Afirmações de presidente do IBGE sobre China e mudança em comunicação preocupam ala de ex-técnicos do órgão

RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – Manifestações recentes da atual gestão do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), presidido pelo economista Marcio Pochmann, causaram preocupação em uma ala de ex-técnicos do órgão e pesquisadores de fora do instituto.

Uma dessas declarações ocorreu durante cerimônia no dia 24 de outubro, quando Pochmann avaliou que a produção de estatísticas do IBGE foi construída somente a partir de práticas respaldadas em países do Ocidente, como Inglaterra, Estados Unidos e França.

Para ele, há uma “mudança de época” em vigor, e boas experiências também partem hoje do Oriente. Nesse sentido, o economista citou trabalhos desenvolvidos pela China.

A fala, contudo, deixou em alerta pesquisadores que veem falta de transparência do país asiático na área estatística. Eles lembram, por exemplo, que a China suspendeu a publicação de dados de desemprego de jovens -faixa etária que costuma apresentar índices mais elevados de desocupação.

“Hoje, com o deslocamento do centro dinâmico do mundo para o Oriente, já não estão perceptíveis as melhores soluções apenas no Ocidente. O Oriente também traz informações”, afirmou Pochmann no dia 24.

“Tivemos oportunidade de um diálogo com a direção do instituto nacional de estatística da China, que está entrando em curso num censo econômico, que visa identificar, capturar, o valor agregado das atividades digitais”, disse. “Não sabemos quantas pessoas no Brasil vivem hoje nas redes sociais monetizadas, quantas são youtubers, influencers.”

As declarações de Pochmann ocorreram durante a cerimônia de posse dos novos coordenadores do Centro de Documentação e Disseminação de Informações e de Comunicação Social do IBGE. O evento foi transmitido em um canal de vídeo do instituto, mas não teve cobertura no site do órgão.

Pochmann visitou recentemente a China, onde encontrou a ex-presidente Dilma Rousseff (PT). Dilma é a atual presidente do NBD, o banco dos Brics -grupo de nações emergentes do qual o Brasil faz parte.

A avaliação de Pochmann sobre o país asiático recebeu críticas de nomes como Martha Mayer, ex-diretora de pesquisas do IBGE e integrante da Comissão Consultiva do Censo Demográfico 2022.

Em artigo publicado no jornal O Globo no domingo (12), ela afirmou que a China não é um exemplo na área. A opinião de Mayer teve endosso nas redes sociais de pesquisadores contrários à indicação de Pochmann para o IBGE.

Comunicação do passado ficou para trás, diz Pochmann

Também no dia 24, o economista declarou que a comunicação “do passado” adotada pelo instituto “ficou para trás”. Ele se referia ao modelo de entrevistas coletivas, que segue em vigor para divulgação de pesquisas do IBGE e que permite à imprensa questionar os técnicos responsáveis pelos dados.

“A comunicação do passado era aquela em que o IBGE produzia as informações, os dados, fazia uma coletiva e transferia a responsabilidade para o grande público através dos meios de comunicação tradicional. Isso ficou para trás”, disse Pochmann.

“Hoje cada um de nós tem a capacidade de comunicação, é um produtor de informação também, de análise, de opinião. Isso tem gerado uma sociedade complexa, inclusive pelo fato da difusão de fake news, de mentiras”, completou.

Pochmann tem evitado entrevistas coletivas desde que assumiu o comando do IBGE, em agosto. Desde então, vem se manifestando em agendas do instituto e postagens em seu perfil na rede social X, ex-Twitter.

A comunicação via internet destoa da postura de ex-ocupantes da presidência do IBGE. Menções ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que indicou Pochmann para o cargo, também causam desconforto em parte das pessoas que acompanham o dia a dia da instituição, apurou a Folha. O IBGE é considerado um órgão de Estado, e não de governo.

Segundo um ex-servidor da instituição ouvido pela reportagem, que pediu para não ser identificado, quando uma pessoa se torna presidente do IBGE, é como se abandonasse sua vida pública, deixando de emitir opiniões sobre temas variados. A ideia seria preservar a imagem de órgão de Estado.

No dia 24 de outubro, Pochmann afirmou que a estrutura “verticalizada, hierárquica e, muitas vezes, autoritária” ficou para trás no instituto. Ele vem prometendo valorização dos servidores da casa.

“Precisamos urgentemente construir um IBGE contemporâneo, de uma administração transparente, uma administração que dialoga, uma administração que assume responsabilidades conjuntas e que tenha um rumo, uma direção”, afirmou.

No mesmo evento, Daniel Castro, novo coordenador-geral do Centro de Documentação e Disseminação de Informações do IBGE, disse que o “grande desafio” do órgão é “chegar à dona Maria diretamente”.

“A tecnologia hoje possibilita que a gente chegue à dona Maria e ao seu João, e que eles possam ter acesso diretamente às informações do IBGE.”

“Isso não é desconsiderar todos os veículos [de comunicação] que existem, as formas de comunicação. Nada é substituído. O rádio não acabou com os veículos que existiam […]. A comunicação vai tendo uma junção de áreas para avançar”, acrescentou.

Consultado, o IBGE não se manifestou via assessoria de imprensa até a publicação deste texto. A reportagem também tentou contato com Mayer, mas não obteve retorno.

Divergências sobre indicação

A indicação de Pochmann gerou polêmica, dividindo opiniões entre pesquisadores. Os críticos relembraram a passagem dele pelo comando do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), de 2007 a 2012, quando o órgão conviveu com acusações de aparelhamento político.

Outro grupo saiu em defesa do economista. A ala apoiadora fez elogios à trajetória de Pochmann, valorizando sua atuação acadêmica.

O presidente do IBGE chegou ao cargo depois do início das divulgações do Censo Demográfico 2022, a principal pesquisa da instituição. O trabalho sofreu atrasos com o corte de verba no governo Jair Bolsonaro (PL) e as restrições sanitárias da pandemia.

Antes e ao longo do mandato de Bolsonaro, o IBGE foi alvo de ataques de membros do próprio governo. O ex-presidente chegou a atacar a metodologia usada em pesquisas como a de desemprego. O trabalho, contudo, é reconhecido por seguir padrões internacionais de qualidade.

LEONARDO VIECELI / Folhapress

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