SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A Assembleia Legislativa de São Paulo aprovou, nesta terça-feira (17), por 52 a 26, a anistia a multas aplicadas na pandemia da Covid-19, medida proposta pelo governo Tarcísio de Freitas (Republicanos) que beneficia o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
Considerado controverso, o artigo que trata da anistia foi votado separadamente e conseguiu apenas 4 votos além dos 48 necessários para que a sessão tivesse quórum.
O texto principal do projeto, que facilita a cobrança da dívida ativa e tem potencial de aumentar a arrecadação, passou com maior folga –64 a 0, já que a oposição não votou.
Na votação do artigo da anistia, a bancada de oposição da esquerda, que soma 25 deputados com PT, PSOL e Rede, foi contrária. Houve votos contrários também no PSB, PSDB e União Brasil.
Entre os tucanos, cerca de metade declarou obstrução, assim como o PDT e o Novo, o que na prática é um posicionamento contra o artigo, pois atrapalha a formação de quórum. Um dos vice-líderes do governo, Tomé Abduch (Republicanos) declarou abstenção.
O líder do PT, deputado Paulo Fiorilo, afirma que vai questionar o projeto na Justiça. “Não é possível votar a anistia daqueles que tripudiaram da Covid no período mais crítico, quando a gente não tinha vacina”, disse.
Por não usar máscara e provocar aglomerações, Bolsonaro foi multado pela gestão de João Doria (PSDB) ao menos seis vezes. A dívida já chega a R$ 1,1 milhão, e o governo atual decidiu cobrar o ex-presidente em ações judiciais, o que gerou desgaste entre bolsonaristas e Tarcísio. Bolsonaro chegou a depositar o valor como garantia.
Segundo o governo, houve 10.163 multas a estabelecimentos e festas clandestinas e 579 a transeuntes, somando R$ 72 milhões em débitos –parte disso foi paga e parte ainda estava sendo cobrada. Com a anistia, o governo abre mão dessa arrecadação.
A base governista cedeu à oposição ao aceitar desmembrar a votação, o que foi visto como uma tentativa do governo Tarcísio de garantir a aprovação ao menos do texto básico, ainda que a anistia não tivesse votos suficientes. Para os deputados, a votação separada aumentou o custo político de votar “sim” à anistia.
Até a noite desta terça, os deputados bolsonaristas não tinham certeza se havia votos suficientes para aprovar a anistia e tentavam convencer mais colegas. Com listas em mãos, deputados da oposição também trabalhavam para convencer um a um no plenário até o último momento. A previsão era de que a votação seria apertada.
Os bolsonaristas reclamam que o governo Tarcísio não se empenhou em conseguir os votos -ou seja, apesar de ter acenado ao padrinho Bolsonaro ao enviar a proposta, o governador depois não se dedicou a mobilizar sua base. A crítica de que Tarcísio deixa em segundo plano as pautas ideológicas e as demandas dos bolsonaristas tem sido constante entre interlocutores do ex-presidente.
No PSDB, por exemplo, parte dos deputados era contrária à anistia, já que as multas foram aplicadas por Doria, um defensor da vacinação e do isolamento social.
De qualquer forma, uma reunião e um almoço entre Tarcísio e 57 deputados aliados, nesta terça, no Palácio dos Bandeirantes, ajudou a amenizar o clima. A pauta do encontro foi o projeto de privatização da Sabesp, que Tarcísio enviou para a Assembleia.
Mas o governador aproveitou para falar sobre a relação com o Legislativo e disse que seria importante que os deputados aprovassem o projeto da dívida ativa -sem mencionar especificamente o artigo da anistia.
Segundo parlamentares, Tarcísio afirmou ainda que vai liberar o restante dos R$ 11 milhões que prometeu em emendas extras até o fim do ano. Até agora, cerca de R$ 4 milhões por deputado foram processados. Os deputados ainda usaram a ocasião para tratar de suas demandas com Tarcísio e com secretários.
A reunião e os acenos de Tarcísio ao Legislativo fazem parte da tentativa do governador de melhorar a relação com a Assembleia, onde ele acumula uma série de reveses e reclamações. A privatização da Sabesp, que Tarcísio quer que seja aprovada ainda neste ano, será seu grande teste e, por isso, ele decidiu apresentar o projeto aos deputados antes de enviá-lo.
Como mostrou a Folha de S.Paulo, a proposta da anistia criou um constrangimento para Tarcísio na Assembleia.
Na sessão plenária, deputado Carlos Giannazi (PSOL) afirmou que o voto sim iria “anistiar um presidente genocida”. Já o deputado Antonio Donato (PT) ironizou a relação entre Tarcísio e a base, que cobra do governo recursos e cargos.
“Há dois meses, vocês estiveram com o governador e ele prometeu as mesmas coisas que prometeu hoje. Não vai cumprir de novo. Então, parabéns pela confiança, pela esperança, pera resistência. É comovente a fé que vocês têm. […] Uma base tem que ser base, mesmo que viva a pão e água.”
Muitos deputados opinam que seria errado perdoar as multas dos devedores em detrimento dos que já pagaram, além de ser desrespeitoso com a população que perdeu parentes na pandemia.
Outros dizem que as multas tinham caráter educativo, não arrecadatório, e voltam a questionar a eficiência da máscara para amparar o perdão a quem não cumpriu a medida.
Na justificativa do projeto, o governo argumenta que há um custo alto em processar milhares de débitos de pequeno valor e que os empresários já arcaram com vários prejuízos financeiros na pandemia.
Outro ponto de constrangimento na votação foi o fato de que um dos deputados da Casa, o bolsonarista Gil Diniz (PL), também foi multado e está inscrito na dívida ativa. Gil afirma que pagou o débito de R$ 813, mas o governo diz que o deputado ainda “aguarda decisão do recurso com relação à multa”.
Fiorilo afirmou que Gil estava legislando em causa própria e que isso também seria questionado na ação judicial que o PT deve apresentar.
Outros deputados da Assembleia, como Danilo Balas (PL) e Tomé Abduch (Republicanos), foram multados, mas pagaram. O próprio Tarcísio levou três multas e, segundo sua assessoria, quitou os débitos antes de assumir o governo.
Além de Bolsonaro, há outros deputados federais bolsonaristas com a dívida em aberto, como Eduardo Bolsonaro (PL-SP, R$ 136 mil) e Mario Frias (PL-SP, R$ 716).
A defesa do ex-presidente argumenta que houve desvio de finalidade na aplicação das multas, já que a norma governo previa multa de cerca de R$ 525 para quem não usasse máscara –mas as punições do ex-presidente, no contexto de motociata e aglomeração, variaram de R$ 47 mil a R$ 320 mil.
Integrantes do governo Tarcísio também veem uma jogada política de Doria ao multar Bolsonaro, já que o ex-governador antagonizou com o ex-presidente na pandemia.
CAROLINA LINHARES / Folhapress