SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O Brasil está à beira de um rápido processo de envelhecimento. Se nos anos 1990 o maior grupo populacional era composto por crianças de até 14 anos, hoje há mais gente na casa dos 35 aos 44 anos de idade. Nascimentos em baixa e aumento da longevidade explicam essa mudança, apontando também para a expectativa de que, em três décadas, grande parcela da população será composta por idosos.
Essa transição indica uma saída acelerada do chamado bônus demográfico, como é chamado o conceito que associa o aumento da renda per capita ao maior crescimento da população em idade ativa, enquanto os grupos etários economicamente dependentes, como crianças e idosos, ainda são relativamente menores.
Espera-se que ocorra aumento médio da renda por pessoa durante o bônus demográfico porque é na fase adulta que o ganho financeiro tende a ser maior do que o consumo, segundo Cássio Turra, professor de demografia do Cedeplar (Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional) da UFMG.
O efeito do bônus pode ser estendido para outras áreas, como aumento da arrecadação tributária, redução da pobreza, expansão da educação e do sistema público de saúde, redução da desigualdade e desenvolvimento do sistema de previdência.
“Quando o crescimento da população idosa acelera e se torna maior do que da população em idade ativa, muitos desses efeitos positivos tendem a diminuir”, diz Turra.
No Brasil, o bônus demográfico teve início por volta de 1970 e durou por 50 anos, até o início desta década.
Alguns dos benefícios desse bônus se manifestaram na redução da pobreza, construção de um sistema quase universal de previdência e maior cobertura do sistema de educação pública.
Práticas bem-sucedidas na saúde pública, por exemplo, resultaram no aumento da expectativa de sobrevida, indicando que o país acertou ao melhorar questões como acesso a vacinas e tratamentos médicos.
“Por outro lado, em uma sociedade muito desigual e com baixa capacidade de planejamento de médio e longo prazo, como a brasileira, aproveitamos menos do que a dinâmica demográfica ofereceu nesse período”, afirma Turra.
O cenário de envelhecimento acelerado acompanhado do aproveitamento do bônus demográfico abaixo do desejável é especialmente preocupante para a economia do país, segundo o economista Marcelo Neri, diretor do FGV Social.
Reflexo importante ocorre no pagamento de aposentadorias e pensões. Sem crescimento da massa de salários, as contribuições feitas ao sistema de previdência são insuficientes para cobrir os gastos com benefícios. Outras fontes de arrecadação são exigidas para compensar o déficit, prejudicando investimentos do governo e o próprio crescimento do país.
“São dois problemas. O primeiro é que a velocidade do envelhecimento tem surpreendido, o país está envelhecendo rápido. O segundo é que o Brasil tem sido retardatário nas reformas para lidar com isso”, diz.
Em 2019, a gestão do então presidente Jair Bolsonaro (PL) aprovou uma reforma previdenciária que impôs idades mínimas para a aposentadoria pelo INSS, voltada a homens e mulheres que trabalham no setor privado. Neri aponta a reforma como correta, porém, tardia.
É na educação para o mercado de trabalho, porém, onde o país mais patinou quanto ao aproveitamento do bônus, segundo Neri. Justamente por esse motivo é este ponto que deve ser foco das políticas públicas daqui por diante.
Na prática, diz Neri, o país precisa tomar como prioridade a qualificação de trabalhadores mais velhos para que esse público possa acessar postos de trabalho qualificados, com salários mais altos.
Esforços para compensar a passagem do bônus demográfico precisam ir além da questão econômica, levando a população acima dos 60 anos para o centro das políticas públicas, segundo Alexandre Kalache, médico especializado no estudo do envelhecimento e presidente do Centro Internacional de Longevidade Brasil.
Virada de chave importante deve ocorrer, por exemplo, na saúde pública. Práticas voltadas à prevenção tendem a reduzir a demanda para procedimentos de alta complexidade, como cirurgias cardíacas.
“A pressão sobre os custos da saúde não ocorre, necessariamente, pelo envelhecimento populacional, o que custa caro é o avanço da tecnologia [devido à incorporação de novos equipamentos e medicamentos]. Questões como a hipertensão podem ser prevenidas com menor ingestão de sal e atividade física”, exemplifica o médico.
Estudioso da longevidade há 48 anos, Kalache, 78, afirma que o envelhecimento segue longe de ser prioridade. “Analisei programas de 37 partidos políticos, apenas dois ou três tratavam do tema, ainda assim, de forma superficial”, diz. “Como governar um país se a população que mais cresce está fora do radar.”
CLAYTON CASTELANI / Folhapress