Investimento de empresas em hidrelétricas próprias elevou PIB e emprego

BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – É antiga a percepção de que o ciclo marcado pelo investimento de empresas na construção de hidrelétricas havia beneficiado regiões do Brasil com a geração de emprego e crescimento do PIB (Produto Interno Bruto). Um novo levantamento traz números e confirma que os efeitos macroeconômicos foram maiores e mais espraiados do que se imaginava.

Estudo da consultoria Pezco Economics identificou que no período mais intenso dos investimentos em hidrelétricas, de 1995 a 2018, realizados por empresas como Vale, Petrobras, Gerdau, Alcoa e Companhia Brasileira de Alumínio, do grupo Votorantim, foram tiradas do papel 140 usinas de todos os portes.

Machadinho, entre Santa Catarina e Rio Grande do Sul, Eldorado Brasil, em Mato Grosso do Sul, Funil, em Minas Gerais, e Belo Monte, no Pará, são exemplos.

Quando uma empresa que não tem relação com a geração de energia faz esse tipo de aporte, para ter acesso a uma fração ou a toda a eletricidade da usina, ela é enquadrada na legislação como autoprodutor.

O levantamento foi feito a pedido da Abiape, a entidade que representa os investidores desse segmento.

Os autoprodutores de hidrelétricas desembolsaram naquele período R$ 112 bilhões para realizar as obras, o chamado capex, no jargão empresarial, e outros R$ 29 bilhões na operação, o opex.

Ao longo de pouco mais de duas décadas, anualmente, na média, esses empreendimentos levaram à criação de 196 mil postos de trabalho e aumentaram a massa salarial em R$ 13 bilhões, além de viabilizarem o pagamento de R$ 4 bilhões em tributos.

“O efeito total levou a uma expansão média do PIB da ordem de 0,6% ao ano, o que é muito relevante,” afirma o coordenador do estudo, o economista Gabriel Fiuza, sócio e CEO da Pezco e ex-secretário-adjunto de Desenvolvimento da Infraestrutura, no Ministério da Economia de Paulo Guedes.

“Metade desse crescimento veio, grosso modo, do investimento em si, e a outra metade, do ganho de competitividade, o que levou os benefícios econômicos para outros estados além dos locais onde as usinas foram construídas.”

Na prática, o segmento de autoprodução é atraente para as eletrointensivas, empresas cujos ramos de negócio demandam grande quantidade de energia no seu processo de produção.

Esse grupo assume o risco de produzir eletricidade quando tem a perspectiva de garantir suprimento de energia de forma previsível e a preço mais competitivo em relação ao mercado.

A redução do custo da energia varia muito de acordo com o setor e as características de cada hidrelétrica, mas, na média, naquele período estudado, as empresas chegaram a anunciar reduções de até 30%.

O levantamento foi feito a partir de uma matriz insumo-produto considerando tabelas do Sistema de Contas Nacionais e do IBGE (ano-base de 2018).

Foram considerados os fluxos econômicos intrarregionais e interregionais em cada um dos 26 estados e Distrito Federal, bem como a exportação e a importação de 12 setores em que os investidores mais atuavam. Entre eles estão metalurgia, mineração, óleo e gás, papel e celulose, comércio atacadista e químico.

A estimativa dos ganhos econômicos feitas no estudo considerou os efeitos diretos, indiretos e induzidos, explica Fiuza, uma vez que a redução do custo da energia reverbera em toda a cadeia de produção, e assim foi possível seguir o rastro dos efeitos econômicos.

Um exemplo. De 35% a 40% do custo de produção do alumínio é com energia. Uma redução no valor dessa matéria-prima vai repercutir nas latinhas de refrigerante da fábrica de bebidas, na esquadria de janelas na construção civil e nas chapas de metal do setor automotivo.

Desse modo, apesar de a maioria das usinas terem sido construídas no Sul e no Sudeste, com muitos benefícios para o PIB de São Paulo, o estudo identificou aumento no PIB no estado do Amazonas. A avaliação dos pesquisadores é que os ganhos da cadeia de suprimento chegam à Zona Franca de Manaus.

