BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Auditores da Receita Federal manifestam temor de que uma eventual falta de coordenação com militares que atuam em portos e aeroportos, ou mesmo ingerência nas suas atividades, afetem o desempenho dos profissionais nas aduanas.
Por isso, representantes da categoria solicitaram audiências com os ministros Fernando Haddad (Fazenda) e Flávio Dino (Justiça), para buscar uma articulação e a garantia da independência e autonomia para seguirem com suas atividades.
No último dia 1º, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) assinou decreto de Garantia de Lei e da Ordem, para que militares pudessem atuar em portos e aeroportos de Rio de Janeiro e São Paulo.
Marinha e Aeronáutica então passaram a ter poder de polícia nos portos fluminenses, em Itaguaí e no Rio de Janeiro, e no aeroporto internacional do Galeão. As forças também vão atuar no porto de Santos, no litoral paulista, e no aeroporto de Guarulhos, na Grande São Paulo.
Com o decreto, os militares poderão fazer revistas, realizar prisões e atuar para conter qualquer delito ou atividade criminosa. As ações foram determinadas para ajudar no combate a grupos criminosos do Rio de Janeiro, buscando asfixiar economicamente essas organizações.
Os auditores da Receita, por sua vez, são os responsáveis legais por essas atividades, que envolvem a fiscalização e o combate de práticas ilícitas, como o contrabando e o descaminho. Esses profissionais também devem realizar o controle, a vigilância e o monitoramento das operações lícitas de comércio exterior.
Uma das peculiaridades é que essas ações devem ser feitas por meio de medidas de controle que buscam não prejudicar excessivamente as operações e comércio exterior.
Em ofício endereçado aos ministros, solicitando as audiências, o Sindifisco pede que o trabalho dos auditores da Receita Federal seja considerado e incluído nas ações no âmbito da GLO, para não haver o risco do comprometimento dos resultados.
“Entende-se como temerária a estruturação de uma importante ferramenta de combate às práticas ilícitas relacionadas ao comércio exterior e controle de fronteiras sem a participação efetiva e destacada da Secretaria da Receita Federal do Brasil, que possui ferramentas reconhecidamente eficientes na gestão do comércio exterior brasileiro, a partir de uma lógica de Gestão de Risco Aduaneiro e tratamento devido”, afirma o texto.
O sindicato que representa a categoria ainda acrescenta que as ações de apreensão e aplicação de sanções decorrentes de atividades ilícitas podem vir a ser contestadas na Justiça, se não houver a presença desses profissionais o que fragilizaria a própria efetividade da operação.
O órgão ainda pede que a Receita Federal seja consultada e participe de qualquer ação que envolva as atividades de sua competência.
O presidente do Sindifisco Nacional, Isac Falcão, afirma que os auditores da Receita não querem participar das ações da GLO, mas demandam que os papéis sejam bem definidos e que as atividades dos servidores seja respeitada.
“A nossa preocupação é a articulação desse esforço [dos militares] com o esforço de controle aduaneiro, de combate ao contrabando, ao descaminho, que é uma área na qual a Receita Federal tem expertise por meio da aduana e que demanda conhecimento de uma legislação muito específica. Demanda uma certa expertise no respeito a direitos dos intervenientes de comércio internacional, exportadores, importadores, dos passageiros que chegam ao Brasil ou que partem”, afirmou à Folha de S.Paulo.
Ele acrescenta que o comércio internacional demanda uma cerca fluidez das ações, que são demandadas pelo fato de o Brasil ser signatário de acordos internacionais da área. O sindicato então alerta que mudanças de procedimentos, como aumentar a quantidade de carga que é vistoriada na amostragem, pode comprometer essas ações.
“Se você muda algum parâmetro, se diminui de alguma forma a assertividade, aumenta as amostras, tudo isso pode criar embaraços ao comércio internacional e à circulação dos passageiros. Então a gente procura ser muito preciso nas cargas que a gente vistoria, isso depende da análise de uma quantidade de informações muito grande e de uma certa organização do trabalho”, diz.
“A preocupação quando você não tem os papéis definidos com precisão é que haja ali uma descoordenação, pessoas até imbuídas de uma boa intenção mas que querem fazer o trabalho para os quais elas não têm experiência acumulada, não tem conhecimento acumulado”, completa.
O Sindifisco ainda afirma que a atuação de militares, por terem princípios e valores diferentes, pode comprometer a atuação dos profissionais nas aduanas. Citam que os integrantes das Forças têm a hierarquia e a disciplina como os valores mais importantes, enquanto os trabalho dos auditores da Receita precisa ser baseado na independência técnica e autonomia funcional.
O órgão teme que a ingerência, por conta dessas discrepâncias, possa comprometer o trabalho. Isac Falcão cita o caso das joias da Arábia Saudita, argumentando que a atuação do profissional poderia ter sido comprometida se não fosse resguardada a sua independência funcional.
“Um exemplo que ilustra isso com muita propriedade, é o exemplo das joias sauditas no aeroporto de Guarulhos. O auditor fiscal que conduziu aquela situação fez uso o tempo todo das suas prerrogativas, da sua autonomia técnica, da sua independência funcional para que pudesse fazer valer ali a aplicação da legislação, como deve ser”, afirma.
“Imagina se ele tivesse submetido ao regime de organização militar. Jamais poderia ter tido aquela mesma atitude”, completa.
RENATO MACHADO / Folhapress