SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Na mudança recente de Belo Horizonte para São Paulo, Luiz Claudio Silva, nome à frente da Apartamento 03, comprou um quadro do artista contemporâneo Emerson Rocha. O tom de azul intenso que predomina em seu trabalho levou o estilista a observar que a cor surge em obras de outros artistas pretos, como Joelington Rios e Kika Carvalho, e está relacionada a uma estética africana.
Esse azul profundo está ligado ao waji, um pó também conhecido como anil africano, que tomou conta da coleção Nobre Azul, desfilada na sexta-feira na São Paulo Fashion Week. O waji é um símbolo da conexão espiritual. “Nós temos lugares para buscar inspiração que são da nossa ancestralidade. Não precisamos buscar uma referência colonial”, afirmou Luiz Claudio.
Essa busca ancestral norteou boa parte dos desfiles dessa edição do SPFW, que aconteceu entre os dias 8 e 12 e tinha como tema Ressignificar / Origens. Um dos destaques desse conceito foi o desfile da Helô Rocha. Após seis anos de hiato em sua grife homônima, a estilista escolheu o Teatro Oficina para homenagear o dramaturgo Zé Celso –morto em julho– e apresentar uma coleção que exalta as raízes nordestinas.
Na passarela, looks feitos de látex, crochê, rendas e bordados. Com uma série de noivas, Helô Rocha desfilou seus clássicos vestidos, com trabalhos em corset, saias volumosas e muita transparência. “Meu trabalho sempre parte de construção de texturas. Então, a gente antes pensa primeiro nos bordados, nos trabalhos manuais, e depois nas formas”, disse a estilista.
A transparência sem pudor foi uma das principais tendências desta semana de moda que se apresentava ora em texturas vazadas, como crochê e renda, ora em camisas e calças, reinventadas com tecidos leves e translúcidos. Esse tipo de construção apareceu em desfiles como João Pimenta, Lino Villaventura e Heloisa Faria.
“Acho que o Brasil está cada vez mais aberto para a transparência, inclusive em lugares inusitados. Mas existem truques, como usar uma hot pants, uma lingerie mais trabalhada ou uma meia calça por baixo”, disse Heloisa Faria, que desfilou sua coleção Tessituras neste domingo.
Seu processo criativo partiu da marca Pilar –fundada por Andrea Garcia e que viveu seu auge entre os anos 2000 e 2010– cujos antigos vestidos foram diluídos para construção de novas peças. Tecidos fluidos, veludos e algodões acetinados compunham as camadas da alfaiataria assimétrica e da camisaria, próprias do Heloisa Faria Ateliê.
Enquanto alguns estilistas reciclaram suas referências do passado, outros buscaram ressignificar o lugar que o Brasil ocupa no imaginário da moda mundial. A Dendezeiro trouxe para a passarela um tributo ao street style brasileiro na tentativa de desmistificar a antiga definição de “brega” que o país carregava.
Nesta busca, o projeto mergulhou no design de itens que são o retrato do Brasil, como o filtro de barro, o dominó, o espelhinho laranja, o telefone orelhão, transformando esses elementos do cotidiano em peças de moda irreverentes.
“A verdadeira magia de falar sobre o Brasil reside nos detalhes que são tão familiares
que muitas vezes não os reconhecemos. No caso da Dendezeiro, esses detalhes se transformam em peças de moda que evocam orgulho nacional”, diz o design Pedro Batalha, que divide a concepção da marca com Hisan Silva.
A Dendezeiro trouxe ainda outra tendência dessa temporada: as cores vibrantes. Além do azul da Apartamento 03, o vermelho (apareceu em João Pimenta, Handred e Weider Silveiro) e o dourado (presente em João Pimenta e Lino Villaventura) serão as cores da próxima estação.
Na edição 56 da SPFW, cinco marcas eram estreantes, entre elas Artemisi, João Maraschin e Sau. A capixaba, o gaúcho radicado na Inglaterra e a cearense trouxeram frescor e moda autêntica ao evento. Mayari Jubini (Artemisi) com seu futurismo e referências do cinema; Maraschin com suas roupas de macramê, tricô, estampas feitas à mão e um rico trabalho manual; e Marina Bitu (Sau) com sua moda praia minimalista, elegante e cheia de personalidade.
Se por um lado a passarela da SPFW fez propostas disruptivas, por outro, pecou ao não mostrar avanços em movimentos importantes, como o da igualdade de gênero. A programação foi majoritariamente composta por grifes lideradas por estilistas homens.
E ainda que exista um inegável avanço na quebra de padrões estéticos no que diz respeito a pluralidade de etnia dos modelos, ainda assim, há uma lacuna enorme a ser preenchida em relação à diversidade de corpos. Eram poucas as pessoas gordas que cruzaram a passarela desta edição.
O evento sofreu ainda com problemas estruturais. Realizado no Komplexo Tempo, no Shopping Iguatemi e em locações externas, a SPFW não garantiu acessibilidade por transporte público, por exemplo –mesmo que hoje permita que o público compre suas entradas, que antes eram restritas à imprensa e a um grupo seleto de convidados.
Além disso, os atrasos foram constantes, com desfiles começando até duas horas após o horário marcado. Quando as pessoas entravam nas salas, muitas vezes, a marcação de lugares não estava bem definida e elas ficavam espremidas na fila A enquanto assistiam aos shows.
NADINE NASCIMENTO / Folhapress