JÉSSICA MAES
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Morte de botos, isolamento de comunidades, falta de água, dificuldades com transporte, queimadas descontroladas, interrupção na produção de energia e problemas de saúde. As consequências da seca extrema que atinge a amazônia nas últimas semanas, especialmente o estado do Amazonas, são diversas –assim como os fatores que provocam esse fenômeno climático.
Regiões do estado registraram neste ano os menores índices de chuva no período de julho a setembro dos últimos 40 anos, segundo dados do Cemaden (Centro de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais), ligado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações.
É possível apontar três principais agentes causadores desta crise hídrica: o El Niño, as altas temperaturas do Atlântico Norte e o aquecimento global causado pelas emissões de gases de efeito estufa. Além disso, a degradação da amazônia também afeta a geração de umidade na floresta.
O El Niño é um fenômeno natural da climatologia, caracterizado por um aquecimento acima da média nas águas do Pacífico na região da linha do Equador. Ele afeta todo o mundo, com alterações na direção dos ventos e na distribuição das chuvas e do calor.
O El Niño, cujos efeitos, nesta temporada, foram notados no planeta em junho deste ano, muda a circulação dos ventos alísios, que vão de leste a oeste, levando umidade e águas mais quentes da costa das Américas para Ásia e Oceania. Também é associado a recordes globais de temperatura.
No Brasil, causa aumento da precipitação no Sul e seca na região Norte. “Em termos gerais, há o transporte de umidade pelos ventos, sobretudo na região sul da América do Sul. Com mais vapor de água na atmosfera, há mais chuvas na região sul do Brasil e, consequentemente, menos chuvas no norte do país”, diz Regina Alvalá, diretora substituta do Cemaden.
Neste ano, na região amazônica, a estação de estiagem está sendo mais seca e mais longa do que o normal. É isso que faz, por exemplo, com que os rios atinjam a níveis tão baixos, já que a demora da chegada da chuva impede que eles se recuperem no ritmo normal –e, assim, continuam secando quando já deveriam estar enchendo.
Isso se soma a outro aspecto, que também tem a ver com o oceano. O Atlântico está muito mais quente acima do que abaixo da linha do Equador. Como a água mais quente evapora em maior volume, o aquecimento ao norte provoca mais chuvas neste hemisfério, fazendo com que haja menos precipitação no sul.
“A água do planeta está em equilíbrio”, explica Marcelo Seluchi, coordenador-geral de Operações e Modelagem do Cemaden. “A [quantia de] umidade é sempre a mesma no planeta, só que ela se distribui. Então, quando sobra umidade em um ponto, significa que falta em outro.”
Cerca de 97% da água do planeta está nos oceanos, segundo a Administração Oceânica e Atmosférica Nacional dos Estados Unidos (Noaa, na sigla em inglês). A pequena fração que sobra está distribuída nas geleiras, no solo e na atmosfera.
Paulo Artaxo, professor do Instituto de Física da USP e membro do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas), vinculado à ONU (Organização das Nações Unidas), ressalta que as mudanças climáticas também impactam a seca do Amazonas.
“O aumento da temperatura global também aumenta a temperatura no Pacífico e a intensidade do El Niño”, afirma. “Temos um El Niño particularmente forte, intensificado pelas mudanças climáticas, somado ao aquecimento global e aos eventos climáticos extremos.”
Artaxo explica que é possível dizer que esta seca extrema é também um produto das mudanças climáticas mesmo sem estudos específicos sobre o caso atual do Amazonas, porque ela coincide exatamente com o que era previsto para a região diante de um planeta que já está 1,2°C mais quente.
“Nos três últimos relatórios do IPCC, o conjunto dos modelos climáticos mostra que o futuro da amazônia vai ser de um aumento de temperatura muito significativo e uma redução da precipitação também significativa –independentemente de El Niño e de eventos climáticos extremos. Mas esses fatores não são completamente independentes um do outro”, diz.
“Sabemos disso há mais ou menos uma década, só que agora está acontecendo. Agora estamos observando o que os modelos climáticos previam há 10 anos –e isso vai ter um impacto socioeconômico enorme para o Brasil”, frisa.
Soma-se a isso tudo o impacto do avanço do desmatamento e da degradação florestal na amazônia. Como a floresta amazônica gera aproximadamente metade de suas próprias chuvas pela evapotranspiração das árvores, a diminuição da cobertura florestal e a piora na saúde da mata resultam em menos chuvas.
“A evaporação da vegetação é um insumo muito importante para a chuva, porque para chover é preciso umidade”, afirma Seluchi. “Então se estabelece um círculo vicioso: a vegetação está degradada porque não chove, e essa vegetação degradada não evapora e, portanto, dificulta a chuva. Não chove porque está seco, e está seco porque não chove.”
Em novembro e dezembro começa a estação chuvosa no Norte, mas uma análise do Cemaden indica que a crise pode se intensificar nos próximos meses, quando o El Niño deve atingir sua intensidade máxima.
A previsão do órgão é de que o último trimestre de 2023 (que caminha para ser o ano mais quente da história) tenha precipitação abaixo da média na maior parte do Brasil, sendo que o quadro mais agudo deve acontecer no Norte e no Nordeste.
A exceção é a região Sul, que deve ter mais chuva do que o normal no período.
JÉSSICA MAES / Folhapress