SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Olhando de fora, um prédio não parece poluente. Não solta fumaça, não faz barulho, não se movimenta. Mas, considerando que boa parte dos edifícios é basicamente um enorme bloco de concreto consumindo energia 24 horas por dia, dá para entender a pegada ambiental.
A escala do impacto é que assusta. O setor imobiliário, considerando todo o ecossistema que o envolve, é responsável por 42% das emissões de carbono relacionadas à energia. É mais do que a indústria emite e quase o dobro dos gases de efeito estufa dos transportes.
Parte considerável do carbono (cerca de 70%) vem da própria operação dos prédios, principalmente da energia que abastece elevadores, aquecedores e sistemas de ar-condicionado. O restante das emissões vem da construção, com peso desproporcional para cimento e aço.
Os dados foram coletados pela iniciativa Architecture 2030 a partir de relatórios da Agência Internacional de Energia e da plataforma Statista.
Diante da pressão climática vinda de governos, sociedade e investidores, o setor imobiliário vem trabalhando formas de financiar a sua virada verde. O assunto é ainda mais importante considerando a expansão prevista para o setor imobiliário e de infraestrutura nos próximos anos.
Com a expectativa de crescimento populacional e maior urbanização, a construção de novos empreendimentos deve seguir uma linha ascendente.
Até 2060, é esperado que o mundo adicione 241 bilhões de metros quadrados à atual área construída, o que equivale a criar uma Nova York inteira todo mês, pelos próximos 37 anos, segundo a Architecture 2030.
De olho num sucesso inevitável de um mercado imobiliário verde, a Áurea Finvest, empresa de investimento dedicada ao setor, fez uma parceria recente com o MIT (Massachusetts Institute of Technology) para criar o primeiro fundo brasileiro com foco na descarbonização do segmento.
A tese, segundo Diogo Castro e Silva, sócio da Áurea Finvest, é investir em startups que possuam tecnologias para reduzir a pegada ambiental e melhorar a resiliência climática do setor de construção civil.
Metade dos recursos captados, cerca de US$ 20 milhões (R$ 101 milhões), será alocada em startups em etapas iniciais. O saldo vai para startups mais promissoras.
“É incontornável que os governos não vão conseguir cumprir qualquer meta climática sem tocar no setor imobiliário, seja impondo novos códigos de construção ou, de algum jeito, incentivando e forçando o retrofit [modernização] de ativos antigos”, afirma Silva.
O executivo, que foi CEO do Fosun na América Latina –grupo chinês que é dono dos Club Meds– destaca que o impacto substancial do setor vem de ativos residenciais e comerciais, como aeroportos, shoppings e escritórios.
“O próprio mercado está empurrando as empresas que operam ativos a fazerem mudanças. Por exemplo, se você tiver um prédio de escritórios mais antigo em São Paulo, você já não consegue alugar para uma multinacional estrangeira. Amanhã também não vai conseguir alugar para uma companhia aberta brasileira, porque os investidores exigem que elas estejam em edifícios que já são eficientes em termos de energia”, diz.
Segundo ele, companhias americanas e europeias já exigem que suas filiais brasileiras tenham certificações sustentáveis como o Leed, selo que analisa desde o acesso a meios de transporte público até materiais utilizados na obra e eficiência no uso de água e energia.
Silva, que é nascido em Portugal e mora há 14 anos no Brasil, diz que já há uma movimentação na União Europeia e nos EUA em termos de regulação.
Na UE, por exemplo, o parlamento aprovou uma lei que proíbe venda, compra ou aluguel de ativos comerciais que tenham certificação energética F ou G (as mais baixas da escala). “Isso é para obrigar os proprietários a ‘retrofitar’.”
Além da questão ambiental, o executivo ainda destaca um “outro lado da moeda”. Como muitos ativos imobiliários são detidos por investidores, haverá desvalorização do portfólio se nada for feito para adaptar os edifícios a exigências sustentáveis.
Isso impacta não só a rentabilidade, mas até mesmo o sistema de garantias. “Lá na frente isso pode ter efeito até na carteira de créditos dos bancos”, afirma, citando como exemplo hipotético uma instituição que aceitou um ativo imobiliário como garantia de empréstimo acreditando que ele valia mais do que de fato vale.
Silva diz que a virada verde do setor deve entrar forte na pauta climática, principalmente porque a COP 28 (conferência climática da ONU que ocorre este ano) será em Dubai, país que tem basicamente dois setores: petróleo e construção.
Como não existe “petróleo verde”, diz, o país deve apostar em seus cases imobiliários.
“Dubai é uma bolha de cimento no meio do deserto e vai colocar muito enfoque nisso, exatamente pela importância do setor para eles e para a questão climática”, afirma.
O executivo disse ter ido a um encontro recente com um diretor da Emaar, maior construtora do Dubai, que mostrou como a companhia está usando 25% menos concreto do que usava há dez anos.
O número sozinho pode não parecer tão expressivo, mas o impacto é grande. Depois da água, o concreto é a substância mais consumida em todo o mundo, e possui uma densa pegada ambiental.
O concreto é basicamente feito de água, areia e brita, que ganham liga com acréscimo de cimento. É este último elemento que desbalanceia a equação.
A indústria do cimento é responsável por cerca de 8% das emissões de carbono do mundo. Os alto-fornos usados na fabricação precisam ser aquecidos a temperaturas altíssimas (acima de 1.400 ºC), abastecidos geralmente com carvão ou gás natural.
Reduzir a intensidade de concreto nos empreendimentos, diz Silva, é um grande passo para descarbonizar o setor imobiliário –e o Brasil tem potencial nessa frente.
“Um exemplo onde o Brasil pode dar as cartas é a questão da madeira engenheirada, que é algo interessante, porque o Brasil sabe fazer floresta industrial, tem área para plantar”, diz.
Financiar as empresas que vão desenvolver os materiais que serão usados nesta transição é um dos objetivos da Áurea Finvest.
“Há um grande potencial de trazer uma agenda positiva de sustentabilidade dentro do setor”, diz. “Na verdade, descarbonizar traz um ganho econômico, porque se eu sou proprietário de um prédio mais eficiente, é grana no bolso. Se eu conseguir construir usando menos cimento e concreto, muitas vezes também é grana no bolso.”
THIAGO BETHÔNICO / Folhapress