FOLHAPRESS – Britney Spears tinha 26 anos quando seu pai a visitou e explicou que ela estava sob sua tutela. “Eu sou a Britney Spears a partir de agora”, ele teria dito à própria filha. A artista perdeu o controle de sua vida pessoal e artística naquele dia, no ano de 2008.
Ela só conseguiu recuperar sua liberdade em 2021, após a decisão de um tribunal. Já estava com 39. A batalha culmina com o lançamento de sua autobiografia, “A Mulher em Mim”, nesta terça-feira, dia 24.
A imprensa e o público se acostumaram a tratar Britney como uma tola divertida, alguém de quem se sente pena e graça. O livro, no entanto, expõe a solidão, a dor e a sabedoria de uma mulher que lutou contra um mundo obcecado com seu corpo, sua virgindade e seus relacionamentos.
Os primeiros capítulos, em especial, têm uma delicadeza comovente. Há algo no tom que lembra o romance “As Virgens Suicidas”, de Jeffrey Eugenides, publicado em 1993.
A infância de Britney no estado de Louisiana inspira a mesma mistura de cotidiano, melancolia e detalhes inesperados que aquela obra.
Sobre o dia em que seu irmão se acidentou, Britney conta que correu descalça por uma rua recém-pavimentada, os pés grudando no piche. Ela diz, também, que às vezes ia até o jardim de um vizinho, se deitava de costas no chão de pedrinhas, que retinham o calor do sol, e fitava o céu.
O texto é simples, sem ambições literárias. Há um esforço evidente em apresentá-la como uma narradora direta e confiável, ao contrário da imagem de mulher emotiva e descontrolada que foi criada ao longo da última década.
Segundo seu próprio relato, Britney cresceu em um lar instável, criada por pais que se aproveitaram de seu talento. Começou a trabalhar ainda criança. Tinha apenas 16 anos quando lançou a canção “…Baby One More Time”, cujo single vendeu mais de 10 milhões de cópias em 1998.
Cantar e dançar eram experiências espirituais, diz, como estar próxima do divino. A década seguinte, porém, retirou aquele prazer. Empresários, gravadoras e seu próprio pai a forçaram a trabalhar sem descanso. Em um determinado momento, afirma, ela rezava para quebrar um braço ou uma perna e, assim, não precisar mais fazer shows.
A mídia e o público foram decisivos no seu trauma psicológico. Britney via repórteres perguntarem ao então namorado Justin Timberlake sobre música. Dela, só queriam saber se os seios eram naturais.
Quando ela e Justin se separaram, Britney foi entrevistada por Diane Sawyer, uma famosa jornalista americana. Foi interrogada na frente das câmeras sobre o que tinha feito para machucar tanto o pobre Justin. O ex-namorado, porém, é que tinha traído.
Ela diz que ali foi um ponto de inflexão. “Senti algo obscuro tomar conta do meu corpo.”
Fica claro, em “A Mulher em Mim”, que Britney teve uma relação difícil com a fama. Ela própria sugere que não soube lidar com a pressão. Tem, afirma, uma personalidade ansiosa e passou por episódios de depressão. Ela se forçou a cantar para cativar os outros –nós, o público, inclusos.
Em 2007, entrou em colapso. Raspou a cabeça e foi flagrada perdendo o controle nas ruas. Era uma maneira de mandar tudo às favas, diz.
Foi também quando perdeu a guarda dos filhos e foi posta sob a tutela do pai. A Justiça decidiu que ela não estava apta a cuidar de suas finanças ou de seus relacionamentos, apesar de poder, sim, se apresentar a multidões.
Britney está livre da tutela desde 2021, em parte graças ao movimento popular #FreeBritney –libertem a Britney, em português–, que ela diz ter dado forças. Segue, porém, sob escrutínio do público. Nos últimos dois anos, muito tem sido dito sobre as fotos e vídeos que ela publica nas redes sociais, em que surge sem filtros, às vezes de maneiras pouco lisonjeiras.
“Quando você foi sexualizada a vida inteira, é bom estar no controle do guarda-roupa e da câmera”, diz. Tirar as próprias fotos e cometer seus erros é a maneira de ser livre.
A MULHER EM MIM
Preço: R$ 119,90 (280 págs.); R$ 79,90 (ebook)
Autoria: Britney Spears
Editora: Buzz
Avaliação: Muito Bom
DIOGO BERCITO / Folhapress