SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Um trecho da nova Lei de Zoneamento proposta pela Prefeitura de São Paulo pode ser a primeira medida contra o aluguel de apartamentos por curta temporada, estilo Airbnb.
A proposta da gestão Ricardo Nunes (MDB) é que a categoria de “serviços de hospedagem ou moradia” não mais configure uso misto, utilizado para construir unidades comerciais em prédios majoritariamente residenciais, que foi impulsionado pelo Plano Diretor de 2014.
Se a sugestão for aprovada pelos vereadores, estes empreendimentos perderão benefícios como o aumento de potencial construtivo sem o pagamento de contrapartida financeira.
O fenômeno de locação de apartamento por curta e longa temporada em plataformas digitais está em discussão em diversas cidades pelo mundo. Nova York, Lisboa e Paris têm tentado conter a atividade de sites estilo Airbnb por causa do aumento do custo de moradia, problemas com segurança e queixas do setor hoteleiro.
De acordo com o vereador Rodrigo Goulart, relator da revisão da Lei de Zoneamento, a votação está prevista para a primeira quinzena de dezembro deste ano. Até lá, diz, o texto do Executivo deve ser alterado.
“Tem que ter algum tipo de controle [ao aluguel de curta temporada], mas não sei se da forma como o Executivo propôs”, afirma à Folha de S.Paulo.
A preocupação do vereador é como a cidade vai atender às queixas da população que vão de aumento no valor do aluguel ao incômodo com os “hóspedes” dos vizinhos e proteger o setor hoteleiro do impacto.
“Existem empreendimentos mistos que têm hotéis e flats instalados. Temos que ver como seriam incorporados se acabar o incentivo do nR1-12 [nRs são as classificações de uso, e a nR1-12 é a de serviços de hospedagem ou moradia]”, diz. O grupo nR1-12 engloba, por exemplo, hotéis de turismo e casas de repouso, que têm efetivamente um uso não residencial.
Para a prefeitura, muitos projetos imobiliários aprovaram unidades dentro desse grupo de atividade para receber os incentivos construtivos do uso misto, sem atender ao propósito do plano diretor de construir moradias para a parcela mais pobre da população em áreas com acesso a transporte e oferta de empregos.
Para estimular o uso do transporte público nos eixos onde há linhas de metrô e ônibus, empreendimentos com 20% de unidades para uso não residencial foram dispensados do pagamento da outorga onerosa (custo para poder construir além do coeficiente permitido por lei) da parte usada para comércio e serviços.
A cobrança existe para compensar o município pelo adicional de infraestrutura pública que um grande empreendimento traz ao local onde é construído, mas a cidade abre mão do dinheiro quando quer estimular a ocupação de algumas regiões.
Porém, para a Secretaria Municipal de Urbanismo e Licenciamento, o uso do incentivo foi desvirtuado. Segundo a secretaria, empreendimentos recentes não utilizaram os incentivos concedidos para diminuir a distância “emprego e moradia”, mas para ter unidades de locação temporária.
A capital paulista, de acordo com a AirDNA, empresa especializada em estatísticas sobre aluguel por temporada, tem cerca de 28 mil anúncios no Airbnb. Em todo o Brasil são 425 mil imóveis oferecidos pela plataforma.
Não há dados que demonstrem um possível impacto desse tipo de locação nos preços de aluguel a longo prazo e no déficit de moradia da cidade. Para o vice-presidente do Secovi-SP (Sindicato da Habitação de São Paulo), Claudio Bernardes, a competição é mesmo com o setor hoteleiro.
Em 2020, o Airbnb chegou a estabelecer uma parceria com a ABIH-SP (Associação Brasileira da Indústria de Hotéis de São Paulo) para promover o turismo paulista durante a pandemia. Por meio do acordo as partes dividiram informações estratégicas de mercado.
De acordo com Ricardo Roman Jr., presidente da ABIH-SP, o resultado foi positivo. Ele diz que o aluguel de curta temporada afeta a categoria econômica do setor hoteleiro, mas, ainda assim, tem um público diferente do de hotéis. Por enquanto, diz, as plataformas não têm grande interferência negativa nos negócios.
O Airbnb chegou ao Brasil em meados de 2012 e ganhou impulso com a Copa do Mundo de 2014, realizada no país. Coincidiu com a implementação do Plano Diretor da capital paulista, que além de estimular a produção de prédios de uso misto, impulsionou as unidades menores de 35 m² em regiões privilegiadas da cidade graças ao desconto na outorga onerosa de metragens pequenas.
De acordo com um levantamento do Laboratório Arq.Futuro de Cidades do Insper, entre 2013 e 2021, houve um aumento de quase 900% no lançamento de unidades nesta metragem.
Em 2022, das 75,7 mil unidades lançadas na cidade de São Paulo, 40,9 mil tinham metragem entre 30 m² e 45 m² de área útil, representando 54% do total, segundo dados do Anuário do Mercado Imobiliário, do Secovi-SP.
O texto proposto por Ricardo Nunes não faz distinção entre metragens na perda da classifciação de uso incentivada, mas o impacto deve ser mais sentido exatamente nessas compactas, que exigem menor manutenção dos moradores e atraem investidores e proptechs (startups do setor imobiliário) que rentabilizam as unidades com locação. É o caso de empresas como Housi e Charlie, que não quiseram comentar a sugestão municipal.
Para Cyro Naufel, diretor da imobiliária Lopes, apartamentos compactos para locação temporária são bem-vindos em uma cidade como São Paulo, com alto turismo de negócios e um mercado pulverizado. Ele diz, porém, que, quanto maiores são os apartamentos e as famílias dividindo o espaço do condomínio com esses locadores, maior é o incômodo com o serviço.
ANA PAULA BRANCO / Folhapress