Nesta quinta-feira, dia 19 de outubro de 2023, completamos exatos 110 anos do nascimento de Vinicius de Moraes. Para celebrar, preparamos uma semana repleta de homenagens. Hoje, seguimos com a Parte 3 dessa história: Primeiro samba de Vinicius de Moraes, Orfeu da Conceição e parceria com Tom Jobim.
Caso ainda não tenha lido a Parte 1 e a Parte 2, clique nos links.
Embaixada do Brasil em Paris
Em 1952, foi nomeado delegado do Brasil no Festival de Cinema de Punta del Este, no Uruguai, e formulou o projeto de um Festival de Cinema em São Paulo.
Para isso, viajou para a Europa, com o objetivo de estudar a organização dos principais festivais do continente, como os de Cannes, Berlim e Veneza. Nessas viagens, aprofundou sua cultura universal nos museus e bares das cidades europeias, principalmente na Itália.
Durante sua temporada na Europa, inicia – com o poeta francês Jean-George Roueff -a tradução do seu livro Cinco Elegias, iniciando a mundialização de sua obra, que depois seria traduzida em diversos países e idiomas.
Em 1953, passou a assinar a coluna Diz-que-discos, sobre música popular, do jornal semanal Flan, e também colaborou com o jornal A Vanguarda, cujo editor-chefe era o seu amigo João Cabral de Melo Neto, escrevendo crônicas sobre o Rio de Janeiro.
No mesmo ano, foi indicado para o posto de segundo-secretário na Embaixada do Brasil em Paris e, lá, passou a trabalhar na delegação brasileira junto à UNESCO.
Está gostando de saber mais sobre a vida e a obra de um dos nossos maiores poetas? Então acompanhe os próximos capítulos dessa história amanhã, na continuação da nossa Semana Especial 110 anos de Vinicius de Moraes!
O primeiro samba de Vinicius de Moraes
Foi em 1953, que Vinicius de Moraes compôs o seu primeiro samba: Quando Tu Passas Por Mim, que foi gravado por Aracy de Almeida.
A peça Orfeu da Conceição
Em 1954, ele lançou o seu conjunto de poemas: Antologia Poética e sua peça Orfeu da Conceição foi premiada no concurso de teatro do IV Centenário do Estado de São Paulo e publicada na revista Anhembi. No ano seguinte, já se iniciaram os planos para a apresentação da peça no teatro.
Em 1956, Vinicius conseguiu uma licença-prêmio do Itamaraty e retornou ao Brasil por um breve período, para encenar sua peça Orfeu da Conceição.
No mesmo período, o produtor de cinema Sacha Gordine ficou em Paris produzindo o filme, inspirado na peça: o premiado Orfeu Negro, com direção do francês Marcel Camus.
Como Vinicius de Moraes e Tom Jobim se conheceram?
Já no Rio de Janeiro, Vinicius começou a selecionar a equipe que faria parte do espetáculo. Por meio de seu amigo e crítico de música, Lúcio Rangel, conheceu o então jovem pianista Antônio Carlos Jobim, que tornou-se não só o seu parceiro musical para aquela peça, mas seu parceiro por uma vida, vindo a fundar juntos – pouco tempo depois – a nossa Bossa Nova.
Em quinze dias, Tom e Vinicius fizeram praticamente toda a trilha do espetáculo, com canções como as clássicas Lamento do Morro e Se Todos Fossem Iguais A Você.
Orfeu da Conceição estreou no dia 25 de setembro, no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, com Haroldo Costa, Cyro Monteiro e Abdias Nascimento no elenco, e tornou-se um sucesso imediato, entrando para sempre para a história do nosso país.
No mesmo ano, foi lançado o disco com os temas da peça, sendo a primeira vez que as músicas da nova dupla de compositores – que em breve se tornaria uma das duplas mais produtivas e importantes da história da música brasileira – ganhavam gravações.
Entre a diplomacia e a música popular brasileira
Ainda em 1956, Vinicius publicou seu famoso poema O Operário em Construção.
O OPERÁRIO EM CONSTRUÇÃO
E o Diabo, levando-o a um alto monte, mostrou-lhe num momento de tempo todos os reinos do mundo. E disse-lhe o Diabo:
– Dar-te-ei todo este poder e a sua glória, porque a mim me foi entregue e dou-o a quem quero; portanto, se tu me adorares, tudo será teu.
E Jesus, respondendo, disse-lhe:
– Vai-te, Satanás; porque está escrito: adorarás o Senhor teu Deus e só a Ele servirás.
Lucas, cap. V, vs. 5-8.Era ele que erguia casas
Onde antes só havia chão.
Como um pássaro sem asas
Ele subia com as casas
Que lhe brotavam da mão.
Mas tudo desconhecia
De sua grande missão:
Não sabia, por exemplo
Que a casa de um homem é um templo
Um templo sem religião
Como tampouco sabia
Que a casa que ele fazia
Sendo a sua liberdade
Era a sua escravidão.De fato, como podia
Um operário em construção
Compreender por que um tijolo
Valia mais do que um pão?
Tijolos ele empilhava
Com pá, cimento e esquadria
Quanto ao pão, ele o comia…
Mas fosse comer tijolo!
