BUENOS AIRES, ARGENTINA (FOLHAPRESS) – Uma multidão acompanhou o voto do ultraliberal Javier Milei na Argentina neste domingo (22), que teve empurra-empurra, pessoas passando mal e bate-boca com jornalistas, além de cantos de torcida e “Parabéns para Você”. O candidato completa 53 anos no mesmo dia em que pode, eventualmente, se tornar presidente de seu país.
Ele chegou de carro por volta das 13h na Universidade Tecnológica Nacional, no bairro de Almagro, em Buenos Aires, onde apoiadores, além de jornalistas, o esperavam havia mais de uma hora, quase todos com celulares em mãos. Eles entoavam gritos de “primeiro turno” e “se sente, se sente, Milei presidente”.
A confusão se acentuou quando o candidato desceu do veículo, ao lado da irmã Karina Milei e próximo a jovens influenciadores que costumam cobrir sua campanha. Quase sem conseguir caminhar, ele chegou a tropeçar na escada de entrada. Estava prevista uma entrevista coletiva organizada, o que acabou não acontecendo.
Na multidão, uma adolescente se perdeu da mãe e passou mal, tremendo e chorando, mas se acalmou minutos depois. Próximo dali, ao lado de policiais que tentavam controlar a situação, duas mulheres idosas se empurraram e trocaram ofensas por falta de espaço.
Mais adiante, um apoiador de Milei e uma jornalista também discutiram. “Não mudem tudo [que Milei diz]. Informação, e não pagamentos”, gritava ele, incentivado por dois ou três homens. “Não sei de quem você está falando”, rebatia ela, sendo separada por colegas.
Ao votar, Milei repetiu frases que costuma dizer: “Hoje estamos concorrendo às eleições mais importantes das últimas décadas. Decidiremos se queremos voltar a construir uma Argentina potência ou nos converter na maior favela do mundo”.
Também agradeceu o trabalho dos fiscais de urna de seu partido e pediu que pessoas votem e “não deixem que decidam por eles”. O deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) viajou à Argentina no início da tarde para demonstrar apoio e acompanhar o voto do deputado portenho Nahuel Sotelo, aliado de Milei.
Já o peronista Sergio Massa, ministro da Economia e principal cotado para disputar um eventual segundo turno com o ultraliberal, votou em Tigre, cidade nos arredores de Buenos Aires da qual foi prefeito. Ele lembrou os 40 anos de democracia no país e afirmou: “Temos a enorme tarefa a partir de 10 de dezembro de, governe quem governe, resolver os inúmeros problemas da Argentina”.
A macrista de direita Patricia Bullrich, terceira colocada nas pesquisas, exerceu o direito no centro de convenções La Rural, no bairro turístico de Palermo, e disse que já se imagina festejando. “É uma sensação muito impressionante ser candidata da [coalizão] Juntos pela Mudança. Estou feliz com o que temos feito”, declarou.
Cercada por seguranças, a atual vice-presidente Cristina Kirchner votou em Río Gallegos, capital de Santa Cruz, no início da tarde. Na saída, ela criticou Alberto Fernández e disse que, após o resultado eleitoral, espera encontrar um país mais “sensato”, em que exista consenso e diálogo.
Questionada sobre qual será o legado da atual administração, Cristina buscou distanciamento de Fernández, lembrou que sua gestão se encerrou em 2015 e que o presidente é o responsável pelas decisões do país.
“Em 2020, quando este governo estava no poder há pouco mais de um ano, tornei públicas as minhas diferenças, falei dos funcionários que não trabalhavam e outras coisas, mas não fui ouvida”, disse a vice-presidente, segundo o jornal Clarín.
Já o atual presidente, Alberto Fernández, votou pela manhã em Porto Madero e também foi questionado por jornalistas sobre qual será o legado de sua gestão.
Ele disse que aguardaria o resultado eleitoral para fazer qualquer tipo de autocrítica.
Segundo o Clarín, Fernández demonstrou irritação quando questionado sobre seu futuro político. Disse apenas que o assunto não importava e que, após o encerramento do mandato em 10 de dezembro, seguirá “como um cidadão”.