Houve também impacto significativo no PIB e na geração de emprego no Piauí. Usinas mobilizam trabalhadores migrantes, e a avaliação é que um número relevante de operários daquele estado participou da construção da usina de Estreito, economizou e levou o efeito da melhoria da renda para a sua cidade natal.

O setor mais beneficiado foi a indústria de transformação, mas o estudo rastreou aumento nos ganhos de inúmeros outros segmentos, como comércio, indústria de extração, serviços financeiros e imobiliários.

A autoprodução é uma opção antiga no mundo. A primeira usina hidrelétrica do Brasil, de 1883, foi construída em Diamantina (MG) pelo dono de uma mina para ajudar na extração de diamantes.

Na sequência, outros industriais investiram em pequenas hidrelétricas para reduzir o custo e agilizar a produção têxtil.

Esse grupo de investidores em hidrelétricas é chamado de autoprodutor “raiz”, porque empenhou capital e virou sócio das usinas, para o bem e para o mal.

Nos últimos anos, com a crescente dificuldade de novos projetos hidrelétricos e as demandas da transição energética, a autoprodução migrou para fontes solar, eólica e biomassa, e adotou modelos mais flexíveis.

O consumidor empresarial pode ser enquadrado como autoprodutor se fizer uma parceria com uma geradora de energia —e é ela quem vai assumir a construção, a operação e a manutenção da usina. Também foi criada a alternativa de alugar ou arrendar uma geradora.

Por não assumir os mesmos riscos ou volume de investimentos anteriores, esse novo grupo é chamado no mercado de autoprodutor “nutella”.

“O movimento atual é diferente do anterior porque essas empresas buscam essencialmente alternativas de descarbonização, e essas tentativas de adequar os seus negócios à transição fez com elas contribuíssem para reduzir o custo de produção das renováveis”, afirma Claudio Frischtak, sócio da consultoria internacional de negócios Inter B, especializada em infraestrutura.

“Essa nova leva de investimentos está localizada em sua maioria nas regiões mais pobres. Isso não foi planejado, mas os efeitos macroeconômicos devem ser benéficos e ainda não foram medidos.”

No entanto, Frischtak lembra que o modelo do setor elétrico hoje tem muitas distorções e está gerando insatisfação, o que vai demandar revisões.

A autoprodução também sofre questionamentos. Todos os modelos desse segmento são beneficiados com abatimentos de encargos setoriais, reduzindo especialmente a cobrança na transmissão, esteja a usina do lado da empresa ou em outro estado.

A autoprodução com novas energias renováveis, no entanto, conta com descontos ainda maiores. Esses descontos da autoprodução viram custo para outros usuários do sistema, e a conta é rateada entre os demais consumidores.

Muitos especialistas acreditam que seria mais adequado que o autoprodutor, quando sua usina estiver longe da fábrica, pague os custos associados a estabilidade do setor elétrico, como encargo de potência e energia de reserva, pois ele está desfrutando da segurança desse ambiente coletivo.

Outros pedem o fim da autoprodução nos casos em que a empresa não assume o risco dos projetos, mas apenas delega ou aluga empreendimentos. Medidas nesse sentido, argumentam seus defensores, seriam mais coerentes com o princípio da autoprodução e reduziriam o custo da energia.

O setor também está na expectativa de o governo rever a legislação da autoprodução e retomar a cobrança dos encargos em todas as modalidades.

A avaliação é que, cobrando mais das empresas, o governo poderia garantir descontos para outros programas ainda em gestação, sem precisar enfrentar o risco político de elevar a tarifa de energia.

O MME (Ministério de Minas e Energia), no entanto, ainda não fez nenhuma sinalização mais concreta nesse sentido.

A Abiape, entidade do setor de autoprodução, afirma que alterações no princípio elementar desse tipo de geração poderia reverter os efeitos detectados no estudo.

“O autoprodutor é um gerador, então, não é razoável que incida encargos de consumidores sobre a sua energia de autoprodução”, afirma Mario Menel, presidente da associação.

“Se isso ocorrer, o aumento nos custos da produção da energia ficaria em torno de 43%, e seria repassado para o produto final, retirando a competitividade da indústria brasileira.”

ALEXA SALOMÃO / Folhapress

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