Zambelli armada faz 1 ano com obsessão de Bolsonaro e fantasma vivo de Janones

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Faz um ano que Carla Zambelli (PL-SP) e Jair Bolsonaro (PL) estão afastados. “A gente não tem se falado como era antes”, diz à Folha a outrora fiel escudeira do ex-presidente.

Contam-se nos dedos as vezes em que se cumprimentaram em encontros esporádicos nesse período –um evento da FAB em dezembro, uma visita à Alesp em junho, um jantar de uma frente parlamentar criada por Zé Trovão (PL-SC) no último dia 18.

Bolsonaro, relatam aliados, responsabiliza Zambelli pela derrota na tentativa de reeleição desde que ela correu com uma arma em punho atrás de um apoiador de Lula (PT) em uma rua de São Paulo na véspera do segundo turno. A cena insólita marcou o pleito mais acirrado desde a redemocratização.

A deputada diz que foi ela quem resolveu se distanciar do ex-presidente. “Evito entrar em contato. Não quero que coisas [de] que eu esteja sendo acusada recaiam sobre ele. Ele me falou: Carla, estão querendo te pegar, então mergulha.”

Mulher mais votada do país para o cargo de deputada em 2022, ela teve o indiciamento pedido pela CPI do 8 de janeiro e está na mira da Polícia Federal pela relação com o hacker Walter Delgatti.

Em 29 de outubro do ano passado, enquanto as imagens de Zambelli armada se espalhavam pela internet e pela imprensa, um personagem decisivo para o episódio ainda não sabia do sucesso na missão.

O deputado federal André Janones (Avante-MG), que se embrenhou em uma espécie de guerrilha digital pró-Lula, estava em um voo de Brasília para São Paulo e viu o vídeo no celular ao desembarcar no aeroporto de Congonhas.

“Tem noção do que eu fiz com a Zambelli, com o psicológico desse povo? A mulher sacou uma arma. O que eu fiz com o psicológico dessa mulher?”, disse, em reação de espanto captada pela TV Globo, que seguia o parlamentar para a série documental “Extremistas.br”.

À Folha o deputado admite que estabeleceu como prioridade na reta final da campanha desestabilizar figuras centrais da mobilização virtual bolsonarista. Queria obrigar o campo rival a gastar tempo se defendendo em vez de ficar livre para fustigar Lula. “O desfecho foi melhor do que eu imaginava”, diz.

Janones, contudo, nega que a perseguição ao jornalista Luan Araújo nos Jardins, bairro nobre da capital paulista, tenha sido fruto de uma armadilha sua, como acusa Zambelli.

“O Janones tem relação com isso”, disse a deputada em uma gravação instantes após o fato, com a voz trêmula, argumentando que vídeos do colega de Câmara estavam cheios de comentários instigando a militância a ir atrás dela. É o que ela pensa até hoje.

Pelo relato de Araújo, o encontro com Zambelli foi acidental. “O máximo de conexão que eu tenho com o Janones é segui-lo no Twitter [rebatizado de X].”

A parlamentar estava transtornada, de uma forma como nunca pessoas de seu convívio tinham visto antes.

Em entrevista à Folha em fevereiro, ela disse que se sentiu “sob ataque e sob alerta” após ameaças de que “ia levar um tiro na cabeça”. Relatou ter recebido milhares de mensagens no celular, algumas contendo pornografia, o que a fez ficar acordada até as 4h30 da madrugada anterior.

O desentendimento começou na porta de um restaurante japonês na alameda Lorena onde ela almoçava com um pequeno grupo que incluía seu filho adolescente.

Araújo diz que, ao passar, ouviu a provocação “amanhã é Tarcísio”, em referência ao hoje governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), vindo da direção da deputada.

O jornalista, um homem negro que usava um boné preto do MST (Movimento dos Trabalhadores Sem Terra), teria dito à parlamentar que, com a vitória de Lula, Bolsonaro e seu grupo iriam “voltar para o bueiro”.

Os dois bateram boca na calçada, sob câmeras de celulares. A certa altura, Araújo tirou a interlocutora do sério ao falar “te amo, espanhola”. O adjetivo é usado por adversários para insinuar que ela foi prostituta quando morou na Espanha, o que a deputada nega.

Um policial que estava com a parlamentar, ora descrito como amigo, ora como segurança, correu atrás do jornalista e chegou a disparar um tiro, de forma acidental, segundo ele.

“Eu só tinha medo de morrer. Morrer ali mesmo. Não estava nem pensando em eleição mais”, relembra Araújo.

Na sequência, o apoiador do PT correu por 90 metros e entrou em um bar. Zambelli, naquele momento, pensou que o auxiliar havia sido baleado.

