BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O presidente Lula (PT) fez um pedido à deputada Gleisi Hoffmann (PR) quando, ainda na transição, solicitou que ela permanecesse à frente do partido –ela era cotada para assumir um ministério na nova gestão. Lula disse a Gleisi que precisava que ela, na presidência do PT, adotasse opiniões e expusesse posições que muitas vezes quem está no governo não pode assumir.
Gleisi tem a função de liderar o enfrentamento a questões caras para o partido, como nas discussões de controle de gastos públicos, e em temas políticos mais sensíveis, seja sobre a relação entre Poderes ou mesmo sobre a guerra entre Israel e o Hamas.
Recentes declarações da presidente nacional do PT geraram ruídos com o mercado financeiro e com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), por exemplo. Mas isso está dentro do esperado por Lula, segundo aliados do petista.
É raro haver desentendimento entre Lula e Gleisi, afirmam integrantes do PT. Eles costumam pensar de forma alinhada e constantemente se falam para compartilhar suas visões e avaliações da política.
Como presidente, Lula evita se manifestar sobre temas mais espinhosos. Mesmo quando as opiniões de Gleisi geraram rusgas públicas, inclusive com agentes do mercado, Lula não fez desagravos, lembram petistas, que citam ainda a expressão “quem cala consente”.
Gleisi liderou a articulação política durante a transição de governo, no fim do ano passado. Figurou em listas de possíveis ministros de Lula. No fim, o petista não a escolheu.
“É muito importante manter o PT se organizando, manter o PT se fortalecendo, e tem outras pessoas que podem representá-la dignamente no governo, a começar pelo presidente da República. Então, o fato de eu ter dito para a Gleisi que ela não será ministra é o reconhecimento do papel que a Gleisi tem na organização política do PT no Brasil”, justificou Lula em dezembro.
A nomeação de Gleisi para algum ministério abriria uma disputa pelo comando do PT em sua maior corrente, a CNB (Construindo um Novo Brasil). Além disso, ela foi alvo de fogo amigo, já que petistas retomaram críticas à atuação da petista quando foi ministra da Casa Civil de Dilma Rousseff, de 2011 a 2014.
A presidente do PT então passou a assumir a função de verbalizar os interesses do projeto político do partido, mesmo que isso signifique críticas a alas do próprio governo Lula, especialmente na área econômica. O objetivo é manter a militância ativa, se opor ao bolsonarismo e preencher o vácuo político deixado por limitações de quem ocupa cargo no governo.
Na semana passada, em meio a investida de Pacheco contra o STF, Gleisi foi a público dizer que o presidente do Senado fazia um “serviço para a extrema direita”, ao se referir ao avanço no Senado de uma PEC (proposta de emenda à Constituição) que limita as decisões monocráticas e pedidos de vista (mais tempo para análise) nas cortes superiores.
Pacheco mobilizou uma ofensiva contra Supremo e fez acenos a parlamentares direitistas após o tribunal pôr em votação temas como marco temporal de terras indígenas, descriminalização das drogas e o aborto. Ele flertava com bolsonaristas do Senado e coube a Gleisi tentar marcar uma diferença em relação a esse movimento.
O receio de petistas e integrantes do governo era que a jogada de Pacheco fortaleceria o bolsonarismo, que tem se mostrado resiliente. Além disso, um posicionamento do Executivo de enfrentamento ao senador poderia gerar um embate institucional desnecessário, explicam petistas.
A deputada já foi forçada a se retratar de algumas declarações. Em setembro, após forte reação do presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Alexandre de Moraes, Gleisi voltou atrás e disse que não havia pedido o fim da Justiça Eleitoral em discurso dias antes –no qual havia sim questionado a sua existência.
Em outro episódio, no último dia 23, Gleisi declarou que o PT pode ter candidato próprio à presidência da Câmara em 2025. Até então, o partido não tinha se colocado na corrida, que tem uma disputa entre aliados do presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL).
O Palácio do Planalto sabe que precisa evitar a interferência política nessa eleição interna do Congresso. Se entrar na briga pela sucessão de Lira, o governo poderá ter mais ônus do que bônus.
Mas a presidente do PT precisou se posicionar na disputa pelo comando da Casa. O PT, que integra a segunda maior bancada da Câmara, não quer entrar nas negociações como um partido que já abriu mão do cargo. Gleisi, portanto, também deu uma cartada para elevar o passe da sigla.
Há duas semanas, diante de pressão sobre Lula no embate político acerca da guerra Israel-Hamas, o PT elevou o tom contra o governo israelense, e a presidente do partido disse que “justiça não se confunde com vingança”, após representante de Israel criticar posicionamento petista.
Mas é em relação ao mercado financeiro que Gleisi tem sido mais ativa como porta-voz do que pensam o PT e alguns representantes do governo.
Quando Lula verbalizou essas críticas, ainda na transição do governo, houve instabilidade e queixas sobre seu discurso. Em novembro passado, ele ironizou a reação negativa do mercado financeiro a suas críticas ao teto de gastos e à política de austeridade fiscal. Lula afirmou nunca ter visto mercado “tão sensível” como o brasileiro. Isso contribuiu para a queda da Bolsa de Valores e a alta do dólar naqueles dias.
Na sexta (27), Gleisi saiu em defesa de Lula e disse que o mercado teve “uma reação irracional” com a declaração do mandatário sobre a possibilidade de meta fiscal de 2024 não ser de déficit zero.
No mesmo dia, a presidente do PT criticou a pressão do centrão por mais cargos, verba e poder sobre as emendas parlamentares. Nas redes sociais, a deputada afirmou que o objetivo é apenas atender “interesses políticos insaciáveis”.
Apesar da postura crítica de Gleisi a alguns temas econômicos do governo, aliados dela dizem que o governo tem buscado construir consensos, como no caso da taxação de combustíveis, no início do mandato, e no arcabouço fiscal.
As ofensivas de Gleisi contra outros Poderes
Justiça Eleitoral não deve existir
Gleisi afirmou que o Brasil é um dos únicos países do mundo com Justiça Eleitoral, o que, segundo ela, “já é um absurdo”; Moraes a rebateu em nota, afirmando, sem citar o nome da parlamentar, que as manifestações são “errôneas e falsas”
Interesses insaciáveis do centrão
A presidente do PT afirmou ainda que o objetivo do centrão é atender “interesses políticos insaciáveis” com a pressão por mais cargos e emendas; disse ainda que o investimento nas verbas parlamentares é uma “intervenção indevida no Orçamento da União”
Gleisi x Pacheco
A deputada federal disse que o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG) está “fazendo um serviço para a extrema direita” com os projetos em ofensiva ao STF, e que eles não seriam um bom caminho; Pacheco a respondeu em nota e afirmou ser “um erro” tentar rotular as propostas como de esquerda ou de direita
THIAGO RESENDE / Folhapress