E assim o operário ia
Com suor e com cimento
Erguendo uma casa aqui
Adiante um apartamento
Além uma igreja, à frente
Um quartel e uma prisão:
Prisão de que sofreria
Não fosse, eventualmente
Um operário em construção.Mas ele desconhecia
Esse fato extraordinário:
Que o operário faz a coisa
E a coisa faz o operário.
De forma que, certo dia
À mesa, ao cortar o pão
O operário foi tomado
De uma súbita emoção
Ao constatar assombrado
Que tudo naquela mesa
– Garrafa, prato, facão –
Era ele quem os fazia
Ele, um humilde operário,
Um operário em construção.
Olhou em torno: gamela
Banco, enxerga, caldeirão
Vidro, parede, janela
Casa, cidade, nação!
Tudo, tudo o que existia
Era ele quem o fazia
Ele, um humilde operário
Um operário que sabia
Exercer a profissão.Ah, homens de pensamento
Não sabereis nunca o quanto
Aquele humilde operário
Soube naquele momento!
Naquela casa vazia
Que ele mesmo levantara
Um mundo novo nascia
De que sequer suspeitava.
O operário emocionado
Olhou sua própria mão
Sua rude mão de operário
De operário em construção
E olhando bem para ela
Teve um segundo a impressão
De que não havia no mundo
Coisa que fosse mais bela.Foi dentro da compreensão
Desse instante solitário
Que, tal sua construção
Cresceu também o operário.
Cresceu em alto e profundo
Em largo e no coração
E como tudo que cresce
Ele não cresceu em vão
Pois além do que sabia
– Exercer a profissão –
O operário adquiriu
Uma nova dimensão:
A dimensão da poesia.E um fato novo se viu
Que a todos admirava:
O que o operário dizia
Outro operário escutava.E foi assim que o operário
Do edifício em construção
Que sempre dizia sim
Começou a dizer não.
E aprendeu a notar coisas
A que não dava atenção:Notou que sua marmita
Era o prato do patrão
Que sua cerveja preta
Era o uísque do patrão
Que seu macacão de zuarte
Era o terno do patrão
Que o casebre onde morava
Era a mansão do patrão
Que seus dois pés andarilhos
Eram as rodas do patrão
Que a dureza do seu dia
Era a noite do patrão
Que sua imensa fadiga
Era amiga do patrão.E o operário disse: Não!
E o operário fez-se forte
Na sua resolução.Como era de se esperar
As bocas da delação
Começaram a dizer coisas
Aos ouvidos do patrão.
Mas o patrão não queria
Nenhuma preocupação
– “Convençam-no” do contrário –
Disse ele sobre o operário
E ao dizer isso sorria.Dia seguinte, o operário
Ao sair da construção
Viu-se súbito cercado
Dos homens da delação
E sofreu, por destinado
Sua primeira agressão.
Teve seu rosto cuspido
Teve seu braço quebrado
Mas quando foi perguntado
O operário disse: Não!Em vão sofrera o operário
Sua primeira agressão
Muitas outras se seguiram
Muitas outras seguirão.
Porém, por imprescindível
Ao edifício em construção
Seu trabalho prosseguia
E todo o seu sofrimento
Misturava-se ao cimento
Da construção que crescia.Sentindo que a violência
Não dobraria o operário
Um dia tentou o patrão
Dobrá-lo de modo vário.
De sorte que o foi levando
Ao alto da construção
E num momento de tempo
Mostrou-lhe toda a região
E apontando-a ao operário
Fez-lhe esta declaração:
– Dar-te-ei todo esse poder
E a sua satisfação
Porque a mim me foi entregue
E dou-o a quem bem quiser.
Dou-te tempo de lazer
Dou-te tempo de mulher.
Portanto, tudo o que vês
Será teu se me adorares
E, ainda mais, se abandonares
O que te faz dizer não.Disse, e fitou o operário
Que olhava e que refletia
Mas o que via o operário
O patrão nunca veria.
O operário via as casas
E dentro das estruturas
Via coisas, objetos
Produtos, manufaturas.
Via tudo o que fazia
O lucro do seu patrão
E em cada coisa que via
Misteriosamente havia
A marca de sua mão.
E o operário disse: Não!– Loucura! – gritou o patrão
Não vês o que te dou eu?
– Mentira! – disse o operário
Não podes dar-me o que é meu.E um grande silêncio fez-se
Dentro do seu coração
Um silêncio de martírios
Um silêncio de prisão.
Um silêncio povoado
De pedidos de perdão
Um silêncio apavorado
Com o medo em solidão.Um silêncio de torturas
E gritos de maldição
Um silêncio de fraturas
A se arrastarem no chão.
E o operário ouviu a voz
De todos os seus irmãos
Os seus irmãos que morreram
Por outros que viverão.
Uma esperança sincera
Cresceu no seu coração
E dentro da tarde mansa
Agigantou-se a razão
De um homem pobre e esquecido
Razão porém que fizera
Em operário construído
O operário em construção.
Depois do sucesso da peça, Vinicius passa o ano de 1957 em Paris, dividido entre suas funções na Diplomacia na UNESCO e a música popular. No final do ano, foi transferido para a Embaixada Brasileira no Uruguai e mudou-se para Montevidéu.
Neste mesmo ano, o poeta publicou a primeira edição do seu Livro de Sonetos.
Está gostando de saber mais sobre a vida e a obra de um dos nossos maiores poetas? Então acompanhe os próximos capítulos dessa história amanhã, na continuação da nossa Semana Especial 110 anos de Vinicius de Moraes!