SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O presidente da Rússia, Valdimir Putin, acusou nesta segunda (30) os serviços secretos do Ocidente e da Ucrânia pelo ataque contra um aeroporto no sul de seu país que recebeu um voo vindo de Israel na noite do domingo (29).
Kiev nega envolvimento e a Casa Branca não comentou a fala de Putin, apenas tendo criticado a violência. Putin aproveitou uma reunião sobre o caso para criticar de forma mais ampla os Estados Unidos e o Ocidente, a quem culpa pela instabilidade no Oriente Médio.
“Os EUA precisam do caos”, afirmou o líder, citando o insólito incidente ocorrido em Makhatchkala, capital da majoritariamente muçulmana República do Daguestão, no domingo (29), mas também a guerra Israel-Hamas e os “eventos na Síria e no Iraque”.
Disse que os palestinos têm de se levantar contra os “responsáveis pela guerra”. “Nós estamos lutando contra eles na Ucrânia”, disse, colocando no mesmo balaio sua invasão do país vizinho em 2022 e a crise atual, no usual contexto de confrontação global contra o Ocidente.
O episódio no sul da Rússia, disse, foi provocado por interferência via redes sociais. Uma turba invadiu o aeroporto da cidade para “caçar” judeus e israelenses que chegaram em um voo da companhia russa Red Wings, em um protesto contra a retaliação de Tel Aviv contra o grupo terrorista palestino Hamas.
As pessoas não deixaram a aeronave até que a polícia controlasse a situação, prendendo 60 pessoas. Segundo relatos na imprensa russa anteriores à fala de Putin, as pessoas foram ao aeroporto incentivadas por mensagens de grupos no Telegram que indicavam o horário de pouso do avião.
Mais cedo, o Kremlin havia falado em “influência externa” no evento, sem detalhar. Depois, a porta-voz do Ministério das Relações Exteriores, Maria Zakharova, afirmou que as evidências apontam que a Ucrânia está por trás da ação e, por fim, Putin deu sua versão.
Não foram apresentadas provas da acusação. No domingo, autoridades ucranianas haviam usado o episódio como um exemplo do que chamaram de brutalidade de Moscou. Kiev, bancada pelo Ocidente contra a invasão russa, apoia Israel na luta contra o Hamas.
Nesta segunda (30), o assessor presidencial Mikhailo Podoliak negou a acusação. O presidente ucraniano, Volodimir Zelenski, é judeu.
Os poucos voos que ligavam Israel aos aeródromos da cidade e de Mineralnie Vodi, também no muçulmano Norte do Cáucaso, passarão a ser desviados para outras localidades.
O incidente é um dos mais graves desde que o Hamas atacou Israel, no dia 7 passado, levando a uma guerra aberta contra a Faixa de Gaza, comandada desde 2007 pelos facção radical palestina.
Putin tem inserido o conflito em sua agenda mais ampla de embate com o Ocidente, criticando a proporcionalidade da reação israelense e recebendo, na semana passada, uma comitiva do Hamas para discutir o caso dos reféns russos em poder do grupo.
A comitiva deixou Moscou prometendo trabalhar pela libertação dos 8 russos identificados até aqui, entre os 250 reféns que o Hamas diz ter em seu poder 50 dos quais já teriam morrido em bombardeios israelenses.
A relação de Moscou com Tel Aviv é conturbada, mas próxima. Os países coordenam suas ações militares na Síria, ditadura aliada do Kremlin onde Putin tem tropas, e cerca de 15% dos quase 10 milhões de israelenses são russos ou de origem russa, a maior parte tendo emigrado após o fim da União Soviética, em 1991.
Putin também apoia o Irã, que é o fiador do Hamas e de outros grupos anti-Israel no Oriente Médio, como o Hezbollah libanês. O presidente russo chegou a ameaçar os porta-aviões americanos enviados para dissuadir Teerã de entrar na guerra com mísseis hipersônicos.
O incidente no Daguestão, pequena república com 3,2 milhões de habitantes, é um dos mais graves desde que atual guerra começou. Protestos e crimes, inclusive assassinatos, já ocorreram pelo mundo ligados à tensão provocada pela disputa entre palestinos e israelenses.
No caso russo, a situação ecoa também capítulos sombrios da história local. A palavra pogrom (uma contração do verbo destruir), que designa ataques a judeus, surgiu das campanhas antissemitas da década de 1880 no Império Russo, e depois foi ampliada para qualquer ação contra grupos étnicos definidos.
Ao longo da história soviética, são notórios os episódios de perseguição a líderes políticos e intelectuais judeus, que estiveram presentes na fundação do Estado comunista de forma tão forte que a propaganda nazista fazia a ligação direta entre judaísmo e bolchevismo.
Hoje, cerca de 5% dos 143 milhões de russos são muçulmanos, e há influência em hábitos cotidianos, como o consumo de tabaco em narguilés nos bares de Moscou mostra.
Por fim, há a questão da relação de Moscou com suas repúblicas de maioria muçulmana, marcada pelas duas guerras travadas contra separatistas da Tchetchênia, vizinha do Daguestão, e a infiltração de grupos jihadistas na região, controlada com mão de ferro por prepostos do Kremlin.
IGOR GIELOW / Folhapress