Na quinta-feira, dia 19 de outubro de 2023, completamos exatos 110 anos do nascimento de um dos maiores artistas da música brasileira. Para dar continuidade na semana, seguimos com a última parte das homenagens para Vinicius de Moraes: o encontro com Toquinho e os últimos anos de vida.
Para ler as matérias anteriores, clique aqui: Partes 1,2, 3, 4, 5 e 6.
Vinicius de Moraes
Praticamente uma lenda de nossa história, a contribuição do também cantor, compositor, dramaturgo, crítico, roteirista e diplomata carioca para a cultura do nosso país é imensurável.
Quase todos os maiores nomes da música nacional gravaram alguma composição de Vinicius, que – ao lado de Tom Jobim e João Gilberto – fez história, ao tornar-se um dos fundadores da Bossa Nova, movimento que transformou para sempre o DNA da música popular brasileira, no fim dos anos 50.
Sua obra é vastíssima, passando pela literatura, teatro, cinema e música. Mas Vinicius de Moraes sempre considerou a poesia como sua primeira e maior vocação, e dizia que toda a sua atividade artística derivou do fato de ser poeta.
O encontro de Vinicius de Moraes e Toquinho
Em 1969, em uma temporada na Itália, Vinicius de Moraes encontrou com seu amigo e parceiro Chico Buarque, autoexilado do Brasil por conta da ditadura militar, e gravou com seu amigo e tradutor, o poeta Giuseppe Ungaretti, e com o cantor Sergio Endrigo, o disco histórico La Vita, Amico, É L’arte Dell’incontro, com suas canções traduzidas para o italiano.
E quem diria que, deste disco, sairia um dos mais importantes encontros da vida de Vinícius: seu futuro grande parceiro, Toquinho. O cantor, compositor e violonista também estava na Itália, fazendo uma temporada de shows com Chico e gravou os violões do disco do poeta.
Os dois nem chegaram a se encontrar durante as gravações e, antes disso, só tinham se encontrado umas duas vezes na vida, por intermédio de Chico. Mas, quando Vinicius escutou os violões de Toquinho em seu disco gravado na Itália, ficou encantado com a habilidade do artista e o convidou para acompanhá-lo em uma temporada de shows na Argentina, logo em seguida.
Já na viagem de barco para Buenos Aires, começou uma amizade e parceria que durou – literalmente – até o último dia de vida de Vinicius.
Como Dizia o Poeta
Logo veio a primeira composição da dupla, Como Dizia O Poeta, seguida de À Benção, Bahia e Mais Um Adeus. Então, fizeram o primeiro show juntos, em 1970, no Teatro Castro Alves, que foi um absoluto sucesso.
O show que fizeram em Buenos Aires – ao lado da cantora Maria Creuza – virou disco, ainda sem nenhuma composição da dupla, mas uma das mais belas pérolas gravadas da música brasileira.
Ainda em 1970, Vinicius de Moraes lançou sua coletânea de poemas infantis A Arca de Noé e mudou-se para Itapoã, na Bahia.
Logo, Vinicius e Toquinho passaram a dominar todos os espaços: dos circuitos universitários aos grandes teatros, das turnês nacionais e internacionais às trilhas de novelas (como a histórica O Bem Amado, de 1973, em que compuseram a trilha completa, com canções como a de abertura – com o mesmo nome da novela – Cotidiano Nº2 e Meu Pai Oxalá).
Gravaram diversos discos juntos, de 1970 até o fim da vida de Vinicius. Muitas vezes acompanhados de uma figura feminina, como foi o caso de Maria Bethânia, Clara Nunes, Marília Medalha, Maria Creuza e Simone. Outras vezes, se apresentavam sozinhos, tocando e cantando suas canções.
Tarde em Itapuã
Em 1971, lançaram o primeiro disco com suas composições em parceria, originado a partir de um show que fizeram com Marília Medalha. Neste disco, está o grande clássico Tarde em Itapoã.
Um dos maiores sucessos da música popular brasileira, a música consagrou de vez a parceria de Toquinho e Vinicius. Na composição, primeiro o poeta escreveu a letra e, depois, Toquinho a musicou, sem mexer em uma sílaba sequer, o que o fez conquistar ainda mais – e para sempre – a confiança de Vinicius.
Em 1971, os dois voltaram a Buenos Aires para um show, que também virou disco, acompanhados de Maria Bethânia. Entre as canções, além de Tarde em Itapoã, estão as clássicas parcerias da dupla:
- A Tonga da Mironga do Kabuletê;
- Testamento;
- e Samba da Rosa.
