com um único e longo poema.
Tornou-se, então, frequentador assíduo das rodas literárias e boêmias do Rio de Janeiro. Em uma delas, conheceu o poeta Manuel Bandeira, que foi seu amigo para o resto da vida. Nesta época, Vinicius já era amigo também de nomes como Lucio Costa, Carlos Drummond de Andrade e Di Cavalcanti.
Em 1938, Vinicius lançou o seu quarto livro: Novos Poemas. A maturidade de seus versos fez com que sua poesia se consolidasse como uma das principais da chamada Geração de 30.
Seus colegas contemporâneos e nomes já consolidados como Mário de Andrade (a quem Vinicius dedicou o poema A Máscara da Noite) elogiaram publicamente o livro.
A MÁSCARA DA NOITE
Rio de Janeiro , 1954Sim, essa tarde conhece todos os meus pensamentos
Todos os meus segredos e todos os meus patéticos anseios
Sob esse céu como uma visão azul de incenso
As estrelas são perfumes passados que me chegam…Sim! essa tarde que eu não conheço é uma mulher que me chama
E eis que é uma cidade apenas, uma cidade dourada de astros
Aves, folhas silenciosas, sons perdidos em cores
Nuvens como velas abertas para o tempo…Não sei, toda essa evocação perdida, toda essa música perdida
É como um pressentimento de inocência, como um apelo…
Mas para que buscar se a forma ficou no gesto esvanecida
E se a poesia ficou dormindo nos braços de outrora…Como saber se é tarde, se haverá manhã para o crepúsculo
Nesse entorpecimento, neste filtro mágico de lágrimas?
Orvalho, orvalho! desce sobre os meus olhos, sobre o meu sexo
Faz-se surgir diamante dentro do sol!Lembro-me!… como se fosse a hora da memória
Outras tardes, outras janelas, outras criaturas na alma
O olhar abandonado de um lago e o frêmito de um vento
Seios crescendo para o poente como salmos…Oh, a doce tarde! Sobre mares de gelo ardentes de revérbero
Vagam placidamente navios fantásticos de prata
E em grandes castelos cor de ouro, anjos azuis serenos
Tangem sinos de cristal que vibram na imensa transparência!Eu sinto que essa tarde está me vendo, que essa serenidade está me vendo
Que o momento da criação está me vendo neste instante doloroso de sossego em mim mesmo
Oh criação que estás me vendo, surge e beija-me os olhos
Afaga-me os cabelos, canta uma canção para eu dormir!És bem tu, máscara da noite, com tua carne rósea
Com teus longos xales campestres e com teus cânticos
És bem tu! ouço teus faunos pontilhando as águas de sons de flautas
Em longas escalas cromáticas fragrantes…Ah, meu verso tem palpitações dulcíssimas! — primaveras!
Sonhos bucólicos nunca sonhados pelo desespero
Visões de rios plácidos e matas adormecidas
Sobre o panorama crucificado e monstruoso dos telhados!Por que vens, noite? por que não adormeces o teu crepe
Por que não te esvais — espectro — nesse perfume tenro de rosas?
Deixa que a tarde envolva eternamente a face dos deuses
Noite, dolorosa noite, misteriosa noite!Oh tarde, máscara da noite, tu és a presciência
Só tu conheces e acolhes todos os meus pensamentos
O teu céu, a tua luz, a tua calma
São a palavra da morte e do sonho em mim!
Os famosos sonetos de Vinicius de Moraes
Ainda em 1938, Vinicius ganhou uma bolsa do Conselho Britânico para estudar literatura inglesa no Magdalen College da Universidade de Oxford. No navio a caminho da Inglaterra, Vinicius de Moraes escreveu um de seus sonetos mais famosos: o Soneto da Separação.
SONETO DE SEPARAÇÃO
Inglaterra , 1938De repente do riso fez-se o pranto
Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se a espuma
E das mãos espalmadas fez-se o espanto.De repente da calma fez-se o vento
Que dos olhos desfez a última chama
E da paixão fez-se o pressentimento
E do momento imóvel fez-se o drama.De repente, não mais que de repente
Fez-se de triste o que se fez amante
E de sozinho o que se fez contente.Fez-se do amigo próximo o distante
Fez-se da vida uma aventura errante
De repente, não mais que de repente.
Durante esse período, aprofundou suas leituras e escritas, com interesse especial pela técnica do soneto e pela obra poética de William Shakespeare. Também trabalhou como assistente no programa brasileiro da BBC.
Jayme Ovalle, Oswald de Andrade e Mário de Andrade
Neste mesmo período, conheceu o poeta e músico Jayme Ovalle, com quem desenvolveu uma amizade que causou grande impacto na sua vida e obra.
Com a Segunda Guerra Mundial, em 1939 retornou ao Brasil por Portugal e passou um período em Lisboa, na companhia de Oswald de Andrade. Em Estoril, enquanto aguardava a partida do navio de volta ao Brasil, Vinicius de Moraes escreveu outro de seus famosos sonetos, o Soneto de Fidelidade.
SONETO DE FIDELIDADE
Estoril, outubro de 1939
De tudo, ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.Quero vivê-lo em cada vão momento
E em louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento.E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem amaEu possa me dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.
