‘Fazer o bem dá lucro’, diz criador do Rock in Rio, com planos para incluir sertanejo

RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – Certa noite, Roberto Medina, ainda na adolescência, acordou com uma confusão em sua casa. “Tinha uns 16, 17 anos. Quando acordei, tinha um monte de soldados no meu quarto. Logo em seguida, vi meu pai e meu irmão, com vendas nos olhos, entrando num jipe do Exército”, conta o empresário. “Aquilo foi extremamente traumático. Meu pai voltou quase morto no dia seguinte, meu irmão ficou sumido um mês”.

Sentado na sala da mesma casa, num condomínio na Barra da Tijuca, onde idealizou o Rock in Rio há 40 anos, falando sobre as novidades da edição de 2024 do evento e por reflexões sobre o Brasil e o capitalismo, Medina ressalta que nunca quis usar aquele episódio como bandeira.

Mas diz que, em alguma medida, aquela noite foi definitiva para o nascimento do festival. “Aquilo me revoltou”, diz ele, se referindo à prisão arbitrária do pai, o empresário e produtor cultural Abraham Medina, e de seu irmão, o ex-deputado Rubem Medina, ambos críticos à ditadura militar.

“Era uma demanda emocional grande minha e, naquele momento da redemocratização [a primeira edição é de 1985, mesmo ano do fim da ditadura], talvez tenha me dado mais força para eu defender o que eu estava fazendo”, explica.

Declarando-se “visceralmente um democrata”, Medina pensa o festival a partir da ideia de um mundo que mira na superação das diferenças. Em 2024, uma demonstração disso será a estreia da Global Village.

A área será um ambiente gigantesco no qual os seis continentes estarão representados no cenário. No centro, um palco que remete ao Theatro Municipal do Rio, simbolizando o que ele identifica como uma vocação do Brasil pela união e paz. “Quero botar bandas israelenses e palestinas ali”.

Politicamente, Medina prefere não se alinhar nem à esquerda nem à direita —ainda que, em 2018, tenha colaborado brevemente com a campanha de Jair Bolsonaro. “O que tento passar nas coisas que faço é que não há solução se não houver conversa. Por que você não pode absorver a capacidade de gestão que a direita tem e a cabeça brilhante e aberta da esquerda?”

Os governos de Fernando Henrique Cardoso e o primeiro mandato de Lula, na avaliação de Medina, trouxeram estabilidade econômica e institucional ao país. “Depois a gente perdeu o rumo, mas agora retomamos o caminho da democracia, vamos reconstruir o Brasil”, afirma.

“O governo já está tomando providências na cultura, a Lei Rouanet começando a funcionar. Não tenho nenhum incentivo fiscal, nem no Rock in Rio nem no The Town [evento que estreou neste ano, em São Paulo]. Mas é muito legal que exista. A gente tem que apoiar muito a cultura, que é a identidade de um povo”.

Espécie de primo paulistano do Rock in Rio, o The Town, que teve sua primeira edição este ano, foi bem avaliado na pesquisa de satisfação feita pelos organizadores. Porém, teve problemas relacionados à lotação, que dificultaram a circulação do público, e receberá ajustes para 2025.

“A obra atrasou, e o espaço entregue foi menor do que o que havia sido planejado”, conta Medina. “Para a próxima edição, ou aumentaremos o espaço, ou diminuiremos o público”.

A ideia de democracia de Medina permeia também a programação. Ele lembra que desde o início a ideia do festival era ser “de todas as tribos para todas as gerações”. “É uma lenda dizer que tinha mais rock antes. Porque tinha metal, jazz, country, axé… Nunca foi só rock”, afirma.

A entrada de gêneros como o funk e o trap no festival nos últimos anos suscita a abertura para outras frentes ainda inexploradas ali, como o sertanejo de artistas como Luan Santana. “Estou num namoro [com o cantor], ainda sem certezas. Luan Santana vejo como uma mistura de pop com sertanejo. Claro que muita gente não vai gostar, vai falar: ‘Eu não vou!’. Tá bom”, diz, dando de ombros.

Ludmilla, por ora, é a única artista confirmada para a próxima edição. “O line-up não tem como não ser o esperado”, diz, ao ser perguntado sobre possíveis atrações. “Porque preciso de um artista que leve público para um festival desse tamanho. Quantos desses existem no mundo? Não chega a 30.”

O valor do ingresso —que em 2022 foi de R$ 625 por dia— pode representar uma barreira a esses ideais democráticos. Medina tem consciência disso, mas argumenta que não poderia cobrar menos sem que isso gerasse algum impacto no festival, fosse na segurança, na quantidade de banheiros ou no número de atrações.

“Encontrei uma professora que guiava um grupo de brasileiros na Disney. Ela veio falar comigo: ‘Estou aqui para fazer dinheiro porque sou professora e não tenho como levar as duas filhas no Rock in Rio, só uma’. Ela estava trabalhando para levar a outra”, diz Medina.

“Portanto, tenho o sentimento muito claro de que tenho que baixar o valor o máximo que consigo baixar. Mas se você olhar os congêneres, eles são muito mais caros com uma entrega menor”.

O empresário critica o que chama de “capitalismo extrativista”, que se preocupa apenas em acumular sem observar a injustiça social. “Meu pai era um mecenas, um benfeitor, e dizia: ‘Se a minha cidade for bem, eu vou bem’. Aquilo ficou na minha vida”, lembra. Abraham Medina foi responsável por eventos como o show de Ray Charles no Rio em 1963 e doou à cidade a estátua de Bellini, famoso monumento em frente ao Maracanã.

“É burrice do capitalista extrativista não entender que vai ser melhor para ele que as pessoas que hoje passam fome melhorem de vida e se tornem consumidores”, acredita Medina. “Fazer o bem dá lucro, antes de mais nada. Ou seja, mesmo na lógica puramente do lucro, que não gosto, é melhor ajudar”.

Como será o Rock in Rio em celebração aos 40 anos, está prevista uma série de ações especiais. Primeiro, o evento será homenageado durante o Réveillon de Copacabana, além de ganhar uma exposição e um musical, ambos passando por Rio e São Paulo.

Na exposição, será contada a história do evento e será feita uma projeção de como ele será em 2034, com direito a carros voadores e identificação biométrica facial na entrada. Uma ação prevê que todo dia o festival —palco, lojas, som— pare completamente por três minutos para uma reflexão sobre os males do volume de informação que nos chega via telas, fones e caixas de som.

O palco Sunset —mais aberto a experiências, sobretudo valorizando artistas brasileiros na curadoria de Zé Ricardo, responsável pelo espaço— ganha novo status. Pela primeira vez, sua boca de cena terá as mesmas medidas das do palco Mundo, o principal.

Medina defende, porém, que a mítica do festival está acima de suas atrações. “Costumo dizer que uma roda-gigante na Disney é mágica, mas se você tirá-la dali e levá-la para outro lugar, é só um brinquedo comum.” A mítica tem a ver, acredita ele, com a experiência que proporciona ao público e, por isso, faz ajustes a cada edição.

LEONARDO LICHOTE / Folhapress

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