SÃO CAETANO DO SUL, SP (FOLHAPRESS) – Esther Gawendo tinha 16 anos em 1990, quando entrou no estúdio de Enio Conte, então com 24. A ideia da garota era fazer a primeira tatuagem. Não aconteceu. O procedimento é proibido, pela legislação em São Paulo, a menores de idade, mesmo com consentimento dos pais. O que, aliás, ela não tinha.
Mas desse encontro surgiram um casamento que já dura 32 anos, sete filhos, nove netos, holding familiar com empresas especializadas em tatuagens e piercings e a maior feira mundial do setor.
“Eu sou o primeiro brasileiro a fazer um evento de tattoo no país. Um italiano tinha realizado antes de mim. Fiz em 1989, 1990 e 1991. Depois organizamos uma feira em 2004 em São Caetano do Sul [no ABC Paulista]. A Tattoo Week nasceu em 2010”, diz Conte.
A feira neste ano acontece a partir desta sexta-feira (20), no pavilhão branco do Expo Center Norte, na zona norte da capital. Os organizadores esperam superar a presença de 2022, quando cerca de 98.000 pessoas compareceram.
Serão 17 mil metros quadrados, com 660 estandes, 3.500 expositores e cerca de 5.000 tatuadores e piercers de dez países (Brasil, Alemanha, Argentina, Austrália, Belarus, Bolívia, Chile, Espanha, Estados Unidos e Uruguai).
A feira é o sonho da vida de Ênio viabilizado pelo trabalho de Esther e do caçula da família, o filho Gustavo, 21. Eles gastam o ano inteiro planejando como será a convenção seguinte.
“Já estamos com a cabeça de 2024”, afirma a mãe, que de proibida pela lei de se tatuar aos 16, hoje em dia, aos 48, não sabe dizer quantas têm pelo corpo.
Dos sete filhos, seis estão envolvidos nos negócios da família, localizados no centro de São Caetano. São cinco empresas, cada uma administrada por um deles ou pelo casal Enio-Esther.
Existe a Klan (quatro estúdios para tatuagem na cidade), Fantasy (loja de equipamentos para profissionais da área), Mega Piercing (venda de piercings em loja física e online), ENTP (escola de formação de tatuadores) e Vomit3D (especializada em roupas com designs próprios para tatuadores). Para dar conta de tudo e por questões administrativas, foi formada uma holding familiar.
Há também, claro, a organização da Tattoo Week, que recebe pedidos de artistas de diferentes países, interessados em participar. São realizadas também edições no Rio de Janeiro e online.
“Há diversos benefícios para colocar as empresas da mesma família dentro de uma holding. Centraliza o controle financeiro, operacional e facilita a gestão do patrimônio familiar, protegendo os ativos. Há as vantagens tributárias, como consolidar os impostos a serem pagos pelas empresas do grupo”, analisa Sydnei Vida, advogado especialista em gestão de patrimônio de empresas familiares.
Enio e Esther sorriem (mais Esther do que Enio, que não gosta de mostrar os dentes nem para tirar foto) com a afirmação que criaram um “império de tatuagem”. É estranho constatar isso para um procedimento que até algumas décadas atrás era visto como algo marginal.
“Aos poucos, as pessoas perceberam que a tatuagem não muda quem você é”, diz o patriarca.
São 350 feitas e 1.200 piercings colocados por mês nos estúdios da holding. A loja online negocia entre 5.000 e 6.000 peças no mesmo período. A Vomit3D vende 3.600 camisetas por ano, 1.200 de cada coleção
Por três dias a partir de 28 de julho, data do aniversário de São Caetano do Sul, a família fez neste ano uma promoção de piercings a R$ 28 cada, desde que também houvesse a doação de 1 kg de alimento por pessoa.
“Foi uma absurdo. A fila estava na rua. Colocamos 5.000 piercings”, lembra Gustavo.
Dos sete filhos, há os tatuadores (Eninho, 35, e Bruno, 32), o perfurador de piercing (William, 31) e quem faz remoção de tatuagem a laser (Rebeca, 28). Letícia (26) realiza pigmentação e cuida da loja online e Gustavo faz a gestão da Tattoo Week, além de ser apresentador do evento.
Apenas o filho Lucas (29) está ausente dos negócios por causa do autismo. As necessidades especiais dele provocaram a criação do projeto Tattoo do Bem. Todos vão a entidades beneficentes que passam por problemas financeiros e fazem um dia de tatuagens e aplicação de piercings no local. O dinheiro obtido vai para a instituição.
O filho seguir a profissão do pai é uma história clássica. Mas Enio garante ter feito de tudo para deixá-los livres. Ficou uma semana de má vontade com Gustavo porque o caçula havia tatuado a mão. Enio achava o garoto deveria esperar mais tempo. Quando Bruno fez o mesmo no rosto, a birra durou um mês.
Quase todos eles queriam ser tatuados pelo pai. A resposta foi sempre negativa.
“Nunca gostei que meus filhos se influenciassem por mim. Eles tinham de escolher. Eu tatuá-los seria uma forma de incentivá-los. Eles tatuaram com outras pessoas, mas aí não é problema meu”, afirma.
A única influência que fez questão de exercer foi para que torcessem para o Corinthians. Mesmo assim, não deu certo. O primogênito Eninho é palmeirense. Pelo menos serviu para que a família, junta, se tornasse referência no mercado e organizasse a maior feito do setor no planeta.
Logo poderá ser a vez das crianças. Ísis, 9, foi perguntada se queria ser médica.
“Não, vou ser tatuadora. E colocar piercing.”
Enio promete que também não irá tatuar nenhum neto ou neta.
ALEX SABINO / Folhapress