Em outros colégios eleitorais, a votação se dá de forma tranquila e com menos tensão do que nas eleições primárias de agosto. Naquela ocasião, uma regra que impôs o voto eletrônico para candidatos ao governo da cidade de Buenos Aires causou longas filas e brigas em diversos locais.
Em uma escola pública no bairro de Belgrano, em Buenos Aires, o zelador Roberto Verón, 58, pedia união. “Só quero que o país tenha um pouco de unidade, sou cristão. Se estamos sempre brigando, não podemos seguir adiante”, disse ele, que não quis declarar seu voto.
Assim como muitos argentinos, ele foi às urnas sem saber o que vai acontecer com suas economias em pesos nesta segunda (23). “Estamos todos esperando. Eu não compro dólares, e minha filha quer ir à faculdade no ano que vem estudar administração de empresas. Então estamos tentando guardar, mas não sei se vai dar.”
O clima no país vizinho é de profunda incerteza diante de uma eleição que pode mudar drasticamente, ou não, o dia a dia da população. O pleito ocorre depois de meses de uma aflitiva espera vendo o dólar e os preços subirem, enquanto o governo tenta segurar as pontas até que se defina quem será presidente a partir de 10 de dezembro, no lugar do ausente Alberto Fernández.
O temor, quase uma certeza, é de que o dólar dispare com a divulgação dos resultados, num país em que os preços sobem junto com a moeda americana movimento que é comum pré-eleições, mas se intensificou nos últimos meses.
“Antes viajávamos, e não estou nem falando de Europa, mas dentro do nosso país. Aqui, a 300 km, não se pode mais ir”, diz Roberto. A desilusão com a situação atual faz uma parte dos eleitores se inclinarem a Milei, que promete dolarizar a economia, fechar o Banco Central e cortar radicalmente os gastos públicos.
É o caso do representante comercial Julio González, 56. “O que as pessoas pensam é: todos já me ferraram, que venha um diferente”, afirma ele, enfatizando que é de direita, não extrema direita. “Para mim, qualquer um dos dois [Milei ou Bullrich] é melhor que Massa. Está muito complicado de escolher, mas estamos acostumados a isso”, adiciona.
Já a estudante Sol Pisetta, 23, que trabalha como passeadora de cachorros e é fiscal eleitoral da aliança União pela Pátria, do peronismo, acredita que as pessoas estejam votando em Milei apenas por raiva e pelo fato de ele nunca ter ocupado um cargo Executivo (ele é deputado desde 2021), mas não por suas propostas.
“Estive nas ruas falando com as pessoas, distribuindo panfletos. Muita gente diz que vai votar no Milei, mas, quando você diz que ele vai tirar o 13º salário, os benefícios sociais das pessoas, dizem ah é?. Ou seja, não sabem direito em quem estão votando”, afirma Sol.
“Muita gente acha que o salário em pesos será automaticamente transformado em dólares, e não que vai diminuir muito quando for convertido”, afirma. Ela diz preferir que os argentinos votem em Bullrich, o que se espera que ocorra principalmente na capital, onde a rejeição ao kirchnerismo é visível.
“Agora precisamos que os votos se dividam um pouco mais, para que haja segundo turno [em 19 de novembro]”, afirma, apostando que Milei não terá apoio no Congresso para reformas muito radicais. “Ele não pode governar por decreto.”
Além do presidente, os mais de 35 milhões de eleitores argentinos elegerão neste domingo metade da Câmara de Deputados, um terço do Senado e alguns governadores importantes, como o da Província e o da cidade de Buenos Aires. O voto é obrigatório para quem tem de 18 a 70 anos e opcional para quem tem de 16 a 18.
A votação acontece até as 18h, e a divulgação dos resultados está prevista a partir das 22h. Haverá segundo turno se nenhum dos candidatos conseguir atingir 45% dos votos válidos, ou 40% e mais 10 pontos percentuais de diferença para o segundo colocado.
JÚLIA BARBON / Folhapress