SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Ignore o fato de que Bradley Cooper não é judeu, gay nem bissexual, e que inclusive vive namorando supermodelos. Pense no fato de que o galã de Hollywood escreveu, dirigiu e atuou no papel central da cinebiografia “Maestro”, que tem entre seus produtores veteranos como Martin Scorsese e Steven Spielberg.
Mas isso não seria relevante se o que chegasse às telas não fosse bom. E é. Aliás, apesar de ser uma produção da Netflix, esse é um daqueles filmes em que o tamanho da tela, assim como a experiência
coletiva, faz muita diferença.
O coração da trama é o relacionamento de Leonard Bernstein com a mulher, a atriz costa-riquenha Felicia Montealegre, feita por Carey Mulligan. Os dois se conhecem jovens e Leonard nunca esconde que vivia uma vida gay até a conhecer, e que não tem nenhuma pretensão de renunciar a isso, apesar de se apaixonar genuinamente por Felicia.
Os dois se casam, têm três filhos, mas a monogamia nunca se impõe. Essa é a primeira das contradições de Bernstein, apresentado como um homem agitado, que anda e fala rápido, que tem muita ambição e é reconhecido logo como um grande condutor de orquestras.
Ele é incentivado a mudar o sobrenome judeu para se emplacar sem resistência como primeiro maestro americano reconhecido no mundo. Leonard não muda o sobrenome para Berns, como é sugerido pelo pai, nem desiste de compor para musicais da Broadway, trabalho considerado menos sério no mundo esnobe da música erudita.
Como regente, Bersntein leva a vida de um artista quase performático, que precisa ser extrovertido para se apresenta ao público e busca o aplauso. Como compositor, a experiência é contrária, o outro lado da moeda. Ele sozinho no piano, tirando de suas emoções mais íntimas a combinação de notas para fazer uma música capaz de as expressar.
Uma vida não cabe em duas horas e nove minutos, tempo de duração de “Maestro”. Mas uma boa história, sim. E há uma ótima história, bem contada, bem dirigida, bem atuada e bem produzida neste novo longa-metragem.
A história de um músico ultratalentoso, rico, famoso e que amava demais. Gente demais. Isso acabou provocando frustração enorme na mulher com quem dividiu grande parte de sua vida adulta.
Leonard e Felicia se separaram no meio dos anos 1970, quando o movimento de libertação gay ganhou maior visibilidade, os três filhos do casal estavam crescidos e ele acreditava que um verdadeiro artista tinha a obrigação de viver sua vida de maneira igualmente verdadeira.
Leonard saiu de casa para viver com seu amante muitos anos mais jovem, Tom Cothram. Pouco tempo depois, Felicia recebeu um diagnóstico de câncer de mama com metástase no pulmão, e Leonard voltou para a casa da família e cuidou de sua mulher até sua morte, em 1978.
Isso está lindamente contado no filme de Bradley Cooper, que merece todas as láureas por atuar e dirigir essa história com força e delicadeza.
Pena que a vida de Bernstein tenha tantas outras histórias incríveis. Minha preferida é a que une o casal a Tupac Shakur, o rapper morto, aos 25 anos, em Las Vegas, em 1996.
Em 1970, Leonard e Felicia deram um jantar para 90 pessoas, com o intuito de arrecadar fundos para soltar da prisão 21 membros dos Panteras Negras, que haviam sido presos no ano anterior, acusados de planejar vários ataques.
Com o dinheiro arrecadado no jantar de Leonard e Felicia, foi paga a fiança de Afeni Shakur, uma das lideranças do partido. Era mãe do rapper.
Os eventos na cobertura do casal eram lendários. Renderam até uma peça fundamental do chamado jornalismo literário, o perfil “Radical Chic: That Party at Lenny’s”, de Tom Wolfe, publicado em junho de 1970.
Leonard Bernstein não nasceu para facilitar a vida de seus biógrafos. Mas inspirou um belo filme de Bradley Cooper.
MAESTRO
Quando: Dia 1º de novembro, às 17h40, no CineSesc
Classificação: 16 anos
Elenco: Bradley Cooper, Carey Mulligan e Matt Bomer
Produção: EUA, 2023
Direção: Bradley Cooper
Avaliação: Muito bom
TETÉ RIBEIRO / Folhapress