Senado aprova Reforma Tributária; texto volta à Câmara e expectativa é de promulgação neste ano

BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Em uma votação histórica, o Senado Federal aprovou com placar apertado nesta quarta-feira (8) a Reforma Tributária que unifica cinco tributos sobre consumo, colocando o Brasil mais perto do ponto de virada para um sistema já adotado em outros países e que promete simplificação, menos conflitos e o fim da cobrança em cascata de impostos sobre empresas e consumidores.

O texto-base da PEC (proposta de emenda à Constituição) foi aprovado em primeiro e segundo turnos por 53 votos a 24. Foram mais do que o 49 votos necessários para uma alteração constitucional, mas com um placar visto como apertado pelo próprio governo.

O sinal verde dos senadores estabelece um marco inédito. Pela primeira vez sob o regime democrático, Câmara e Senado convergiram na intenção de sepultar o atual sistema tributário, criado ainda na década de 1960, e aprovaram em ambas as Casas as bases para uma reforma ampla.

O Senado alterou trechos da PEC e ampliou exceções a categorias e atividades. Por isso, o texto ainda precisará passar novamente pelo crivo dos deputados antes da promulgação —etapa que a cúpula do Congresso espera concluir ainda este ano.

Mesmo com as modificações, o alinhamento em torno dos princípios gerais da reforma é visto por membros do governo, parlamentares e especialistas como um sinal de que, agora, a mudança deve mesmo sair do papel. “Se o receio é de que a aprovação da PEC acarrete aumento de carga tributária, temos a convicção de que o modelo garante que isso não ocorrerá”, disse o relator no Senado, Eduardo Braga (MDB-AM), durante a sessão.

O texto teve o apoio de siglas como PSD, MDB, PSB e PDT, além do próprio PT. PP e Republicanos, que recentemente embarcaram no primeiro escalão do governo, deram votos contrários à proposta.

Logo após a votação, o secretário extraordinário da Reforma Tributária, Bernard Appy, comemorou o resultado. “Extremamente feliz, embora fosse melhor se tivesse menos emoção. Placar foi apertado, mas foi [aprovado]. Sabia que ia dar certo”, disse.

O ministro Fernando Haddad (Fazenda) também celebrou a aprovação. “Quando a técnica encontra a política, o resultado final é satisfatório”, afirmou.

A Reforma Tributária está em discussão no Congresso há mais de 30 anos. A primeira vez que se tentou unir os tributos sobre consumo em um IVA (Imposto sobre Valor Agregado) foi na elaboração da Constituição de 1988. De lá para cá, diferentes propostas fracassaram por divergências e falta de apoio político, sentenciando o país a conviver com um sistema já obsoleto. Hoje, 174 países adotam o sistema IVA para tributar o consumo.

A PEC aprovada na Câmara e agora avalizada pelo Senado é fruto da combinação de duas propostas apresentadas em 2019 e que ganharam o apoio explícito do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Logo que assumiu, Haddad estabeleceu a Reforma Tributária como uma das prioridades da agenda econômica.

O ministro criou uma secretaria extraordinária no Ministério da Fazenda voltada ao tema, comandada por Appy —formulador técnico da versão inicial da PEC 45, uma das bases para a reforma aprovada nesta quarta. O secretário acompanhou a sessão direto do plenário do Senado, repetindo o ritual das votações anteriores.

Além do empenho político, Haddad precisou negociar uma série de concessões e abrir os cofres da União para assegurar o avanço da pauta. O governo federal aceitou injetar R$ 60 bilhões anuais em um fundo para bancar novos incentivos regionais sob o novo sistema. A resistência em dar essa compensação aos estados sempre foi um obstáculo histórico ao avanço da reforma —embora o valor definido tenha sido alvo de críticas e preocupações sobre seu impacto na sustentabilidade fiscal do país.

No Senado, o texto passou por novas flexibilizações diante da maior sensibilidade dos parlamentares ao lobby de diferentes categorias.

O relator criou uma nova alíquota para profissionais liberais como advogados e engenheiros (com 30% de desconto em relação à cobrança integral), incluiu cinco novas possibilidades de alíquota zero ou reduzida (com 60% de desconto) para bens e serviços e inseriu nove setores no regime de tratamento específico.

Três exceções foram acolhidas já no plenário, de última hora, para conceder a alíquota reduzida ao setor de eventos e permitir a criação de um regime diferenciado para operações com microgeração e minigeração distribuída de energia elétrica (o que alcança painéis solares) e para o setor da economia circular.

Por outro lado, Braga também fez mudanças benéficas ao governo, como a divisão da classificação da cesta básica (uma mais restrita com alíquota zero, outra mais ampla com desconto de 60%) e o ajuste em medidas que poderiam gerar, na prática, uma carga tributária negativa para parte do setor de transportes.