Em 1940, passou uma longa temporada em São Paulo, se aproximando de Mário de Andrade e do grupo de jovens intelectuais que fundaram no ano seguinte a revista Clima, como Antonio Candido e Paulo Emílio de Salles Gomes
Relação de Vinicius de Moraes com o cinema
Em 1941, estava estudando para ingressar na carreira diplomática pelo concurso para o Itamaraty, e começou a trabalhar como crítico cinematográfico no jornal A Manhã.
Sua atuação foi fundamental para o cinema brasileiro que, nessa época, renovava sua crítica. Começou a escrever também no Suplemento Literário do mesmo jornal, ao lado de autores como Manuel Bandeira e Cecília Meirelles.
Sempre muito boêmio, a partir de 1942, Vinicius passou a frequentar e circular cada vez mais por diferentes e famosos pontos de encontro cariocas, ampliando seus vínculos intelectuais e de amizade.
Roda Literária do Café Vermelhinho
Criou a Roda Literária do Café Vermelhinho, no centro do Rio de Janeiro, junto com seus amigos Rubem Braga e Moacir Werneck de Castro, por onde passavam escritores, arquitetos, artistas plásticos, músicos e jornalistas como:
- João Cabral de Melo Neto;
- Oscar Niemeyer;
- Iberê Camargo;
- e Aracy de Almeida.
Também em 1942, defendeu a vertente do cinema mudo, que estava dando lugar ao cinema falado, em plena ascensão.
omandou, neste mesmo ano, uma caravana de escritores brasileiros em uma visita a Brasília, onde conheceu aqueles que seriam seus companheiros de uma vida e frequentadores assíduos da boemia no Leblon:
- Fernando Sabino;
- Hélio Pellegrino;
- Otto Lara Resende;
- e Paulo Mendes Campos.
Orfeu da Conceição
Até que Vinicius conheceu o poeta norte-americano Waldo Frank e, com ele, passou a frequentar bares e favelas no Rio de Janeiro.
Em uma dessas incursões, no Morro do Pinto, teve a primeira ideia e começou a escrever a famosa peça que o tornou conhecido, Orfeu da Conceição, baseada no drama da mitologia grega de Orfeu e Eurídice, transposto à realidade das favelas cariocas.
Os dois também fizeram uma longa viagem pelo nordeste brasileiro, em que tiveram contato direto com a realidade de pobreza e a miséria dos brasileiros, o que fez mudar a visão política de Vinicius para o campo da esquerda. Antes desse episódio, ele simpatizava com o Integralismo.
A carreira diplomática
Em 1943, o poeta escreveu o seu quinto livro, Cinco Elegias. Neste mesmo ano, passou no concurso do Itamaraty e ingressou na carreira diplomática, função que ocupou até 1968, quando foi cassado pelo regime militar.
Em 1946, assumiu seu primeiro posto diplomático, como vice-cônsul, em Los Angeles, Estados Unidos, onde passou cinco anos. Se aproximou de músicos brasileiros que moravam por lá, como Carmem Miranda. Neste mesmo ano, publicou o livro Poemas, Sonetos e Baladas.
No ano seguinte, mergulhou no cinema e no jazz norte-americanos, vivendo entre músicos, atores, cineastas, executivos e críticos de cinema. Fez um curso de cinema com Gregg Toland e Orson Welles, de quem se tornou amigo pessoal.
Continuou trabalhando como crítico de cinema. Em 1951, assinou crônicas sobre temas variados e a crítica de cinema do Jornal Última Hora.
Em 1952, participou da realização do roteiro do filme de Alberto Cavalcanti sobre Aleijadinho e viajou durante um mês pelas cidades históricas de Minas Gerais para registrar e fotografar a obra do artista mineiro.
Embaixada do Brasil em Paris
No mesmo ano, foi nomeado delegado do Brasil no Festival de Cinema de Punta del Este, no Uruguai, e formulou o projeto de um Festival de Cinema em São Paulo.
Para isso, viajou para a Europa, com o objetivo de estudar a organização dos principais festivais do continente, como os de Cannes, Berlim e Veneza. Nessas viagens, aprofundou sua cultura universal nos museus e bares das cidades europeias, principalmente na Itália.
Durante sua temporada na Europa, inicia – com o poeta francês Jean-George Roueff -a tradução do seu livro Cinco Elegias, iniciando a mundialização de sua obra, que depois seria traduzida em diversos países e idiomas.
Em 1953, passou a assinar a coluna Diz-que-discos, sobre música popular, do jornal semanal Flan, e também colaborou com o jornal A Vanguarda, cujo editor-chefe era o seu amigo João Cabral de Melo Neto, escrevendo crônicas sobre o Rio de Janeiro.
No mesmo ano, foi indicado para o posto de segundo-secretário na Embaixada do Brasil em Paris e, lá, passou a trabalhar na delegação brasileira junto à UNESCO.
Está gostando de saber mais sobre a vida e a obra de um dos nossos maiores poetas? Então acompanhe os próximos capítulos dessa história amanhã, na continuação da nossa Semana Especial 110 anos de Vinicius de Moraes!
Por: Lívia Nolla