SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O Ocidente age com parcialidade ao fazer vista grossa às violações cometidas por Israel contra os palestinos enquanto pune a Rússia pela invasão da Ucrânia. É o que afirma o ativista palestino Omar Barghouti, cofundador do BDS, movimento que promove campanhas de boicote, desinvestimento e sanções contra Tel Aviv.
“A hipocrisia ocidental nunca esteve tão evidente. Estados Unidos, Reino Unido e União Europeia dão apoio ao genocídio de Israel em Gaza, enquanto se apressam em defender a Ucrânia contra a invasão ilegal promovida pela Rússia”, afirma.
Para o ativista, o Ocidente age como se as leis internacionais só valessem para os seus oponentes e faz valer a “lei da selva” quando seus interesses estão em jogo. “Isso é antiético e tem efeitos desastrosos para a humanidade”, diz.
Ganhador do prêmio Gandhi Peace Award em 2017, Barghouti vê o Ocidente cada vez mais isolado diante do que considera uma clara mudança na opinião pública mundial em favor dos direitos dos palestinos.
Para ele, esse isolamento ficou visível na votação da Assembleia-Geral das Nações Unidas, que aprovou, por 120 votos a 14, uma resolução recomendando uma trégua humanitária em Gaza no final de outubro o Brasil votou a favor do texto, enquanto Israel e EUA votaram contra.
O ativista afirma que essa mudança na opinião pública é resultado das manifestações pró-Palestina registradas em vários países nas últimas semanas. Ele menciona as ações de grupos de judeus progressistas nos EUA, que ocuparam o Capitólio, em Washington, e a estação Grand Central, em Nova York, para pedir um cessar-fogo.
Barghouti diz que não vê um conflito entre palestinos e judeus. “A única dicotomia que vemos aqui é entre aqueles que apoiam a liberdade, justiça e igualdade para todos, e aqueles que apoiam a manutenção do regime de colonização e apartheid de Israel”, diz.
Questionado sobre os ataques do Hamas em 7 de outubro, ele responde citando uma declaração do educador brasileiro Paulo Freire. “Ele escreveu: ‘Com o estabelecimento de uma relação de opressão, a violência já começou. Nunca na história a violência foi iniciada pelos oprimidos”, afirma. “A reação dos oprimidos é sempre apenas isso, uma reação à violência inicial do opressor, independentemente de ela ser considerada legal ou eticamente justificável.”
O ativista diz acreditar que os palestinos têm direito de resistir às ações de Israel. Mas “atacar civis é proibido, tanto para o opressor quanto para o oprimido mesmo considerando o desequilíbrio de poder e a assimetria moral entre os dois”, diz. “Para acabar com toda a violência, é preciso acabar com o sistema de opressão mantido por Israel e todas as formas de cumplicidade.”
O movimento que Barghouti ajudou a fundar em 2005 pede o fim da ocupação militar de Israel nos territórios palestinos; o desmantelamento do que organizações de direitos humanos como a Anistia Internacional consideram um sistema de apartheid; e o respeito ao direito dos refugiados palestinos de retornarem às suas terras.
“Como a luta que pôs fim ao apartheid na África do Sul mostrou, acabar com a cumplicidade estatal, corporativa e institucional no sistema de opressão de Israel, especialmente por meio das táticas não violentas do BDS, é a forma mais ética e estratégica de solidariedade internacional para acabar com a opressão e a violência”, afirma.
Para Barghouti, as ações em defesa dos direitos dos palestinos têm repercussões globais. Ele lembra que as tecnologias militares testadas nos palestinos, como programas de vigilância, são importantes produtos de exportação de Israel.
A Polícia Federal suspeita que a Abin (Agência Brasileira de Inteligência) tenha, sob o governo Jair Bolsonaro, usado o spyware israelense FirstMile para monitorar dados de localização de celulares de cerca de 1.800 opositores do governo, além de juízes e jornalistas.
“Israel é um parceiro-chave de grupos de extrema direita no Ocidente e de regimes autoritários e despóticos, da Índia a Mianmar, dos Emirados Árabes Unidos a vários estados africanos”, afirma Barghouti. “Acabar com a cumplicidade internacional no regime de opressão de Israel serviria também às lutas globais por justiça social.”
DANIE AVELAR / Folhapress