SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A expressão corporal de Izabella Chiappini, 28, muda repentinamente quando ela recorda sua passagem pela Itália. A atleta gesticula mais com os braços, o calor a faz tirar o casaco, e o relato alterna entre frases um pouco aceleradas e momentos em que lhe faltam palavras.
São reflexos da fase mais difícil vivida pela jogadora de polo aquático, durante o período em que ela atuou pela seleção italiana. Ela diz ter sido vítima de agressões de suas próprias companheiras dentro das piscinas.
A situação a levou a ter crises de ansiedade e a desenvolver um processo de depressão, além afastá-la de sonhos como ganhar uma medalha olímpica. Ela não estará na próxima edição dos Jogos Pan-Americanos, cuja cerimônia de abertura está marcada para esta sexta (20), em Santiago, no Chile.
“Cheguei ao ponto de não querer mais ir para a Olimpíada, porque eu pensei assim: ‘Deus, eu não quero ter que passar mais quatro meses com essas meninas, com toda essa situação'”, diz a jogadora à reportagem.
Conquistar o ouro olímpico era o maior sonho da atleta, forjada em uma família de jogadores de polo. A mãe, Raquel Maizza, atuou pela seleção brasileira. O pai, Roberto Chiappini, após a aposentadoria, tornou-se um dos principais técnicos da modalidade no país.
Foi Roberto quem apresentou a Izabella a oportunidade de jogar pela Itália. Em 2016, antes dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, ele foi procurado por Fábio Conti, então treinador da seleção italiana e interessado no futuro da atleta eleita em 2015, aos 20 anos, a segunda melhor do mundo pela revista americana Water Polo World, a mais importante publicação sobre a modalidade.
“Ele [Conti] já sabia da minha dupla cidadania”, conta a jogadora, que não hesitou em aceitar o convite. “Eu joguei as Olimpíadas [pelo Brasil] sabendo que mudaria de nacionalidade, acho que o time inteiro já sabia.”
A empolgação dela ficou ainda maior quando a Itália conquistou a medalha de prata no Rio. “Era a chance de fazer parte de uma equipe que é uma das potências do polo e disputar novamente uma Olimpíada com chances de ganhar uma medalha”, lembra.
“O primeiro ano na Itália [jogando pelo Messina] foi maravilhoso”, recorda. “Fui eleita a melhor jogadora do Campeonato Italiano e treinava já com a seleção italiana como convidada.”
Na época, ela precisava passar por uma espécie de quarentena de um ano antes de defender a Itália, pois já havia atuado por uma seleção nacional. Foi depois desse período que seus problemas começaram.
“Oficialmente, eu estava roubando o lugar de uma italiana”, descreve, sobre como era vista por algumas de suas companheiras de equipe. “As meninas mais velhas chegaram a me apelidar de Brasil, fora as coisas que eu sabia que elas comentavam sobre mim.”
A situação só não era pior porque ela era muito querida pelo técnico. Porém, quando ele deixou a equipe, não havia mais ninguém para protegê-la, nem para manter a equipe na linha. “O time não estava bem dentro nem fora da água.”
Depois do vice-campeonato no Rio, a seleção italiana acumulou uma série de fracassos no ciclo para os Jogos Olímpicos de Tóquio, com eliminações precoces no Europeu de 2018 e no Mundial de 2019 e queda nas quartas de final do torneio pré-olímpico.
Às vésperas dos Jogos no Japão, o mundo foi abalado pela pandemia de Covid-19. Izabella voltou para o Brasil, ainda sem saber exatamente a dimensão do que o sofrimento na Itália havia lhe causado.
“Todas as vezes que eu pensava que teria de voltar me davam umas crises, eu sentia uma angústia, que só passava quando eu via que as fronteiras ainda estavam fechadas”, conta.
Quando ela, enfim, voltou à Itália, as crises pioraram, sobretudo no período em que ela passou 15 dias em quarentena, sozinha, em reclusão que estimulou um processo depressivo.
“Eu chorava todo dia porque eu chegava a ter que acordar às 4h30 para ir treinar sozinha, nadar sozinha, e depois voltava e ficava trancada o dia inteiro. Sozinha e trancada”, lembra.
Izabella pensou em desistir de tudo. Mas reencontrou um novo propósito quando retornou para o Brasil no começo deste ano, para jogar pelo Pinheiros, onde foi formada. Também havia decidido voltar a jogar pela seleção brasileira e tinha na disputa do Pan de Santiago o seu maior objetivo.
O novo sonho, porém, também ficou pelo caminho quando a atleta se viu em uma situação que reabriu as feridas dos tempos de Itália.
As marcas foram expostas no último mês de agosto, quando a então atleta do Pinheiros se envolveu em uma briga com Luana Bonetti, jogadora da ABDA, de Bauru, na final da Liga Rendimento, competição que reúne as principais equipes de polo aquático de São Paulo.
O desentendimento ocorreu nos minutos finais da partida, quando a equipe de Iza vencia por 9 a 6. “O jogo já estava ganho quando o outro time começou a ficar mais agressivo”, afirma.
Izabella, no entanto, não sabe explicar o motivo exato do início da briga com Luana. “Também gostaria de entender”, diz ela, que na época era capitã da seleção brasileira. “Como capitã, sempre tratei todas com o maior respeito. Não havia nenhum atrito pessoal entre nós.”
A frustração maior veio depois do episódio. “Não gostei de como geriram a situação, principalmente pela parte do técnico [da seleção brasileira, Paulo Rogério], que não entrou em contato comigo.”
Pior do que isso, para ela, foi ver Luana Bonetti ser convocada para defender a seleção na primeira lista após a briga, enquanto ela e outras atletas do Pinheiros ficaram fora. “Não teve explicação ou critério”, disse a jogadora, que resolveu tirar seu nome de consideração para a convocação do Pan de Santiago.
Procurada pela reportagem, a CBDA (Confederação Brasileira de Desportos Aquáticos) disse que lamentou a decisão de Iza “porque ela faria diferença para a equipe”.
Também informou que tanto ela como Luana não foram punidas porque o torneio no qual houve a briga entre elas não era organizado pela CBDA. Assim, houve um entendimento de que caberia aos clubes as possíveis punições na ocasião, o clube de Bauru disse que Luana seria punida internamente.
A CBDA informou também que ofereceu para Izabella a possibilidade de se apresentar apenas para o Pan, sem precisar treinar junto com o time na Espanha, onde a delegação iniciou sua preparação. Mesmo assim, ela recusou.
A atleta reconhece que as portas na seleção estão abertas, mas não pretende mudar sua decisão. “Claro que eu gostaria de estar lá. Vejo o Pan como se fosse uma Olimpíada. Mas optei por pedir a dispensa.”
Desiludida com o polo aquático brasileiro, Izabella voltou à Europa e, recentemente, assinou contrato com o Mulhouse, da França, onde reencontrou a alegria de jogar depois das frustrações na Itália e no Brasil.
“Por mais difícil que tenha sido, essas situações me fizeram crescer”, diz. “Não me arrependo de nada, de nenhuma escolha que eu fiz na minha vida.”
LUCIANO TRINDADE / Folhapress