SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Refletindo uma tendência observada no restante do mundo, denúncias de antissemitismo no Brasil aumentaram dez vezes de outubro de 2022 em comparação com o mesmo mês deste ano, indo de 44 para 467.
Os dados, coletados em um canal de denúncias administrado pela Conib (Confederação Israelita do Brasil) e a Fisesp (Federação Israelita do Estado de São Paulo), foram apresentados em eventos para a imprensa nesta quinta-feira (9), Dia Internacional do Combate ao Fascismo e Antissemitismo, em cinco capitais do país -São Paulo, Brasília, Porto Alegre, Recife e Salvador.
A alta foi motivada pelos enfrentamentos que Israel e o Hamas travam na Faixa de Gaza desde 7 de outubro, quando um atentado do grupo terrorista em solo israelense deixou cerca de 1.400 mortos. A partir daquela data, dezenas de postagens com declarações antissemitas foram registradas nas redes sociais, e intervenções de cunho preconceituoso surgiram em cidades como Rio de Janeiro e São Paulo.
Na capital fluminense, por exemplo, um muro próximo à sinagoga Associação Religiosa Israelita (ARI), no bairro de Botafogo, amanheceu estampando os dizeres “Palestina resisisiste” em 24 de outubro –para a sinagoga, o erro ortográfico é uma alusão ao Estado Islâmico (EI), cuja sigla em inglês é “Isis”.
Dias antes, um cartaz em que se lia “judeu, câncer do mundo” foi encontrado pregado a um poste na praça Nossa Senhora da Paz, em Ipanema. Já no início deste mês, um painel do artista Eduardo Kobra reproduzindo uma estrela de Davi foi manchado por tinta vermelha, naquele que a Conib considerou o primeiro caso de antissemitismo envolvendo um símbolo judaico nas ruas da capital paulista.
Os episódios no Brasil não estão isolados. Segundo a Liga Antidifamação (ADL), entidade americana que monitora crimes de ódio, desde os atentados do Hamas houve pelo menos 1.040 incidentes de antissemitismo na França, e outros 1.019 no Reino Unido. No país-sede da organização, os Estados Unidos, foram 312 casos, sendo 190 deles diretamente relacionados à guerra Israel-Hamas, ante 64 episódios no mesmo período do ano passado.
Marina Rosenberg, vice-presidente sênior para assuntos internacionais da ADL, afirma que o crescimento de casos de antissemitismo não foi exatamente uma surpresa. “Há um entendimento de que aqueles que promovem a violência se sentem mais empoderados para expressá-la em momentos de ódio. E isso está acontecendo em todo o mundo.”
A diferença para o momento atual, diz, é que a quantidade de eventos do tipo vêm ocorrendo em um período extremamente curto, além de serem mais intensos do que o usual, envolvendo por exemplo ameaças e tentativas de assassinato e ataques a espaços judaicos como sinagogas e estabelecimentos comerciais. “Não se trata apenas de números ou porcentagens. Os incidentes estão mais extremos, mais violentos.”
Atos considerados antissemitas incluem, entre outros, negar a existência do Holocausto, seu alcance ou seus efeitos, ou que sua intenção fosse cometer um genocídio contra os judeus; reproduzir estereótipos como os de que judeus controlam a mídia ou a economia; e usar símbolos historicamente associados ao antissemitismo, como a suástica nazista. A depender do contexto, as ações podem ser tipificadas como diferentes crimes no Brasil, como incitação ou indução a preconceito, crime de ódio ou mesmo racismo.
Segundo a ADL, também se enquadram na categoria de antissemitismo manifestações de antissionismo, isto é, negar o direito dos judeus a seu próprio Estado ou, alternativamente, responsabilizá-los coletivamente por decisões tomadas pelo Estado de Israel.
Os dois últimos exemplos têm sido frequentes nos EUA, sobretudo nas universidades, onde muitos estudantes apoiam a causa palestina. “O problema é que, em muitos desses atos [pró-Palestina], não se faz distinção entre a raiva contra Israel e aquela contra os judeus em geral”, diz Ben Sax, presidente do conselho administrativo da ADL.
A Conib e a Fisesp destacam que, mesmo antes do início do conflito, denúncias de antissemitismo no Brasil já vinham crescendo: de janeiro a setembro deste ano, houve 876 casos do tipo, um aumento de 24,17% em comparação com os 375 registrados no mesmo período no ano passado. Algo semelhante foi observado nos EUA, país que segundo Sax teve em 2022 um pico de casos de antissemitismo em cerca de quatro décadas.
A constatação de que havia uma tendência antissemita em curso não apazigua, porém, o temor que muitos membros da comunidade judaica dizem estar experimentando desde o 7 de outubro.
“Nunca pensamos que isso aconteceria outra vez”, afirma Margot Bina Rotstein. Hoje com 91 anos, ela tinha seis quando vivenciou, em Berlim, a Kristallnacht, ou Noite dos Cristais, data ocorrida há exatos 85 anos que inspirou a criação do Dia Internacional do Combate ao Fascismo e Antissemitismo.
Na madrugada daquele 9 de novembro, mais de cem judeus foram assassinados, mil sinagogas foram destruídas e milhares de cemitérios, casas e escolas judaicas foram vandalizadas na Alemanha, na Áustria e na região dos Sudetos da Tchecoslováquia, em um prenúncio do que viria a ser o Holocausto.
Incidentes de islamofobia e de racismo contra árabes também aumentaram desde o início da guerra contra o Hamas, embora seja mais difícil aferir esses números internacionalmente.
Em São Paulo, por exemplo, um casal de refugiados afegãos relatou à Folha de S.Paulo ter sido agredido e acusado de pertencer ao grupo terrorista em meados do mês passado por um homem trajado com roupas típicas do judaísmo ortodoxo. A mulher usava no momento da agressão uma túnica e um hijab, lenço tradicionalmente usado pelas mulheres muçulmanas.
Enquanto isso, o Conselho de Relações Islâmico-Americanas (Cair), baseado nos EUA, declarou ter recebido 1.238 denúncias de incidentes islamofóbicos ou de preconceito contra árabes de 7 de outubro até o último sábado (4).
A cifra, que corresponde a mais do que o dobro daquela registrada no mesmo período de 2022, é descrita pela organização como a “maior onda de islamofobia” já documentada desde que Donald Trump anunciou em 2015, durante sua campanha à Presidência, que pretendia impedir que cidadãos de países muçulmanos viajassem aos EUA. O republicano, que atualmente batalha por uma indicação para disputar a corrida presidencial pelo seu partido, recentemente refez a ameaça.
CLARA BALBI / Folhapress