SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A ABC (Academia Brasileira de Ciência) afirma que países na liderança em desenvolvimento de inteligência artificial (IA) começaram a formar profissionais especializados há ao menos uma década. Por isso, o Brasil, recém-chegado nesse campo do conhecimento, está em desvantagem.
A avaliação consta no documento “Recomendações para o avanço da inteligência artificial no Brasil” divulgado pela entidade nesta quinta-feira (9). O material cita que cidades de países vizinhos, como a capital argentina, Buenos Aires, conseguiram mais sucesso para atrair mão de obra qualificada em tecnologia do que São Paulo.
“Sem investimento adequado na área, o Brasil pode ter um declínio tecnológico com impactos sem precedentes, porque a lacuna entre os países na vanguarda dos investimentos na tecnologia e os demais cresce a níveis exponenciais”, diz o relatório, formulado por 16 pesquisadores de diferentes áreas do conhecimento, com atuação nas cinco regiões do país.
O coordenador da pesquisa Virgílio Almeida, do departamento de ciência da computação da UFMG, afirma que essa diversidade reforça a urgência de se investir em inteligência artificial, que pode abrir portas e aumentar a produtividade em áreas além da programação e da engenharia.
Em desenvolvimento desde os anos 1970, a tecnologia atraiu atenção inédita desde o sucesso do ChatGPT, lançado em novembro do ano passado.
“Tivemos não só profissionais da computação, como eu, mas também da física, das ciências sociais”, afirma Almeida.
Ainda há tempo, contudo, para o país se recuperar. O Brasil, hoje, aparece entre os 20 primeiros países em rankings sobre pesquisa em IAs. Almeida credita esse desempenho, sobretudo, ao número de artigos científicos publicados aqui.
Segundo o especialista, há dificuldade de transformar essa pesquisa em patentes e inovações.
Ao ter sucesso no desenvolvimento de inteligência artificial, país pode ganhar produtividade em diferentes setores da economia: saúde, energia, financeiro, combate a mudanças climáticas, educação, agricultura, pesquisa científica, competitividade das empresas, governança do setor público.
“É imperativo que o Brasil estabeleça políticas públicas e investimentos para reverter essa tendência sem demora. Se persistir a inércia, o impacto negativo será sentido a curto prazo na educação, nos demais índices sociais e na economia, com a consequente falta de competitividade empresarial em todas as áreas”, destaca o relatório.
Hoje, existem duas principais linhas de pesquisas em inteligência artificial.
Na primeira, pesquisadores buscam entender os mecanismos do comportamento inteligente e apoiar estudos em áreas como linguística, lógica, filosofia, psicologia, sociologia e neurofisiologia.
A segunda frente vai no sentido inverso e utiliza conhecimento dessas áreas para propor algoritmos capazes de replicar o comportamento inteligente típico dos humanos em máquinas. Um exemplo é o projeto de novos algoritmos de aprendizado de máquina.
De um lado, a primeira frente de pesquisa pode trazer mais resultados para a economia no curto prazo. De outro, a segunda importa para desenvolver pesquisa de base fundamental na inovação.
O professor Virgílio Almeida cita como um bom exemplo no país os centros de pesquisa aplicada (CPAs) em inteligência artificial, fomentados por MCTI, Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) e CGI.br (Comitê Gestor da Internet).
Cada um deles recebe apoio por cinco anos, que pode ser renovado no término da vigência. A Fapesp pode entrar com até R$ 1 milhão anual, complementado com uma quantia de até R$ 1 milhão paga por empresas parceiras.
Parcerias com a iniciativa privada podem acelerar o avanço da tecnologia, de acordo com Almeida.
São referência na tecnologia: Estados Unidos, China, França, Alemanha, Reino Unido, Rússia, Índia, Suíça, Japão, Coreia do Sul, Holanda, Suécia, Finlândia, Irlanda, Singapura, Canadá, Israel e Itália.
Segundo o relatório, o Brasil fica atrás desses países em proporção de investimento em relação ao PIB e ainda falha em garantir estabilidade no financiamento de pesquisa. “Durante crises econômicas, como a de 2015, a ciência sempre está entre as primeiras áreas a sentir os cortes”, afirma Almeida.
PEDRO S. TEIXEIRA / Folhapress