Acervo do Museu de Arte da Pampulha ganha olhar decolonial em exposição

BELO HORIZONTE, MG (FOLHAPRESS) – Cenas de um casamento recebem quem visita a Casa Fiat de Cultura, em Belo Horizonte. Um casal negro aparece posando para fotografias na frente de uma Brasília amarela, na entrada e no auditório do Museu de Arte da Pampulha, o MAP.

Trata-se do registro da obra-acontecimento “Casamento de Antônio”, de 2019, em que o artista Paulo Nazareth fez do museu o espaço para uma cerimônia de verdade.

O gesto, na realidade, também é o apontamento crítico para um fato que marcou o lugar. O prédio, projetado por Oscar Niemeyer para ser o Cassino da Pampulha, acolheu cerimônias da elite em diferentes momentos de sua história. Como uma resposta ao viés segregador, o trabalho insere no presente uma revisão do passado.

Este olhar questionador orienta a exposição “Arte Brasileira: A Coleção do MAP na Casa Fiat de Cultura”, com cerca de 200 obras, em diferentes suportes, de artistas que vão do modernismo à arte contemporânea. A mostra, dentro das comemorações dos 80 anos do conjunto moderno da Pampulha, é a maior montagem já feita fora do museu, que está fechado para reformas desde 2019.

Para seleção no acervo estimado em 1400 peças, o curador da exposição, Marcelo Campos, fez recortes representativos e também privilegiou a produção de mulheres, artistas negras e negros e arte popular, organizando-os por núcleos ou afinidades estéticas.

Entre os núcleos, uma entrada pelo modernismo conduz o espectador por trabalhos em nanquim sobre papel de Burle Marx; xilogravuras de Goeldi e uma serigrafia de Mary Vieira, “Croisement de Directions Opposées”, de 1975, na qual pequenas linhas verdes flutuam sobre um fundo azul.

Candido Portinari integra a seleção com a tela “Os Acrobatas”, de 1958, pintura em tons de amarelo limão, azul e laranja que representa a figura lúdica de meninos plantando bananeira sobre um fundo geométrico.

O modernismo, do qual a Pampulha é expoente arquitetônico, ainda está presente em uma série de fotografias em preto e branco de Marcel Gautherot. O artista francês radicado no Brasil registrou os “anos dourados” do conjunto moderno inaugurado em 1943 pelo então prefeito Juscelino Kubitschek.

JK, por sua vez, retorna nos braços do povo na fotografia “Alegres Bons Companheiros”, de 1999, da série “Imagens de Chocolate”, de Vik Muniz. Enquanto a capital do país surge, entre massas brancas e monolíticas de prédios que contrastam com o chão laranja e o horizonte azul do cerrado, no desenho “Brasília”, de 1978, de Cildo Meireles.

No entanto, mostrar uma leitura decolonial da coleção foi uma escolha da curadoria assinada junto com Priscila Freire, ex-diretora do MAP nos anos 2000.

Segundo eles, isso foi possível devido à dimensão de vanguarda do acervo –que conta com obras premiadas em salões de arte da prefeitura, além de produções de ex-participantes do programa de residência artística Bolsa Pampulha.

É o caso da série de pinturas “Luz Negra”, de Jorge dos Anjos, com forte presença da cor e representações de símbolos adinkra, figuras estilizadas de origem africana. E também da obra “Rearmar a Natureza”, de 2022, uma flecha de ferro e borracha de quase três metros de altura, da artista Luana Vitra.

Perto deles, serigrafias do artista Rubem Valentim com ideogramas a partir de ferramentas, signos africanos e afro-brasileiros dialogam com três coloridas esculturas em cerâmica, de Antônio Poteiro, considerado um dos mais representativos criadores da arte naïf nacional.

Campos ressalta que a vizinhança entre as obras visa superar divisões como o registro erudito ou popular –o desejo da exposição, segundo ele, é “horizontalizar a arte”. A exploração cromática, por exemplo, é um eixo nesse sentido.

“A cor foi muito rechaçada pela arte erudita no Brasil. Uma escultura não podia ser colorida porque isso estava ligado ao popular, ela tinha que ter a verdade do material. Então, com esse diálogo, o trauma das cores pode ser superado”, afirma.

Figurações da paisagem mineira estendem a conversa entre dois grandes representantes da arte no estado: Alberto da Veiga Guignard e Amadeo Luciano Lorenzato, artistas que produziram quase na mesma época, mas com pouco contato.

“Noite de São João”, de 1961, de Guignard, traz elementos das festas juninas, como balões que sobem entre montanhas atravessadas por um trem de ferro e coroadas por igrejas envolvidas na atmosfera brumosa.

Já em “Árvore II”, de 1970, de Lorenzato, casas coloridas despontam em meio à vegetação, revelando a técnica pictórica original do artista, que raspava a superfície da tela com um pente para criar texturas e sugerir movimento ao olhar.

Um presépio, de aproximadamente 300 peças em cerâmica do Vale do Jequitinhonha, fecha a exposição. As obras pertencem ao acervo do MAP desde a década de 1970, mas nunca haviam sido expostas.

Para Marcelo Campos, “talvez uma outra leitura da arte contemporânea não olhasse para o presépio, mas ele é como o lugar materializado da proposta de trazer a cultura popular para o diálogo”, diz.

O jornalista viajou a convite da Casa Fiat de Cultura

ARTE BRASILEIRA: A COLEÇÃO DO MAP NA CASA FIAT DE CULTURA

Quando: Ter. a sex., das 10h às 21h; sáb. e dom., das 10h às 18h. Até 4/2

Onde: Casa Fiat de Cultura – Praça da Liberdade, 10, Belo Horizonte

Preço: Grátis

JOÃO RABELO / Folhapress

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