Ele ainda criou uma trava para impedir qualquer aumento futuro na carga tributária e incluiu uma previsão de revisão dos regimes diferenciados a cada cinco anos.

O saldo final do texto aprovado é uma composição entre o ideal do ponto de vista técnico e o politicamente possível.

As várias exceções para diferentes setores contribuem para tornar o novo sistema mais complexo e reduzir seu impacto positivo sobre a economia. Também tornam mais pesado o fardo tributário a ser carregado pelos setores não contemplados. A estimativa mais recente do Ministério da Fazenda indica uma alíquota total entre 26,9% e 27,5%, uma das mais elevadas do mundo.

Líder da oposição na Casa, o senador Rogério Marinho (PL-RN) criticou as flexibilizações, justamente por causa do impacto na alíquota. “Farinha pouca, meu pirão primeiro. Quem teve mais condição de gritar, de brigar, de fazer o lobby funcionar está contemplado. Aqueles que não tiveram essa força vão ser obrigados a exportar uma carga tributária que vai ser a maior do mundo”, disse.

Ainda assim, grande parte dos especialistas afirma que a reforma será positiva para o país. Os argumentos são de que a alíquota do novo IVA é reflexo da atual carga tributária, já elevada, e a simplicidade do novo sistema tende a gerar ganhos de produtividade e eficiência, impulsionando o crescimento da economia.

Na ponta, os consumidores saberão com exatidão quanto pagam de tributo sobre cada bem ou serviço —um ganho de transparência em relação ao modelo atual. As famílias mais vulneráveis poderão ter o reembolso de parte dos valores recolhidos por meio do “cashback”.

Um estudo feito em 2020 pelos economistas Débora Freire (hoje subsecretária de Política Fiscal do Ministério da Fazenda) e Edson Domingues estima que a migração para o sistema IVA pode gerar um crescimento adicional de 4,14% do PIB (Produto Interno Bruto), antes mesmo de incorporar os ganhos de produtividade das empresas. O dado deve ser interpretado como o efeito positivo do fim das ineficiências causadas pela enorme variedade de alíquotas e a cobrança em cascata de tributos.

Outro estudo mais recente, divulgado pela FGV EPGE em outubro de 2022, aponta que o PIB brasileiro pode crescer até 7,9% só com a uniformização de alíquotas e o fim da cumulatividade. Os cálculos foram feitos por por Pedro Cavalcanti Ferreira, Bruno Delalibera, Diego Gomes e Johann Soares.

A reforma aprovada prevê a fusão de PIS, Cofins e IPI (tributos federais), ICMS (estadual) e ISS (municipal) em um IVA dual. Uma parcela da alíquota será administrada pelo governo federal por meio da CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços), e a outra, por estados e municípios pelo IBS (Imposto sobre Bens e Serviços).

Também será criado um Imposto Seletivo sobre bens e serviços considerados prejudiciais à saúde (como cigarros e bebidas alcoólicas) ou ao ambiente, à exceção dos produzidos na Zona Franca de Manaus.

A implementação dos novos tributos começará em 2026, com uma alíquota teste de 0,9% para a CBS e de 0,1% para o IBS.

Em 2027, PIS e Cofins serão completamente extintos e substituídos pela nova alíquota de referência da CBS. As alíquotas do IPI também seriam zeradas para a entrada em vigor do Imposto Seletivo.

A migração dos impostos estaduais e municipais para o novo IBS será mais gradual, dada a necessidade de dar segurança jurídica a benefícios já concedidos sob o atual sistema. Por isso, ICMS e ISS serão totalmente extintos apenas em 2033.

Além da nova votação da PEC na Câmara, a implementação da reforma ainda depende de uma segunda fase, a da regulamentação. Três ou quatro projetos de lei complementar precisarão ser enviados pelo governo em até 180 dias após a promulgação da emenda constitucional. Um deles vai detalhar os regimes específicos e todas as novas alíquotas de cada tributo do novo sistema.

