SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A surpreendente campanha da seleção brasileira de beisebol se desenha como uma das grandes histórias dos Jogos Pan-Americanos que estão sendo disputados em Santiago, no Chile. Com um time formado, em parte, por atletas amadores, que jogam de fim de semana, o Brasil se classificou para a final e já garantiu uma medalha inédita na modalidade.
Sem uma liga profissional organizada, os jogadores brasileiros enfrentam o desafio de não poder viver apenas do esporte no país. Com isso, atletas e dirigentes precisam seguir por outras atividades profissionais, continuando no esporte de forma amadora.
“De fato, a gente não tem apoio. Os atletas são amadores por essência”, afirma Márcio Roberto Irikura, chefe da delegação brasileira de beisebol no Pan-Americano. Ele jogou em times amadores no Brasil e atua como dentista em clínica odontológica na capital paulista.
“Temos no grupo dentista, servente de pedreiro, chapeiro, analista de TI, educador físico. São diversos profissionais que, nos finais de semana, se reúnem em seus clubes para treinar para os campeonatos”, diz Irikura.
No Brasil, as equipes contam com apenas dois eventos de abrangência nacional por ano, organizados pela CBSS (Confederação Brasileira de Beisebol e Softbal).
O primeiro no calendário é o Brasileiro Interclubes, em agosto, que neste ano sagrou o time de Marília tricampeão. Sete jogadores da seleção atuam pela equipe, que fica em região marcada pela presença da colônia asiática, uma das maiores responsáveis pela disseminação do esporte no Brasil.
Historiador da Universidade de Minnesota, nos Estados Unidos, e especializado na imigração japonesa ao Brasil no início do século 20, Andre Kobayashi diz que o beisebol no país foi sendo levado para o interior do país, em especial para o sul e sudeste, conforme as famílias de imigrantes japoneses chegavam no litoral paulista e se moviam para o interior para trabalhar na agricultura.
Além do predomínio de descendentes de japoneses na seleção, três jogadores nasceram no país oriental: os arremessadores Enzo Sawayama, Douglas Naoki Takano e Daniel Missaki.
Há ainda no calendário a Taça Brasil, em dezembro, que reúne os cinco times mais bem classificados no Brasileiro. Na edição de 2023, vão estar na competição Marília, Atibaia, Nippon Blue Jays, Medicina USP e Ibiúna. Os jogos serão no estádio municipal de beisebol Mie Nishi, no bairro do Bom Retiro, em São Paulo. O estádio foi inaugurado em 1958, em comemoração aos 50 anos do início da imigração japonesa.
Kobayashi nota que o esporte tem se desenvolvido no Brasil nos últimos anos. Em 2000, foi inaugurado um centro de treinamento de beisebol voltado para jovens talentos, em Ibiuna, patrocinado pela Yakult.
No entanto, para jogar profissionalmente, é preciso sair do país, que foi o que fez a maior parte dos jogadores que defendem o Brasil em Santiago.
Do elenco no Pan-Americano, cinco atuam nos Estados Unidos, no Canadá, no Japão e na França. Eric Pardinho e Gabriel Barbosa são contratados por times da MLB (Major League Baseball), a principal liga profissional dos Estados Unidos, mas não estão no elenco principal, disputam competições menores.
Os jogadores de maior projeção na formação brasileira são o defensor Paulo Orlando, primeiro brasileiro campeão da World Series da MLB (decisão anual da liga principal), pelo Kansas City Royals, em 2015, e André Rienzo, primeiro arremessador brasileiro na liga americana, com passagens por Chicago White Sox e Miami Marlins.
Hoje, Orlando atua pelo time do Anhanguera Nikkei Clube, que manda os jogos em Santana do Parnaíba, enquanto Rienzo defende a equipe de beisebol de Medicina da USP.
A maioria dos selecionados, contudo, jogou em ligas de menor expressão, como a MiLB (Minor League Baseball), nos Estados Unidos, e a SILP (Shikoku Island League Plus), no Japão.
“Todos os atletas brilharam no Pan. Conseguimos juntar jogadores veteranos com novatos e a mescla deu certo”, diz Jorge Otsuka, presidente da CBBS. “O Brasil já assegurou a medalha de prata, mas vamos em busca da medalha dourada”, acrescenta o dirigente.
A briga do Brasil pelo ouro inédito será no sábado (28), às 15h, contra a Colômbia. Antes do início do torneio, a seleção brasileira não estava entre as favoritas. Mas, desde o primeiro jogo, deu sinais de que poderia ser uma das grandes surpresas. Na estreia contra a seleção venezuelana -onde o esporte é uma paixão nacional-, sexta colocada no ranking mundial, o Brasil, 24ª, venceu por 3 a 1.
A equipe voltou a surpreender ao engatar três vitórias em sequência contra seleções também com mais tradição no esporte. Ficaram pelo caminho Colômbia (8 a 7), Cuba (4 a 2) e Panamá (5 a 3). As três estão acima do Brasil no ranking (15ª, 8ª e 12ª, respectivamente), mas não levaram força máxima, sem a presença de jogadores que atuam na MLB.
Nesta sexta-feira, o Brasil teve sua primeira derrota no Pan, de 5 a 1, para o México, em jogo protocolar que não colocava em risco a presença na final, com reservas que ainda não haviam jogado entrando no time.
O melhor resultado que a seleção brasileira já havia alcançado até então em Pan-Americanos foi uma quinta colocação, nas edições de São Paulo-1963 e de Santo Domingo-2003. A última participação do Brasil foi na edição do Rio, em 2007, quando terminou em sétimo. O Brasil também nunca participou das Olimpíadas na modalidade, que voltará ao evento esportivo em 2028.
Kobayashi afirma que o Brasil tem talentos e recurso humano para ser uma presença nos Jogos de Los Angeles. Para isso, contudo, é preciso superar barreiras como a popularidade do esporte no país e a falta de campos nas grandes cidades. “O Pan pode representar uma oportunidade para o desenvolvimento do esporte no país”, diz o historiador.
LUCAS BOMBANA / Folhapress