BOA VISTA, RR (FOLHAPRESS) – Os dias de alinhamento automático e completo a países hegemônicos acabaram, segundo pesquisa global produzida pelo think tank Conselho Europeu de Relações Exteriores (ECFR, em inglês) e divulgada nesta quarta-feira (15).
As populações de países de economia emergente como Brasil, Indonésia, Arábia Saudita e África do Sul -e mesmo de integrantes da União Europeia- veem com naturalidade a ideia de concordar com valores ocidentais e, ao mesmo tempo, preferir fazer comércio ou parcerias de segurança com a China, de acordo com os autores da pesquisa.
Questionários respondidos por 25.266 pessoas em 11 países europeus e 10 não europeus, em setembro e outubro deste ano, contêm perguntas como “em relação a direitos humanos, você prefere que seu país se aproxime de EUA e seus parceiros, ou da China e seus parceiros?”, além de questões sobre a Guerra da Ucrânia, um potencial conflito em Taiwan envolvendo Washington e Pequim e o sentimento pessoal quanto ao futuro.
Esta foi a primeira vez que o Brasil participou da pesquisa, com amostra de 1.003 pessoas respondendo ao questionário em todos os estados do país.
Dados coletados mostram que a população das nações emergentes participantes, com exceção da Rússia, respondeu com mais frequência que prefere se alinhar aos Estados Unidos e seus aliados do que à China e seus parceiros no que se refere aos direitos humanos (a Indonésia tem uma proporção maior que ambos para a resposta “nenhum dos dois”).
Você prefere que seu país esteja mais próximo dos EUA e seus parceiros, ou da China e seus parceiros?
O Brasil é o terceiro com 61,6%, atrás de Coreia do Sul (74,4%), quase no mesmo patamar da Índia (64,2%) e com a segunda menor proporção pró-China neste quesito.
No tópico “controle sobre a internet”, o padrão se mantém, mas dessa vez com uma parcela maior de pessoas em vários dos países emergentes que apoiam uma aproximação com a China, como a África do Sul e a Arábia Saudita.
De acordo com autores do texto, os dados indicam que a China “não compete com o Ocidente em soft power”. Há outras perguntas no questionário, como a questão “se você fosse morar em outro país, qual escolheria?”, cujas respostas indicam grande predomínio de EUA e Europa.
A hegemonia ocidental nas respostas também aparece quando os entrevistados indicam sua preferência para cooperação de segurança. Novamente, apenas com a exceção da Rússia, todos os países emergentes preferem se alinhar aos EUA e seus parceiros em detrimento da China e seus aliados.
O cenário muda, no entanto, quando se fala de economia: só a população do Brasil e da Índia continuam preferindo uma aproximação com Washington do que com Pequim -ainda que, no caso brasileiro, os chineses sejam o principal parceiro comercial. Habitantes de Turquia, África do Sul, Arábia Saudita, Indonésia e Rússia querem se alinhar à China e, mesmo a Coreia do Sul, temerosa da aliança de Pequim com a Coreia do Norte, divide-se neste ponto.
Os autores da pesquisa se referem a essas preferências flutuantes como reflexo de um “mundo à la carte”, isto é, em que nações recusam se comprometer com exigências de um único bloco geopolítico e buscam combinações a depender da área de cooperação. Em outros termos, a pesquisa coleta evidências que sugerem um sistema internacional multipolar.
“[A pesquisa] revela um panorama geopolítico complexo, no qual potências grandes e médias em competição, golpeadas por tendências de fragmentação e polarização, recusam aceitar um conjunto fixo de parcerias. Para elas, ser soberano é poder escolher”, escrevem os autores em relatório sobre o levantamento.
Se o cenário global exigisse uma escolha, no entanto, há pouca indecisão entre a população dos países emergentes. A maioria dos entrevistados respondem que prefeririam ver seu país integrando um bloco americano do que um grupo chinês se fosse forçado a escolher.
Nesse caso, prefere a China apenas a população entrevistada na Rússia, cujo governo de Vladimir Putin se apoiou desde o começo da Guerra da Ucrânia na aliança com Xi Jinping para escapar da tentativa de isolamento internacional colocada em marcha pelos EUA e aliados. Quase 40% dos entrevistados na África do Sul e Arábia Saudita dizem preferir a China.
GUILHERME BOTACINI / Folhapress