MANAUS, AM (FOLHAPRESS) – A Justiça Federal no Pará afirmou que o prefeito de São Félix do Xingu (PA), João Cleber de Souza Torres (MDB), propaga fake news, despreza decisões judiciais e tem “comportamento violador da boa-fé” ao incentivar a permanência de invasores na Terra Indígena Apyterewa, a mais desmatada do país.
O prazo para saída voluntária de invasores, estabelecido pelo governo federal, se encerra nesta terça-feira (31). Uma operação de desintrusão está em curso desde o dia 2.
Em decisão no último dia 24, o juiz federal Claudio Cavalcantes, que atua na Vara Federal em Redenção (PA), determinou que o prefeito seja multado em R$ 100 mil por vídeo que venha a ser publicado com posição contrária à retirada dos invasores ou com incentivo à resistência por parte desses posseiros.
A Procuradoria-Geral do município nega as acusações e afirma que o prefeito não incentivou o desrespeito da decisão judicial.
A decisão da Justiça também proíbe o prefeito de ingressar na terra indígena durante a operação de desintrusão e de fazer reuniões com lideranças para discutir formas de resistência às ações, sob pena de multa de R$ 100 mil.
Em razão da postura do prefeito, o MPF (Ministério Público Federal) pediu o afastamento dele do cargo. A medida não foi descartada pela Justiça e será analisada em caso de descumprimento das determinações referentes a vídeos, ingressos no território e reuniões.
A decisão se estende a “qualquer outro servidor municipal” de São Félix do Xingu.
“O vídeo juntado pelo MPF demonstra que o prefeito tem usado as redes sociais para veicular fake news e incentivar a população a resistir ao procedimento de reintegração de posse da terra Apyterewa”, cita a decisão judicial.
“No vídeo juntado aos autos, João Cleber afirma que a operação foi suspensa. Tal notícia é falsa (fake news), visto que informação demonstra que a operação está em andamento”, prossegue o juiz.
A desintrusão da terra indígena, a cargo do governo federal, cumpre decisões judiciais. A operação foi validada pelo STF (Supremo Tribunal Federal) e “não cabe mais discussão sobre sua legalidade e obrigatoriedade de execução”, diz o magistrado.
Procurador-geral do município de São Félix do Xingu, Walter Wendell da Costa afirma que o prefeito não incentivou em nenhum momento o desrespeito de decisão judicial. “Quando publicou o vídeo, ele deixou claro que luta pelas famílias de boa-fé. O certo seria as famílias serem indenizadas.”
Segundo o procurador, o prefeito recebeu telefonemas sobre o que seria uma suspensão da operação, a partir de reuniões em Brasília. “Ele nunca quis violar o cumprimento da ordem judicial. A reunião que teve lá não foi o prefeito ou a prefeitura que promoveu, foi uma comissão da Assembleia Legislativa do Pará. Eles foram verificar abuso de autoridade.”
A retirada de milhares de invasores do território enfrenta resistência por parte de políticos como o prefeito de São Félix do Xingu, parlamentares e integrantes do governo do Pará. Eles pressionam o governo Lula (PT) para interromper as ações em curso.
Reportagem da Folha de S.Paulo publicada no último dia 25 mostra que, segundo as denúncias apresentadas pelo MPF (Ministério Público Federal) à Justiça Federal, entre os grandes invasores do território com estabelecimento de fazendas e comercialização de milhares de cabeças de gado, estão uma ex-vice-prefeita de São Félix do Xingu e um técnico que já chefiou uma unidade da Emater (Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural) do Pará.
De acordo com o MPF, também estão no território grandes criadores de gado, fornecedores diretos de bovinos para os maiores frigoríficos do país. O fornecimento foi feito a partir de fazendas na terra indígena, conforme as denúncias.
Ao todo, 31 ações criminais e 17 ações civis públicas detalham a suposta criação e a venda ilegal de gado por fazendas instaladas na terra indígena, sem as licenças devidas, um negócio que movimentou 48,8 mil cabeças de gado.
O governo federal, diante da resistência de invasores, estabeleceu um prazo para a saída voluntária, com bens e gado. Este prazo se encerra nesta terça.
Desde o dia 2, o governo federal promove ações para retirada de invasores das terras indígenas Apyterewa e Trincheira Bacajá, no Pará. Para isso, uma força-tarefa tenta pôr fim a uma vila que surgiu no primeiro território, com igrejas, bares, restaurantes, posto de gasolina e hotel.
O movimento de resistência à desintrusão tenta apagar a existência dos mais de 700 indígenas parakanãs que vivem na terra Apyterewa, onde invasores já derrubaram mais de 100 mil hectares de floresta amazônica. Mais de 70 mil hectares viraram pastagem, segundo dado citado nas denúncias do MPF.
“A evolução do desmatamento está diretamente relacionada à grilagem de terras e à pecuária extensiva”, afirmaram os procuradores da República.
Um cadastro dos posseiros vem sendo feito por equipes do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária). A desintrusão está prevista para durar 90 dias, com permanência de ações para evitar o retorno de invasores.
VINICIUS SASSINE / Folhapress