Entenda como os antidepressivos funcionam e como lidar com seus efeitos colaterais

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Em dezembro de 2021, Melina Nadale, 39, executiva do mercado financeiro, enfrentava crises ansiosas e depressivas manifestadas durante a pandemia da Covid-19.

Ela procurou um psiquiatra, que receitou um antidepressivo de fluoxetina, mas sofreu com os efeitos colaterais. “Eu tive muita náusea e falta de apetite. Também sentia algumas sudoreses, redução de libido e prisão de ventre. Foi assim até a oitava semana após o início do tratamento”, relata.

Para tentar lidar melhor com o medicamento, Nadale fez um diário em que anotava as sensações físicas e emocionais para depois reportá-las ao médico e à sua psicóloga. “Isso foi essencial para me acostumar com a medicação e com o tratamento no geral”, diz.

Durante uma consulta com o psiquiatra, ela pediu para testar o medicamento genérico, mas, além de mais efeitos colaterais, teve também duas crises de episódios depressivos.

Depois disso, ela e o médico decidiram trocar a medicação. “Tomo cloridrato de venlafaxina desde janeiro deste ano. Nas primeiras quatro semanas, também enfrentei os mesmos efeitos colaterais, mas com intensidade bem menor”, afirma.

Mais uma vez, Nadale colocou em prática o diário das sensações. “Foi bem importante para eu entender quando os efeitos se manifestavam. Aprendi que, no meu caso, é sempre melhor tomar o remédio de estômago cheio para não sentir tanto enjoo”, observa.

“Dois meses após o início do novo medicamento, os efeitos colaterais cessaram e fiquei bem adaptada. Já estou avaliando o desmame com o meu médico.”

A psiquiatra Tânia Corrêa de Toledo Ferraz Alves, diretora de unidades internação do IPq-HCFMUSP (Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP) e coordenadora do Departamento de Psicogeriatra da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), explica que é comum o paciente experimentar efeitos colaterais quando começa a tomar um antidepressivo. Essas manifestações, diz a médica, podem variar de acordo com o organismo de cada indivíduo e também com o tipo do remédio.

“Os medicamentos mais modernos, como os ISRSs (inibidores seletivos de recaptação de serotonina) e os duais ou ISRSNs (inibidores seletivos de recaptação de serotonina e de noradrenalina), têm poucos efeitos colaterais se comparados aos antidepressivos mais antigos, como os tricíclicos”, afirma Alves.

A serotonina e a noradrenalina são neurotransmissores que atuam na regulação do nosso humor. Os ISRSs e ISRSNs fazem com que essas substâncias fiquem mais tempo agindo na fenda sináptica, que é o espaço entre os neurônios. Desse modo, melhoram os sintomas de depressão e ansiedade.

Os efeitos mais comuns são enjoo, tontura, boca seca, constipação intestinal, visão turva, taquicardia, sudorese, tremores e alterações no apetite. Essas ocorrências duram de um a dois meses e, portanto, no início de tratamento, o médico vai avaliar a tolerabilidade do paciente.

“Algumas pessoas têm tolerância menor para se adaptar. Por isso, começamos com uma dose mais baixa e vamos aumentando gradualmente, até chegar na dosagem terapêutica” afirma a psiquiatra.

A neuropsicóloga Tammy Marchiori diz que náusea, dor de cabeça e insônia geralmente passam nas primeiras semanas. “No entanto, efeitos como ganho de peso ou disfunção sexual podem persistir. É muito importante que o paciente comunique qualquer sintoma ao psiquiatra. Ele poderá ajustar a dose, mudar de fármaco ou indicar outra medicação para gerenciar os efeitos específicos.”

Marchiori ressalta que fazer mudanças no estilo de vida, como manter uma dieta saudável, praticar exercícios, ioga e meditação, além de ajudar a enfrentar os efeitos colaterais, também é indispensável para superar a depressão e a ansiedade.

O mal-estar inicial provocado pelo uso de antidepressivos pode fazer com que o paciente acredite que o remédio está piorando o seu caso e queira abandonar o tratamento.

“É muito importante que o profissional oriente sobre o risco dessa sensação de piora inicial”, diz Alves. “Principalmente pessoas com depressão ansiosa ou transtorno de ansiedade podem perceber aumento de sintomas no começo do tratamento.”

A médica ressalta que, quando bem aconselhados sobre essa possibilidade, os pacientes costumam entender que a agitação vai durar poucos dias, por volta de 72 horas, e conseguem administrar essa fase. O uso pontual de benzodiazepínicos, que têm ação calmante, pode ajudar nesse período.

Essa orientação dada aos pacientes chama-se psicoeducação. É quando o médico explica como os antidepressivos agem, quais são os efeitos colaterais, por quanto tempo duram e quando ocorre a resposta terapêutica, ou seja, a melhora dos sintomas do transtorno. “A psicoeducação é fundamental para a adesão ao tratamento”, destaca Alves.

Também durante a consulta, é importante o paciente contar se já tomou remédios de uso psiquiátrico anteriormente e como se sentiu. Essa experiência vai ajudar o médico a escolher o antidepressivo mais adequado.

