SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O emissário climático dos Estados Unidos, John Kerry, disse nesta quarta-feira (18) que os conflitos na Ucrânia e no Oriente Médio não justificam colocar de lado as medidas necessárias para conter a crise do clima.
“Enquanto as crises na Ucrânia e no Oriente Médio estão acontecendo agora, com pessoas morrendo e o potencial de grandes conflitos, a realidade continua sendo que o clima está tirando vidas no mundo todo, todos os dias”, afirmou.
Como exemplo, citou que 7 milhões de pessoas morrem todos os anos pela má qualidade do ar. “Isso vem da poluição causada por gases de efeito estufa, o que é a causa desta crise”, acrescentou.
As declarações ocorreram durante o Congresso Sustentável 2023, promovido pelo CEBDS (Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável) no Masp, em São Paulo. Kerry participou do evento virtualmente.
O emissário disse ainda que a dificuldade de governos e algumas corporações de compreender -ou a atitude deliberada de evitar compreender- a importância da pauta climática é algo trágico para todos.
O americano também mencionou sua frustração com a falta de avanços significativos nas políticas para conter as mudanças climáticas ao longo das últimas décadas.
“Eu estive em muitas, muitas, muitas reuniões, inclusive na Rio-92, e em muitas COPs [conferências da ONU sobre mudanças climáticas]. Então é um pouco chocante para mim estar falando da COP30 [que deve ocorrer em Belém, no Pará, em 2025] mesmo antes da COP28 [que começa em 30 de novembro, em Dubai]”, disse.
“Eu acho que todos estamos nos perguntando: haverá quantas COPs? Quantas COPs a ‘mãe natureza’ nos dará antes de ultrapassarmos fronteiras planetárias das quais não poderemos voltar?”, questionou, ressaltando que há extrema urgência em levar este assunto a sério.
Faltando pouco mais de seis semanas para a COP28, especialistas apontam que a guerra entre Israel e o Hamas deve prejudicar avanços nas negociações. O maior evento climático do mundo acontecerá de 30 de novembro a 12 de dezembro nos Emirados Árabes Unidos -país do Oriente Médio, região do conflito.
A previsão é de que haja um impacto negativo na priorização das pautas climáticas, assim como aconteceu em 2022, diante da invasão da Ucrânia pela Rússia.
Ele apontou que o Brasil pode servir como exemplo de desenvolvimento sustentável para o mundo e que a melhora nos números de desmatamento da Amazônia está se convertendo em mais investimentos.
“O Brasil pode continuar demonstrando o progresso que tem feito [na Amazônia] e expandi-lo para outros biomas, como o cerrado”, disse. “A proteção da floresta tem que andar de mãos dadas com o desenvolvimento econômico.”
No mês passado, o cerrado registrou o mais alto índice de desmatamento para o mês de setembro na série histórica, iniciada em 2018, no sistema Deter, do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais). Foram perdidos 679,7 km². A maior marca até então para o período era de 451,5 km², em setembro de 2018. Em relação ao mesmo mês em 2022, o crescimento foi de 149% no bioma.
Na amazônia, a destruição da floresta em setembro foi de 629,3 km², o que representa uma queda de 56,7% na comparação com o mesmo período no ano passado. Em 2022, durante o governo Bolsonaro (PL), foi atingido o número mais alto para setembro, com 1.454,7 km².
Participando do painel ao lado do CEO global da JBS, Gilberto Tomazoni, Kerry alertou para a importância de o agronegócio brasileiro aumentar sua produção sem expandir terras de colheita ou pastagem.
“Algo que aprendemos nos últimos anos é que podemos explorar muito menos terra e produzir muito mais -e isso acontece também com a pecuária. Não estamos em uma situação em que precisamos dizer às pessoas para largar uma oportunidade ou se sacrificarem. É possível ter critérios mais altos e viver com sustentabilidade”, afirmou.
Segundo dados do Seeg (Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa do Observatório do Clima), em 2022, o desmatamento respondeu por 49% das emissões brasileiras de gases de efeito estufa, seguido pela agropecuária (principalmente pela emissão de metano do rebanho bovino), com 25%, e energia, com 18%.
Porém, como quase todo o desmate no país está associado à produção agropecuária, é possível dizer que este setor é o principal responsável pelas emissões nacionais.
“O agronegócio brasileiro tem a oportunidade de servir de exemplo de como uma alta produtividade pode ser associada a práticas que têm emissões baixas”, ressaltou.
JÉSSICA MAES E PEDRO LOVISI / Folhapress