A deputada então sacou sua pistola e atravessou a rua até a lanchonete, na esquina com a alameda Joaquim Eugênio de Lima, na intenção de conter o detrator até a polícia chegar.

O vídeo começou a circular às 16h53, quando foi postado por Antonio Neto, presidente municipal do PDT, sob os comandos “urgente!” e “divulguem”. Ele recebeu o registro de jovens ligados ao partido que estavam por coincidência no bar. Naquele dia, o Jornal Nacional (Globo) dedicou seis minutos ao assunto.

Nem na expectativa mais otimista de Janones o campo adversário chegaria a tamanho desatino. “Ela [Zambelli] fala que fui eu, porque ela estava atônita, era nítido o transtorno mental. […] Ela não dormia mais, postava de madrugada”, diz o deputado, que nega qualquer relação com as ameaças.

Naquela semana, o parlamentar aproveitou o tema da pedofilia no caso das jovens venezuelanas, o da frase “pintou um clima” dita por Bolsonaro, para espalhar pistas falsas, consideradas fake news pela direita, de que mais escândalos estourariam durante o debate da TV Globo.

O mineiro rejeita a tese de que o “janonismo cultural”, como ficou rotulada sua tática, envolvesse desinformação. Prefere falar em blefes.

“Eu não conheço aquele cara [Araújo]. Não sei o que aconteceu ali”, afirma o deputado. “O que ela pode atribuir a mim é falar que ‘a estratégia que o Janones adotou, com os blefes dele, me levou a um estado mental alterado e por isso eu fiz aquilo’.”

Zambelli diz que levou uma cusparada e que duas das pessoas que acompanhavam Araújo estavam armadas, teorias negadas pelo jornalista. O segurança da parlamentar chegou a ser preso em flagrante pelo disparo. A Polícia Civil investigou as circunstâncias, mas o caso está sob sigilo.

A deputada afirma que, cercada e xingada, só sacou a arma após ouvir um tiro e não conseguir localizar seu segurança. “O que fica de lição é que eu queria que nunca tivesse acontecido, sabe?”, diz.

“Eu deveria ter ficado quieta. Porque a gente se defende e fica como algoz. Eu era a vítima. Mas, já que aconteceu, queria que as pessoas entendessem que eu estava numa situação muito perigosa. A população precisaria ter um pouco de empatia. Meu público tem. Continuo com a mesma popularidade de antes.”

Auxiliares da confiança de Bolsonaro arriscavam dizer que a eleição estava ganha até virem o vídeo. Para eles, o episódio diminuiu a votação do então presidente em São Paulo –não se sabe se o suficiente para lhe custar a reeleição ou não.

Integrantes das campanhas de Bolsonaro e de Tarcísio contam que houve revolta com a aliada, que deveria ter “segurado a onda” diante do que estava em jogo. Quem viu a deputada durante a apuração no hotel Sheraton, na zona sul, relata que ela estava com cara de enterro, consciente do estrago que causara.

Bolsonaro ficou apenas 1,8 ponto percentual atrás de Lula no total de votos válidos. O ex-presidente e seu entorno também atribuem o resultado negativo ao desvario do aliado Roberto Jefferson, que resistiu a se entregar à PF com tiros e bombas uma semana antes do segundo turno.

Em agosto, a coluna Mônica Bergamo noticiou que Bolsonaro concordou durante entrevista com a afirmação de que o episódio com Zambelli influenciou sua derrota. “Pela lei, naquele dia [ela] não poderia estar armada na rua. Já começa por aí”, disse.

A mágoa foi tão grande que o entorno do ex-presidente passou a comemorar cada infortúnio da deputada.

A advogada Karina Kufa, que atendia Zambelli e a orientou no dia da confusão, chegou a receber congratulações de pessoas ligadas ao ex-presidente quando encerrou, neste ano, o contrato com a cliente. Kufa afirmou que tomou a decisão não por razões políticas, mas por “inviabilidade financeira”.

Nem o próprio Luan Araújo considera que o episódio da arma tenha sido a gota d’água para a derrota de Bolsonaro. Ele diz que o uso da arma era insuficiente para chocar eleitores que cogitavam votar em Bolsonaro. “O governo por quatro anos normalizou que cenas como essa aconteceriam.”

Em agosto, o STF (Supremo Tribunal Federal) aceitou a denúncia da Procuradoria-Geral da República no caso, e Zambelli agora será julgada sob acusação de porte ilegal de arma de fogo e constrangimento ilegal com arma de fogo. Ela está com o porte suspenso e teve as armas apreendidas.

CAROLINA LINHARES E JOELMIR TAVARES / Folhapress

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