SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Escrito no pouco tempo livre da atriz enquanto trabalhava na série cômica “Tapas e Beijos”, na TV Globo, entre 2011 e 2015, “Fim”, o romance, lançado em 2013, era praticamente o oposto do que Fernanda Torres vivia no papel da maluquete Fátima. A personagem morava e trabalhava com a melhor amiga, Sueli, papel de Andréa Beltrão.
“Quando você faz uma série que dá certo, vira um processo industrial, não me sobrava tempo para mais nada como atriz. Eu não sou como a Andréa que consegue fazer filme, peça de teatro e tal enquanto trabalha em uma série”, diz a autora e colunista deste jornal. Na conversa por videoconferência também participaram Daniela Thomas e Andrucha Waddington, os dois diretores da adaptação que estreia nesta quarta-feira (25), no Globoplay.
O livro, conta a história da juventude, vida adulta, velhice e morte de cinco amigos cariocas de classe média, “os últimos machos livres”, como diz a autora. Eles são zero politizados e passam incólumes tanto pela ditadura militar brasileira como pela revolução dos costumes que aconteceu no mundo inteiro a partir dos anos 1960. “Eu não tenho nenhum lugar de fala nesse mundo dos machos de Copacabana”, diz Torres. “O Fim foi um belo e profundo exercício de imaginação”.
A partir da morte do macho mais alfa da trama, Ciro, interpretado por Fábio Assunção na série, a vida dos cinco amigos é destrinchada, desde que são jovens e, ainda mais livres e desimpedidos, passam os dias na praia bebendo e paquerando.
Ao longo da história eles se casam, se separam, se arrependem, vivem amores platônicos e outros muitos de carne e osso, têm filhos, trabalhos, ficam velhos, doentes e morrem. E, cada um, à sua maneira, alterna-se como narrador no livro e conta suas memórias e discorre a respeito da sacanagem que é envelhecer. Morrer, então, é imperdoável.
“Comecei a escrever das 22h até meia-noite, todos os dias. Foi assim que começaram as colunas na Folha de S.Paulo, na Veja Rio e as matérias na Piauí. Quando meu contrato na Globo estava se aproximando do fim, achei que o livro podia virar uma série. Sugeri e eles toparam”.
A ideia inicial era que Fernanda só supervisionasse os roteiros depois de quatro meses de trabalho da roteirista contratada, Maria Camargo. E assim foi feito.
Mas, quando Fernanda voltou, quatro meses depois, não reconheceu a história que ela tinha contado no livro. Então, por sugestão da própria Camargo, acabou ela mesma transformando o romance em série, com dez episódios de mais ou menos 50 minutos cada.
Do livro para a série, houve uma transformação fundamental: em vez de contar a história de cinco homens, Fernanda optou por contar a história de cinco casais. Assim, para cada um de seus personagens originais, associou uma personagem mulher. Os papéis das atrizes Marjorie Estiano que vive Ruth, mulher de Ciro, de Laila Garin, Débora Falabella e Heloisa Jorge viraram coprotagonistas.
Quem fizer a conta vai perceber que há um spoiler no parágrafo acima. É que um dos casais é, na verdade, um trisal platônico. O relacionamento a três não é oficial esse tipo de modernidade não era uma coisa comum na classe média da segunda metade do século passado. Mas não se afobe ao tirar conclusões.
A partir do que vemos em quatro episódios da série os dois primeiros, o sétimo e o último, há pelo menos uma suruba, muitos corpos à mostra nas cenas em Copacabana e o mesmo tom tragicômico do livro. O “Fim” de Fernanda Torres não é só feito de tristezas, doenças e frustrações.
Os dois diretores da série são o marido de Torres, Andrucha Waddington, e Daniela Thomas, sua parceira desde que filmaram o longa “Terra Estrangeira”, de Walter Salles, em 1994. Mas ambos só entraram no “Fim” por sugestão de Mônica Albuquerque, uma das executivas responsáveis por esse tipo de decisão na Globo.
“Aí virou um trabalho de grupo, televisão de grupo, uma coisa meio teatral mesmo, de companhia de circo também”, diz a autora. “E continuou sendo assim durante o processo todo”, diz Waddington, que não costuma trabalhar com preparadores de elenco.
“O mínimo que se espera de um diretor é que ele dirija o ator”, afirma o diretor, que faz a ressalva de que usaria um preparador se fosse trabalhar com não atores ou crianças.
Um dos filhos de Torres e Waddington, o ator Joaquim Waddington, de 23 anos, também está no elenco, como o filho do casal central. Marjorie Estiano, que tem o principal papel feminino, já trabalhava com o diretor desde que fizeram a série “Sob Pressão” juntos, que estreou em 2017. Fábio Assunção fazia parte do time de “Tapas e Beijos”, com Fernanda Torres.
“O Fábio foi fazer o teste de maquiagem pesando mais de 90 quilos”, lembra o diretor. “Eu disse para ele voltar em dois meses, com 20 quilos a menos. Ele voltou 30 quilos mais magro”, completa. “O Fábio é um ator incrível e é obstinado, dedicado, generoso”, diz ele.
“Ele tem aquela cara de anjo, mas tem um demônio por dentro, e isso faz dele um ator muito especial”, diz Torres. “O personagem dele, o Ciro, é definido dessa mesma maneira pelos amigos, ele é um anjo e um demônio. Vale para o Ciro e vale para o Fábio”, afirma.
Daniela Thomas conta que o trabalho dos dois diretores foi dividido, porque, com 290 locações diferentes e uma história que se passa durante quatro décadas, era como se estivessem rodando dois longas-metragens ao mesmo tempo. Num processo que começou em 2019 e que chegou ao quarto dia de filmagem em 18 de março de 2020, quando o mundo parou pela pandemia.
“Foi um fim dentro do Fim”, afirma. “E a gente apostou numa coisa muito arriscada que foi usar os mesmos atores, e rejuvenescer e envelhecer o elenco só com maquiagem e peruca, não tem tecnologia nenhuma aqui, foi na unha”, diz a diretora.
Thomas lembra ainda que Fernanda Torres também dirigiu uma cena da série, em uma ocasião em que ela mesma teve que sair mais cedo da gravação. “E é uma das melhores cenas, a mais linda e romântica e a mais deliciosa trepada”, diz a diretora. “É uma brochada, na verdade, mas ficou linda demais”.
“Escrever roteiros é bem parecido com escrever colunas e livros, e acho muito bom fazer roteiros porque eu posso me dar empregos”, diz, com seu senso de humor peculiar, uma das artistas e escritoras mais cobiçadas do nosso tempo.
Torres, a propósito, está concluindo também as filmagens de “Ainda Estou Aqui”, dirigido por Walter Salles, em parceria com Daniela Thomas, baseado no livro de Marcelo Rubens Paiva. Quando terminar, em novembro, a previsão é que retorne com suas colunas neste jornal.
FIM
Quando Estreia nesta quarta-feira (25) no Globoplay
Elenco Fábio Assunção, Marjorie Estiano, Débora Falabella
Produção Brasil, 2023
TETÉ RIBEIRO / Folhapress