Outra estratégia para o sucesso do tratamento, conta a psiquiatra, é tentar tirar vantagem dos efeitos colaterais. “A gente consegue escolher um antidepressivo cujo efeito colateral ajude o paciente já no início. Por exemplo, receitar um medicamento mais ativador para alguém que está dormindo muito. Ou um remédio mais sedativo para quem está com insônia.”

O horário de tomar o fármaco também pode influenciar na adaptação. “Algumas medicações, como a mirtazapina, podem dar sono. Então o indicado é tomar à noite. A bupropiona gera uma ativação, é recomendada para a manhã. Já os ISRSs e duais podem dar sono ou não. Nesses casos, pergunto ao paciente o que ele prefere: um dia mais sonolento ou uma noite de insônia. Aí testamos a reação. Se começamos de manhã e ele ficou sonolento, passamos para noite e vice-versa”, explica a médica.

Um efeito colateral que exige a suspensão da medicação é a síndrome serotoninérgica, que ocorre quando há excesso de serotonina no sistema nervoso central. Os sintomas são agitação, tremores, confusão mental e aumento da frequência cardíaca, da temperatura corporal e da pressão arterial. “É raro, mas pode ser causada pelos antidepressivos ISRSs e duais”, conclui Alves.

Outra manifestação que requer a retirada do medicamento é a farmacodermia, uma reação alérgica que causa manchas e bolhas pelo corpo.

Nessas situações, o médico vai substituir o antidepressivo por outro que aja de forma diferente no organismo.

*ENTENDA COMO OS ANTIDEPRESSIVOS FUNCIONAM*

Os antidepressivos, além da depressão, tratam transtornos de ansiedade, TOC (transtorno obsessivo-compulsivo), pânico, estresse pós-traumático, entre outras condições.

O uso desses medicamentos permite a redução dos sintomas, ou seja, a resposta terapêutica. Com a evolução dos fármacos nas últimas décadas, atualmente espera-se a remissão completa dos sintomas e que o paciente mantenha essa recuperação após o tratamento.

Os antidepressivos disponíveis no mercado atuam no sistema monoaminérgico, em que agem as monoaminas dopamina, noradrenalina e a serotonina —substâncias bioquímicas que funcionam como neurotransmissores.

Antidepressivos tricíclicos

Os antidepressivos tricíclicos (ADTs) surgiram na década de 1950. São utilizados até hoje, mas costumam provocar muitos efeitos colaterais, como arritmia cardíaca, prisão de ventre, retenção urinária, ganho de peso, boca seca e tontura.

Medicamentos: imipramina, amitriptilina, clomipramina e nortriptilina.

Inibidores seletivos da recaptação de serotonina

Os inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRSs) foram desenvolvidos na década de 1980. Atualmente, são os mais utilizados e considerados primeira linha de tratamento por terem bons resultados e poucos efeitos colaterais. Mesmo assim, alguns pacientes sentem náusea, problemas intestinais, dor de cabeça, insônia e redução da libido.

“O surgimento da fluoxetina acaba modificando bastante o tratamento. Porque com os tricíclicos, a gente tinha que começar com uma dose baixa, de 25 mg, e ir subindo até a dose terapêutica, de 150 mg, o que levava semanas. Mas a fluoxetina já se inicia na dose terapêutica, de 10 mg, 20 mg”, diz a psiquiatra Tânia Corrêa de Toledo Ferraz Alves.

Medicamentos: fluoxetina, sertralina, citalopram, escitalopram, paroxetina e fluvoxamina.

Inibidores seletivos de recaptação de serotonina e noradrenalina

Os inibidores seletivos da recaptação da serotonina e da noradrenalina (ISRSNs), também chamados de duais, atuam como os ISRSs: fazem com que essas substâncias fiquem mais tempo agindo na fenda sináptica, que é o espaço entre os neurônios. Desse modo, melhoram os sintomas de depressão e ansiedade. Têm efeitos semelhantes aos ISRS, mas podem aumentar a pressão arterial e a frequência cardíaca.

Medicamentos: venlafaxina, desvenlafaxina e duloxetina.

Antidepressivos tetracíclicos e unicíclicos

São chamados também de atípicos, não sendo a primeira linha de tratamento. São indicados para condições mais específicas. “A mirtazapina é uma medicação com efeito mais sedativo, muito interessante para os idosos. A bupropiona tem efeito sobre compulsão, ajuda a tratar o tabagismo, por exemplo”, explica Alves. Podem causar sonolência, tontura, boca seca, constipação e ganho de peso.

Medicamentos: mirtazapina e bupropiona.

Inibidores da monoaminoxidase

Os inibidores da monoaminoxidase (IMAO) surgiram na década de 1950 e quase não são mais utilizados devido a toxidade e interações medicamentosas, que podem levar à morte. Além disso, também podem causar queda de pressão, ganho de peso e disfunção sexual. No entanto, ainda são uma opção para os pacientes que não respondem a outros antidepressivos.

Medicamentos: tranilcipromina e selegilina (mais usada para Parkinson).

Moduladores dos receptores 5-HT2

Também chamados de multimodais, atuam em receptores de serotonina e têm efeito sobre a atenção. Podem causar enjoo e tontura.

Medicamentos: trazodona, nefazodona e vortioxetina.

SÍLVIA HAIDAR / Folhapress

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