Samba para Vinicius
Toquinho compôs para o parceiro de uma vida a canção Samba para Vinicius, na qual Chico Buarque colocou a letra, em que sintetizava perfeitamente Vinicius de Moraes. A primeira parte toda iniciando predominantemente com a letra P, de “Poeta“, e a segunda parte com a letra V, de “Vinicius“.
Ainda em 1971, Vinicius compôs, ao lado de Chico Buarque, a canção Gente Humilde.
Toquinho e Vinicius fizeram muitas apresentações pela Itália e tornaram-se conhecidos no país. Lá, gravaram alguns álbuns, entre eles o clássico Toquinho e Vinicius – O Poeta e O Violão.
Tatamirô
A partir de 1972, Vinicius aproximou-se cada vez mais do candomblé baiano e, além de incorporar no seu visual cotidiano o branco e as guias de Orixás, compôs- com Toquinho – Tatamirô, canção dedicada à Mãe Menininha do Gantois.
Em 1974, o poeta publicou o livro História Natural de Pablo Neruda – A elegia que vem de longe. Neruda foi um grande amigo de Vinicius.
No mesmo ano, na Bahia, foi montada pela primeira vez a tragédia Chacina em Barros Filho, escrita por Vinicius dez anos antes. Dirigida por Álvaro Guimarães, foi adaptada com o título de As Feras.
Ainda em 1974 – ao lado de Toquinho e Clara Nunes – Vinicius de Moraes apresentou o show O Poeta, a Moça e o Violão, no Teatro Castro Alves, em Salvador. Em 1976, fez – com o antigo parceiro Edu Lobo – a trilha sonora do musical Deus Lhe Pague.
Também em 1976, na Itália, gravou com Toquinho e a cantora italiana Ortega Vanoni o álbum La Voglia, La Páscoa, L’inconscenza, L’alegria – que tornou-se um dos mais importantes da vida da dupla.
Em 1977, os parceiros Toquinho e Vinicius de Moraes juntaram-se à outra dupla – Tom Jobim e Miúcha – para um show apoteótico no Canecão, no Rio de Janeiro.
O show ficou em cartaz por sete meses seguidos, sempre com lotação máxima de público. Em 1978, o quarteto saiu em turnê internacional com o show, passando pela Argentina e por países da Europa. O encontro também virou disco ao vivo, importantíssimo para a MPB.
Antologia Poética
Em 1977, Vinicius também lança o disco Antologia Poética, com seus famosos poemas. Em 1978, lançou os livros:
- O Falso Mendigo, poemas de Vinicius de Moraes;
- e Amor Total.
No mesmo ano, também foi lançado o filme-documentário Vinicius, Um Rapaz De Família, dirigido por sua filha Susana Moraes.
As músicas de Toquinho e Vinicius de Moraes
Em 1979, Toquinho e Vinicius comemoram 10 anos de parceria em um show inesquecível, que rodou o Brasil. Vinicius tinha 65 anos, Toquinho 33. Juntos, já tinham gravado mais de 20 LPs, escrito mais de 100 canções e feito mais de mil shows, com composições de sucesso, que fizeram história na música popular brasileira.
Além do show, um LP com 28 canções dos dois, celebrou os 10 anos de encontro.
Foram centenas de composições juntos e é difícil destacar só algumas. Além das já citadas, são exemplos:
- Morena Flor;
- Samba da Volta;
- Regra Três;
- A Vida Tem Sempre Razão;
- O Velho e a Flor;
- Carta ao Tom 74;
- Canto de Oxum;
- É Duro Trabalhar;
- Sem Medo;
- Valsa Para Uma Menininha e tantas outras.
O show de encerramento da temporada de 10 Anos de Parceria também foi a última vez de Vinicius de Moraes no palco.
O falecimento
O poeta faleceu um ano depois, em julho de 1980, aos 66 anos, depois de ter passado por duas isquemias cerebrais e sofrido um edema pulmonar. Toquinho esteve presente nos últimos minutos de vida do amigo, pois estava hospedado em sua casa para uma temporada de shows com Francis Hime, no Rio de Janeiro.
Os amigos passaram as últimas horas de vida de Vinicius juntos, fazendo o que mais gostavam: tocando, cantando e proseando, planejando o próximo disco, baseado no livro de poemas infantis de Vinicius: Arca de Noé.
