FORTELEZA, CE (FOLHAPRESS) – Dois homens foram presos nesta terça-feira (24) suspeitos de serem os autores dos disparos que mataram um adolescente de 14 anos durante um treino de futebol na Areninha do Conjunto João Paulo 2º, no bairro Barroso, periferia de Fortaleza, na noite desta segunda (23).
Segundo a polícia, os suspeitos se aproximaram da quadra onde as crianças jogavam e fizeram disparos de dentro de um veículo. Um homem e outros dois adolescentes, de 12 e 13 anos, também foram baleados.
Segundo as autoridades, os suspeitos integram a facção Massa Carcerária, uma das que atuam no estado. A polícia não disse se eles já têm advogado, nem o que teriam dito no momento da prisão. A polícia procura um terceiro suspeito de ter participado do crime, que é considerado foragido.
De acordo com o secretário de Segurança do Ceará, Samuel Elânio, ainda na madrugada de terça foi realizada uma força tarefa envolvendo as polícias Civil e Militar e a SSPDS (Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social), que terminou com a prisão dos dois suspeitos.
VIOLÊNCIA NO CEARÁ
O crime ocorre numa sequência de outros assassinatos que seriam resultado de disputas entre facções criminosas rivais.
No sábado (21), três pessoas de uma mesma família foram assassinados dentro de casa, em Jaguaribe, a 243 km da capital do Ceará. Os dois suspeitos pelos assassinatos foram mortos no dia seguinte, durante troca de tiros com policiais, segundo a polícia. Ainda de acordo com a corporação, há suspeita de ligação do crime com a atuação de facções ligadas ao tráfico de drogas.
Desde 2005 Fortaleza convive com confrontos entre facções pelo controle de bairros da cidade. Os grupos locais têm articulação com o crime organizado nacional, parte deles ligados ao PCC e ao Comando Vermelho (CV).
Segundo especialistas em segurança pública, disputas por território e novas fragmentações das organizações locais têm motivado uma série de ações violentas. Para Ricardo Moura, pesquisador do Laboratório de Estudos da Violência (LEV) da UFC (Universidade Federal do Ceará), existe uma nova disputa por hegemonia entre facções rivais que atuam especialmente na capital cearense.
Atuam na cidade atualmente o GDE (Guardiões do Estado), aliado ao PCC, além de um núcleo local do CV e o Massa Carcerária, também ligado ao CV.
De acordo com o pesquisador, a tentativa de chacina no campo de futebol foi motivada pelo assassinato de um homem e um bebê recém-nascido no último fim de semana no bairro Messejana, controlado pelo CV.
“Houve uma ameaça de retaliação, e foi o que ocorreu ontem [dia 23]. Hoje [24] a gente já teve um ataque no local da Massa, na comunidade Babilônia”, disse Moura, citando informações e vídeos que circulam em grupos de mensagem monitorados por pesquisadores do LEV.
Os assassinatos, diz ele, são feitos de forma aleatória, como estratégia para espalhar o terror nas comunidades controladas por grupos rivais.
Fortaleza viveu uma onda de violência em 2016 e 2017, quando o GDE rompeu com o Comando Vermelho, mantendo articulação com o PCC. Até então, os três atuavam em conjunto na capital cearense.
Em janeiro de 2019, uma série de ataques -que incluíram incêndios e tiros contra prédios públicos- foi coordenada pelas facções, demandando intervenção da Força Nacional.
Para o sociólogo Luiz Fábio Paiva, também vinculado ao LEV, novas forças estão surgindo a partir da fragmentação das facções, o que tem reacendido a disputa entre os grupos. Segundo ele, o grupo que vem se estabelecendo como Massa Carcerária é resultado de uma fragmentação do CV.
A violência que segue a partir destes conflitos, afirma o sociólogo, é localizada dentro dos bairros e comunidades em que os grupos atuam. “As facções têm atuado nos territórios e muitas vezes contra a população, gerando desde a expulsão de determinados moradores até chacinas”, diz Paiva.
Para Ricardo Moura, os dados oficiais acabam por não transparecer ainda o aumento nos casos de violência, justamente por se tratar de crimes bastante restritos a determinados territórios de Fortaleza.
“A gente tem uma taxa de crimes violentos letais menor do que no ano passado, mas elas se concentram em áreas que já são bastante violentas. Então as populações desses locais ficam numa situação desesperadora”, afirma.
Ambos os pesquisadores concordam que a reorganização interna vem na sequência das prisões de líderes das facções, o que, em vez de enfraquecer os grupos, teria aberto espaço para dissidências e novas disputas.
“Há um fluxo de inserção de crianças, adolescentes e jovens nessas organizações, que não se consegue quebrar. É necessário um trabalho que vá além dos órgãos de segurança”, conclui Moura.
FÁBIO F. MARQUES / Folhapress