“Devido aos últimos acontecimentos na região, estamos encerrando nossas atividades mais cedo hoje”, diz um comunicado aos clientes de um espaço de estética no Recreio dos Bandeirantes, na zona oeste do Rio de Janeiro.
A esteticista responsável pelo local, Lalesca Quirico, disse que nesta terça (24) decidiu terminar o atendimento três horas antes do habitual, com medo do caos na volta para casa. “Eu e minha funcionária moramos na zona oeste e a prioridade é voltarmos em segurança”, disse.
O sentimento de insegurança foi comum entre os trabalhadores que precisavam se deslocar pela cidade um dia depois dos ataques ao transporte público. Na segunda (23), 35 ônibus foram incendiados em resposta à morte de Matheus da Silva Rezende, conhecido também como Faustão ou Teteu, um dos líderes da maior milícia do estado. Criminosos também atearam fogo em um trem e em uma estação do BRT.
Em meio aos vestígios do terror do dia anterior, passageiros começaram a terça-feira com dificuldade para chegar ao trabalho. Pelo caminho, usuários cruzavam com carcaças de ônibus queimados e enfrentaram filas e superlotação nos BRTs que saíam do terminal Alvorada, o mais importante da zona oeste, pela manhã. Cerca de 361 mil passageiros usam o sistema diariamente.
A operação foi sendo retomada ao longo do dia, e à noite a frota de BRT operava normalmente nos corredores Transcarioca, Transolímpica e Transoeste. O policiamento foi reforçado em todas as estações.
No início da tarde, o prefeito Eduardo Paes disse que os ônibus circulavam com 90% da frota. Mesmo assim, quem pode adiantou a saída do trabalho. Por volta das 18h, o cenário no terminal Alvorada era mais vazio do que o habitual.
O trânsito, que na segunda ficou caótico por causa dos ataques, chegou a 55 km às 18h desta terça, quase 60% menor que a média para o horário.
Com medo de sair de casa, também houve quem decidiu não ir para o trabalho. Foi o caso da diarista Elaine de Almeida, que conseguiu liberação do serviço nesta terça. “Eu mandei mensagem para a minha patroa e expliquei que não sabia se conseguiria ônibus para ir e ainda mais depois, para voltar. Além disso, ouvimos tiros de manhã, achei melhor não arriscar”, disse.
Uma mulher que não quis se identificar também disse que não saiu de casa nesta terça. “A verdade é que sempre temos medo, não sabemos o que pode acontecer”, disse ela.
Outros trabalhadores nem conseguiram entrar em contato com seus empregadores, por falta de internet. Segundo relatos de moradores, o sinal foi cortado por milicianos que controlam a região.
Apesar do policiamento reforçado, o medo mudou a cara do bairro Santa Cruz. Às 16h, o centro comercial que costuma registrar intenso movimento estava praticamente todo fechado.
“Hoje é um dia de prejuízo para mim. É um dia todo perdido. Os mais prejudicados são sempre nós, trabalhadores”, disse um lojista.
O comércio também fechou a portas mais cedo em Campo Grande e em Guaratiba.
“Para a segurança dos nossos clientes e funcionários, estaremos fechados hoje. Agradecemos a compreensão”, dizia o aviso de uma padaria em Santa Cru.
As consequências dos ataques também afetaram escolas e serviços de saúde na zona oeste. Cerca de 10 mil alunos ficaram sem aulas e 7.000 pacientes não tiveram atendimento. Ao menos 12 clínicas da família não abriram as portas e 16 suspenderam visitas a domicílio.
Os ataques ao transporte público também resultaram em um prejuízo financeiro de R$ 38 milhões para as empresas.
ALÉXIA SOUSA / Folhapress