No disco Um pouco de Ilusão, pouco antes da partida do amigo e parceiro, Toquinho dobrou sua voz em seis canais e – com a ajuda de um efeito fonográfico – criou a sensação de estarmos ouvindo a voz do poeta junto com a dele, mesmo Vinicius não tendo cantado uma só nota, pois já estava com a saúde debilitada.
Em 1980 e 1981, foram lançados dois discos com a obra infantil completa de Toquinho e Vinicius: Arca de Noé 1 e Arca de Noé 2, com várias participações de peso como:
- Tom Jobim;
- Moraes Moreira;
- Milton Nascimento;
- As Frenéticas;
- MPB4;
- Elis Regina;
- Alceu Valença;
- Grande Otelo;
- Ney Matogrosso;
- e Chico Buarque.
Os discos traziam poemas do livro homônimo, musicados pela dupla e as canções têm os nomes dos bichos da arca. Cada artista convidado interpreta um animal ou um elemento do livro. Entre as canções mais famosas:
- O Pato (de Toquinho, Vinicius e Paulo Soledade);
- A Casa (poema musicado por Vinicius);
- e O Filho Que Eu Quero Ter (de Toquinho e Vinicius).
Um parênteses para falar de Aquarela
Em 1983, Toquinho lançou ainda Aquarela, canção mais famosa de sua carreira e que também é uma parceria com Vinicius de Moraes.
Na verdade, a história é curiosa: durante todos os seus anos de parceria, Toquinho e Vinicius tiveram uma relação muito estreita com o público italiano: fizeram diversas turnês pelo país, gravaram discos inteiros em italiano e fizeram parcerias importantes por lá.
Com o músico italiano Maurizio Fabrizio, Toquinho gravou quatro discos entre 1983 e 1994. A letras em italiano, recebiam versões de Guido Morra, em sua maioria, ou Sérgio Bardotti, que também já havia trabalhado em outros discos em italiano de Toquinho, desde a época de Vinicius.
Na primeira vez que foi trabalhar com Maurizio, Toquinho pediu que ele lhe mostrasse suas composições, que mostraria as dele e assim poderiam criar juntos.
Quando o italiano mostrou sua primeira canção, Toquinho percebeu que era muito parecida com a sua música com Vinicius de Moraes, Uma Rosa em Minha Mão, de 1974. Uma canção se encaixava na outra naturalmente. Juntaram as duas e depois compuseram mais oito músicas para o disco.
Maurizio voltou para a Itália para criar os arranjos e trabalhar com o letrista, o Guido Morra, que fez as letras de todas as canções. Quando Toquinho chegou na Itália, em 1982, para fazer a temporada de shows e gravar o disco, ele imaginava que aquela, que compuseram primeiro, seria mais uma entre as várias canções do álbum. O que ele não esperava é que Guido tivesse colocado uma letra tão linda e impactante como Acquarello.
Acquarello
Sim, Aquarela, de Toquinho, Maurizio, Guido e Vinicius de Moraes, primeiro teve sua letra em italiano! A música fez um sucesso tão estrondoso na Itália, que Toquinho tornou-se o primeiro artista brasileiro a ganhar um disco de ouro no país.
Resolveu então, fazer uma tradução da letra para gravar a canção em português. O resto da história vocês já sabem: Aquarela, lançada em um disco homônimo, em 1983, virou uma das canções mais importantes da música popular brasileira, conhecida por 10 em cada 10 brasileiros e entoada por todos os cantos, no Brasil e no mundo.
Ministro de Primeira Classe
Em 1998, Vinicius de foi anistiado (post-mortem) pela justiça, por conta de sua exoneração do cargo diplomático que ocupava na época da instauração do AI-5 no Brasil.
Em 2010, a Câmara dos Deputados aprovou a promoção póstuma do poeta ao cargo de “ministro de primeira classe” do Ministério das Relações Exteriores – o equivalente a embaixador, que é o cargo mais alto da carreira diplomática.
Em 2005, estreou, na abertura da sétima edição do Festival do Rio, o documentário Vinicius, dirigido por Miguel Faria Jr. e produzido por Suzana de Moraes, filha do poeta, com a participação de Chico Buarque, Carlos Lyra, Caetano Veloso, Maria Bethânia e outros artistas. A trilha sonora do filme foi lançada em CD.
Vinicius de Moraes segue vivo em toda a sua brilhante e magistral obra e com toda a contribuição que trouxe para a música e para a cultura do Brasil. O Poetinha é um dos nomes mais importantes da nossa história!
Encerramos, assim, a nossa Semana Especial 110 anos de Vinicius de Moraes. Viva o poeta!