ENTENDA A REFORMA TRIBUTÁRIA SOBRE O CONSUMO

**Tributos extintos**

– IPI (federal)

– PIS (federal)

– Cofins (federal)

– ICMS (estadual)

– ISS (municipal)

**Tributos criados**

– CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços), na esfera federal

– IBS (Imposto sobre Bens e Serviços), de competência estadual e municipal

– Imposto Seletivo (sobre produtos prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente)

– A Cide, já existente, passa a poder incidir sobre importação, produção ou comercialização de bens que também tenham industrialização incentivada na Zona Franca de Manaus

**Operações tributadas pela CBS e pelo IBS**

– Serviços, bens (materiais ou imateriais) e direitos, inclusive nas importações

– Não incidem sobre exportações, com previsão de devolução do tributo pago pelo exportador sobre insumos

**Alíquotas**

1. Padrão: deve ficar entre 26,9% e 27,5%, segundo cálculos da Fazenda

2. Intermediária: 70% da padrão, concedida a profissionais liberais de categorias regulamentadas (ex: advogados, engenheiros, contadores)

3. Reduzida: 40% da padrão, válida para as seguintes atividades:

– serviços de educação

– serviços de saúde

– dispositivos médicos

– dispositivos de acessibilidade para pessoas com deficiência

– medicamentos

– produtos de cuidados básicos à saúde menstrual

– serviços de transporte coletivo rodoviário e metroviário de caráter urbano, semiurbano e metropolitano

– produtos agropecuários, aquícolas, pesqueiros, florestais e extrativistas vegetais in natura

– insumos agropecuários e aquícolas

– alimentos destinados ao consumo humano

– produtos de higiene pessoal e limpeza majoritariamente consumidos por famílias de baixa renda

– produções artísticas, culturais, de eventos, jornalísticas e audiovisuais nacionais, atividades desportivas e comunicação institucional

– bens e serviços relacionados a soberania e segurança nacional, segurança da informação e segurança cibernética

**Outras reduções autorizadas em lei complementar**

1. Isenção para transporte coletivo

2. Redução em 100% da alíquota da CBS incidente sobre o Prouni e sobre serviços prestados por entidades de inovação, ciência e tecnologia sem fins lucrativos.

3. Limite de receita anual de R$ 3,6 milhões para que o produtor rural pessoa física ou jurídica possa não pagar IBS e CBS

4. Redução de 100% da alíquota total para:

– medicamentos e dispositivos médicos (inclusive adquiridos pelo poder público e entidades de assistência social)

– dispositivos de acessibilidade para pessoas com deficiência

– produtos de cuidados básicos à saúde menstrual

– produtos hortícolas, frutas e ovos

– automóveis de passageiros adquiridos por pessoas com deficiência, pessoas com transtorno do espectro autista ou por taxistas

– atividades de reabilitação urbana de zonas históricas e de áreas críticas de recuperação e reconversão urbanística

**Regimes específicos**

– combustíveis e lubrificantes

– serviços financeiros, operações com bens imóveis, planos de assistência à saúde e concursos de prognósticos (loterias e apostas)

– sociedades cooperativas

– serviços de hotelaria, parques de diversão e parques temáticos, agências de viagens e turismo, bares e restaurantes, atividade esportiva desenvolvida por Sociedade Anônima do Futebol e aviação regional

– operações alcançadas por tratado ou convenção internacional

– serviços de saneamento e de concessão de rodovias

– serviços de transporte coletivo de passageiros rodoviário intermunicipal e interestadual, ferroviário, hidroviário e aéreo

– operações que envolvam a disponibilização da estrutura compartilhada dos serviços de telecomunicações

– operações com microgeração e minigeração distribuída de energia elétrica (o que alcança painéis solares)

**Cesta básica**

– Cesta Básica Nacional: alíquota zero sobre produtos destinados à alimentação humana (ideia é fixar uma lista mais restrita)

– Cesta Básica Estendida: poderá incluir outros alimentos e terá redução de 60% nas alíquotas de CBS e IBS

**Cashback**

– Possibilidade de devolução de tributos a pessoas físicas, com o objetivo de reduzir as desigualdades de renda

– Mecanismo será obrigatório para conta de luz e gás de botijão, focado em famílias de baixa renda

**Fundos**

– Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional, com recursos da União para estados, para financiar instrumentos de incentivo à atividade local (valor inicial de R$ 8 bilhões em 2029, chegando a R$ 60 bilhões anuais a partir de 2043)

– Fundo de Sustentabilidade e Diversificação Econômica do Estado do Amazonas, com recursos da União (a ser detalhado em lei complementar)

– Fundo de Compensação de Benefícios Fiscais ou Financeiros-fiscais do ICMS, destinado a compensar benefícios já concedidos a empresas e convalidados até 2032. Receberá R$ 160 bilhões da União entre 2025 e 2032

**Gestão do IBS**

– Texto cria Comitê Gestor do IBS, estrutura semelhante à que já existe no Simples Nacional

– Membros: 27 representantes dos estados e do Distrito Federal, mais 27 membros representando o conjunto dos municípios e do DF (sendo 14 deles eleitos por maioria de votos e 13 deles por votos de municípios ponderados pelas respectivas populações)

IDIANA TOMAZELLI E THAÍSA OLIVEIRA / Folhapress

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