TAIPÉ, TAIWAN (FOLHAPRESS) – A consultoria TechInsights, que testa regularmente produtos de tecnologia, sendo hoje referência global para confirmar novos avanços no setor, abriu uma caixa do drive ZhiTai Ti600, lançado sem alarde no mês de julho, e levou um susto.
“Descobrimos o chip de memória 3D NAND mais avançado do mundo”, escreveu a empresa canadense, em relatório, “e ele veio da YMTC, num salto tecnológico surpreendente”.
A Yangtze Memory Technologies Corp, de Wuhan, é a principal fabricante de chips de memória na China e chegou a ameaçar empresas dominantes nessa faixa como a sul-coreana Samsung até ser sancionada pelo governo americano, no ano passado.
Daí a surpresa da TechInsights. O novo drive SSD tem 232 camadas, segundo a consultoria, e a maior densidade de bits já encontrada num produto 3D NAND comercial, 19.8 Gb/mm2. 3D NAND é um tipo de memória flash, essencial para inteligência artificial e outras aplicações de ponta.
“Discretamente, a YMTC está desenvolvendo tecnologia avançada, mesmo prejudicada por questões decorrentes das sanções”, diz o relatório. A empresa perdeu o acesso a maquinário da americana Lam Research e teve suas vendas para a Apple proibidas, entre outros restrições.
O novo chip de memória vem sendo comparado ao chip de 7nm fabricado pela SMIC e usado no relançamento dos celulares 5G da Huawei. SMIC e Huawei também haviam sido sancionadas pelos Estados Unidos.
Mais de um ano atrás, a TechInsights já tinha descoberto o chip de 7nm da SMIC num teste que realizou, do minerador de bitcoin MinerVa. Mas eram ainda os primeiros passos para o salto de inovação.
Como aconteceu então com o chip da SMIC, “a grande questão agora” com o chip de memória é se a YMTC vai conseguir produzir na escala necessária para se viabilizar comercialmente, diz o analista de tecnologia TP Huang.
SMIC e Huawei mostraram o caminho, ao reagirem às sanções ao longo do último ano, passando por amplo financiamento interno, inclusive estatal. A YMTC agora segue seus passos para viabilizar o chip de memória para o mercado chinês de IA.
A empresa de Wuhan já teria investido neste último ano, no desenvolvimento desse e de outros produtos, todo o aporte especial que recebeu em 2022 do maior fundo chinês para tecnologia, alcançando cerca de US$ 7 bilhões. Apelidado de “Big Fund”, ele junta recursos privados e estatais, para investir sob orientação do governo.
Segundo o Financial Times, a YMTC acaba de levantar nova rodada de capital junto a investidores chineses, também na casa de bilhões. O dinheiro será usado para adquirir maquinário, em parte desenvolvido em conjunto com fornecedores nacionais, como fizeram Huawei e SMIC, para ampliar a capacidade de produção.
Huang acrescenta que, como mostram imagens de satélite, “a YMTC acaba de concluir a construção da segunda ‘fab’ [como são chamadas as fábricas de chips] e precisa comprar equipamentos caros para expansão”. Que deverá ser de grande magnitude, segundo ele.
Não é a única que vem recebendo atenção do “Big Fund”. A startup de chips Changxin Xinqiao Memory Technologies levantou US$ 5,4 bilhões. Ela é ligada à Changxin Memory Technologies, aposta chinesa para concorrer com a americana Micron e a coreana Samsung em chips de memória DRAM.
Na descrição da TechInsights, “há cada vez mais evidências de que o impulso da China para superar as restrições comerciais e construir sua própria cadeia de suprimento para semicondutores é mais bem-sucedido do que se esperava”.
A nova rodada de sanções americanas há duas semanas, voltada mais uma vez a restringir o acesso chinês a chips de IA, foi recebida sem alarme desta vez, inclusive fora da China. Um diretor da Quanta afirmou em evento público em Taipé que “basicamente tem pouco impacto”, sendo secundado pelo CEO da Arm, em Nova York.
Burn J. Lin, ex-vice da TSMC, considerado um dos responsáveis históricos pela gigante de chips de Taiwan, comentou à Bloomberg que “é inútil os EUA tentarem limitar o progresso da China, que agora está adotando uma estratégia que envolve a nação inteira para impulsionar sua indústria de chips”. Pior, com isso Washington “prejudica a economia mundial”.
NELSON DE SÁ / Folhapress