SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Atrasadas em três anos em relação à promessa inicial da Prefeitura de São Paulo, as obras de enterramento dos fios elétricos da capital esbarraram no alto custo e no mapeamento incorreto do subsolo paulistano nas últimas três gestões municipais.
Em meio à cobrança por rapidez nas reformas, após a tempestade que afetou o fornecimento de energia em 4,2 milhões domicílios em todo o estado, a experiência prática mostra que o enterramento não é uma solução infalível contra os blecautes.
A cidade tem a meta de aterrar os fios num total de 80,4 quilômetros de vias da cidade, segundo a TelComp (associação de companhias de telecomunicação), que é uma das entidades que coordena o programa São Paulo Sem Fios. O custo total do projeto, que cobre menos de 1% das vias da capital, é estimado em R$ 310 milhões.
Cerca de metade desse total, ou aproximadamente R$ 160 milhões, já foram gastos no programa, segundo a associação. Segundo a prefeitura, foram enterrados fios em pouco mais de 38 quilômetros -em outros quatro quilômetros, há obras em andamento.
O tempo reduzido de obras permitido pela gestão municipal (normalmente, o serviço só pode ser realizado das 21h às 5h para não atrapalhar o trânsito), a falta de informações atualizadas sobre o que já está no subsolo, acidentes causados pelo mapeamento mal feito e até interrupções causadas pela reclamação de moradores são citados como justificativa para o ritmo lento das obras.
“A gente não tem o mapeamento correto porque foi ele implantada na década de 1980, e onde tinha uma curva, por exemplo, já não tem mais, surgiu uma árvore. As obras são feitas quase que artesanalmente, com pessoas quebrando a picareta e abrindo a vala na mão”, diz o presidente da TelComp, Luiz Henrique Barbosa da Silva.
Embora seja uma prevenção contra a queda de árvores na fiação elétrica -principal motivo dos apagões no feriado-, o enterramento não é garantia do fim dos apagões.
Um exemplo é a região no entorno do Museu do Ipiranga, na zona sul da capital paulista, na qual parte da fiação está embaixo da terra.
Na avenida Nazaré, onde o cabeamento elétrico está abaixo do canteiro central, comerciantes ficaram sem luz das 16h30 de sexta (3) até o início da madrugada de domingo (5). “Perdemos R$ 20 mil só de mercadorias, entre sorvete e picanha foi tudo”, conta o gerente de restaurante Valacir da Silva, 58. “Liguei para 20 empresas de geradores, mas já estavam todos alugados.”
No hotel em frente ao parque da Independência, clientes cancelaram reservas, deixando prejuízo de R$ 10 mil, segundo o gerente João Carlos Chicarelli, 58. “Os fios são enterrados aqui, mas faltou luz do mesmo jeito.”
Arborizado, o bairro teve diversas das suas árvores arrancadas pelo vendaval. Nas vias no entorno da Nazaré, cuja fiação é aérea, o apagão durou até as 11h desta terça (7).
Na rua Padre Marchetti, um hospital municipal ficou sem energia até poucas horas antes da visita da reportagem nesta terça, contaram funcionários. Geradores mantiveram os serviços essenciais.
No mesmo endereço, Divino Rocha, 66, levou a mercadoria para o bar do irmão, que tinha luz e fica perto. “Era ruim quando era a Eletropaulo, mas piorou com a Enel”, reclama, sobre a atual empresa responsável pela distribuição de energia na cidade.
Na rua Arcipreste Ezequias, faltou luz por dois dias. Também fará falta o ipê branco que o vento derrubou em frente à casa do aposentado José Augusto Alves Valentino, 67. Ele faz questão de mostrar a foto da árvore florida, contrastando com tronco e galhos mortos deixados em frente a sua casa. “Dá muita tristeza ver uma árvore dessa no chão”, lamenta.
A eficácia do enterramento dos fios depende da qualidade das obras e, mesmo assim, eles estão sujeitos a intempéries como alagamentos e ao vandalismo. “Numa situação de enchente, chuva, há implicações no subterrâneo. Pode dar um monte de problemas, tem suas restrições. Ele [o fio subterrâneo] é muito mais caro, é uma solução de longo prazo para o problema aéreo, mas não é que todos os problemas estarão resolvidos”, ressalta Barbosa da Silva, da TelComp.
As obras do enterramento são bancadas pelas empresas que utilizam os fios, como a concessionária de distribuição de energia, Enel, e os serviços de telefonia. É um custo operacional, e está previsto na cobrança das tarifas de assinatura de internet e na conta de luz, por exemplo.
A meta de enterrar 65 quilômetros de fios em cerca de dois anos foi estipulada no primeiro da gestão João Doria (sem partido) na prefeitura. A meta foi considerada irreal pelas empresas do setor, segundo Barbosa da Silva.
O plano ganhou cerca de 15 quilômetros a mais nos últimos anos. Prefeitura e TelComp não dizem em quanto tempo devem entregar essa promessa.
Como mostrou a Folha de S.Paulo, parte dos fios instalados nos postes é de origem clandestina. A Enel diz que cerca de dez toneladas de cabos irregulares foram retirados de postes em sua área de operação de janeiro a agosto deste ano. Além dessas instalações proibidas, há fiações abandonadas por operadoras regulares, que muitas vezes instalam equipamento novo sem recolher o antigo, se misturam aos emaranhados.
Questionada por email sobre os problemas na avenida Nazaré, a prefeitura e a Enel não se pronunciaram até as 20h desta terça-feira (7).
CLAYTON CASTELANI E TULIO KRUSE / Folhapress