Estudo mapeia estratégias educacionais para futuras pandemias

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Imagem: Médicos Sem Fronteiras

Coordenação entre as três esferas de governo, ampliação de acesso à internet, desenvolvimento de materiais didáticos estruturados em plataformas digitais e até medidas de garantia da segurança alimentar da comunidade escolar. Essas são algumas das estratégias que devem fazer parte de um plano educacional emergencial no advento de uma nova pandemia —o que alguns cientistas dizer ser mera questão de tempo.

O estudo de um grupo de pesquisadores de universidades de Brasil, Chile, França e Guiana Francesa, financiado pela Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), se debruçou sobre as táticas adotadas no ensino público desses países durante crise sanitária e apontou 12 estratégias essenciais para evitar perdas educacionais em contextos de pandemia.

O Brasil foi um dos quatro países do mundo que mantiveram as escolas fechadas por mais tempo. E, segundo o MEC (Ministério da Educação), mais da metade (56,4%) dos estudantes do 2º ano do ensino fundamental não estava alfabetizada em 2021 —um aumento de 42% em relação a 2019, quando esse percentual era de 39,7%.

A primeira estratégia essencial é fortalecer o regime de colaboração entre União, estados e municípios. No Brasil, durante a Covid-19, a transição forçada e duradoura para um modelo de ensino à distância ocorreu num vácuo de diretrizes nacionais do Ministério da Educação sob o comando do pastor Milton Ribeiro. Com isso, cada estado adotou suas próprias estratégias educacionais, num cenário de muitas desigualdades.

“O MEC foi omisso durante a pandemia, e cada estado escolheu um caminho que mais lhe era afeito”, aponta Wagner Rezende, professor da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), em Minas Gerais, e coordenador do Centro de Políticas Pública e Avaliação da Educação (Caed).

“Já na França, a coordenação da União foi muito forte, e rapidamente os estudantes voltaram às aulas presenciais”, explica Maria do Carmo Meirelles, professora da Unicid e coordenadora da pesquisa “Implementação de políticas educacionais e desigualdades frente a contexto de pandemia pela Covid-19”.

Outra estratégia essencial, segundo o estudo, é ampliar a conectividade em escolas e municípios, com acesso à internet e a dispositivos como notebooks, tablets e telefones celulares.

Segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), quase 84% dos alunos brasileiros da rede pública tinham acesso à internet quando começou a pandemia, mas 4,1 milhões deles não tinham esse acesso.

Ao mesmo tempo, alertam os pesquisadores, é preciso ampliar o letramento digital de alunos e professores, que precisam receber formação para utilizar as tecnologias digitais de maneira pedagógica.

“Materiais que orientem professores e alunos sobre o que precisa ser aprendido é algo importante sempre. No contexto de uma crise, é crucial e estabelece critérios mínimos de aprendizagem e avaliação. Portanto, é algo que precisa ser feito antes de uma próxima pandemia”, explica Rodnei Pereira, pesquisador em educação da Fundação Carlos Chagas e da Unicid.

Os pesquisadores detectaram que, durante a crise sanitária, faltaram no Brasil sistemas de informação entre secretarias e escolas e, destas, com seus servidores e alunos. “Tinha professor que não tinha email. Tinha escola que não tinha contato das famílias dos alunos, e os professores foram até a casa dos estudantes para conseguir esse contato”, conta Meirelles. Criar um sistema de informação e mantê-lo atualizado, aponta ela, vai contribuir para ações mais rápidas numa próxima pandemia, assim como investir no vínculo entre escola e as famílias, essenciais para o sucesso do ensino à distância, com os estudantes dentro de casa.

Além disso, é importante ter planos de acolhimento para docentes e estudantes, apoio psicológico e medidas para garantir a segurança alimentar da comunidade escolar, já que muitas crianças têm na merenda a sua principal refeição do dia.

“O que vimos acontecer em São Paulo, Fortaleza e Minas Gerais foi que, ao converter a merenda em kits de alimentação para as famílias, as escolas tiveram papel fundamental na garantia da segurança alimentar do território como um todo”, afirma Pereira.

Por último, a pesquisa reafirma a importância de programas de busca ativa dos alunos que abandonam a escola.

“Em muitos estados, a própria comunidade foi envolvida nessa busca, num compromisso para garantir a educação”, relata Meirelles. “São Paulo usou mães para irem atrás dos estudantes evadidos, enquanto outras localidades deram bolsas para que os próprios estudantes fossem em busca dos colegas que largaram os estudos.”

Dados levantados a partir de questionários suplementares aplicados pelo Censo Escolar em 2021 apontam que, de nove estratégias investigadas nas redes públicas de ensino, a que mais teve adesão foi a busca ativa: 89,9% das escolas estaduais brasileiras adotaram a estratégia. O Ceará foi onde mais escolas fizeram essas buscas (96,9%), seguido de Goiás (94,9%) e Espírito Santo (94,9%).

Escolas cearenses também foram as que mais priorizam conteúdos e habilidades específicas (90,4%), diante da impossibilidade de dar conta de todo o previsto, seguidas das do Distrito Federal (86%) e do Espírito Santo (85,3%). No outro extremo, isso ocorreu em apenas 32,9% da rede do estado de Roraima.

Lacunas de aprendizagem dos alunos foram avaliadas em 2021 em 94,3% da rede capixaba, seguida das escolas paulistas (89,9%) e cearenses (89,5%).

Neste cenário de desigualdades estaduais, foram os estados do Ceará e do Espírito Santo que mais adotaram boa parte das estratégias de 2021 investigadas pelo Censo Escolar.

“Não à toa, Ceará e Espírito Santo são estados com trajetórias históricas de cooperação entre estado e municípios e de programas de aprendizagem na idade certa”, explica Pereira, da Fundação Carlos Chagas. “E esse desempenho pode ser produto do fortalecimento dessas políticas.”

O caso cearense ganhou relevo na pesquisa porque o estado foi o único a aplicar prova de avaliação dos alunos no início de 2022, o que permitiu mensurar o efeito da pandemia na aprendizagem dos alunos em língua portuguesa e matemática ao final da crise sanitária e, depois, sua recuperação. Os alunos cearenses do 5º e do 9º recuperaram ou mesmo extrapolaram os níveis pré-pandêmicos de desempenho considerado como adequado.

O Ceará se tornou um caso de estudo no país desde que o Programa de Aprendizagem na Idade Cerca (Paic) foi implementado, em 2007, e seus resultados passaram a ser mensurados. O programa envolve melhoria da gestão escolar, formação continuada de professores, avaliação diagnóstica de alunos no início e final de cada ano, entre outras medidas que permitiram melhores índices de sucesso escolar na última década.

A política cearense foi nacionalizada pelo MEC em 2012 por meio do Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (Pnaic). O programa, posto de lado pelos governos de Michel Temer e Jair Bolsonaro (PL), foi retomado por Lula (PT), que tem o ex-governador do Ceará Camilo Santana como ministro da Educação, com o Compromisso Nacional Criança Alfabetizada, lançado em junho passado.

FERNANDA MENA / Folhapress

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