Carioca viaja rumo ao Alasca com cadela a bordo de um Fusca 74

Barbeira só na profissão, afirma a carioca Marcelly Sauer. Aos 30 anos, ela está há cinco meses na estrada com destino ao Alasca ao lado da fiel escudeira Stella, uma cadela beagle de quatro anos.

A bordo de um Fusca 1974, ela conseguiu transformar o pequeno veículo em uma casa sobre rodas. Indagada sobre como surgiu a ideia, ela revelou ser um desejo antigo: “Sempre sonhei viajar pelo mundo, e sempre quis ter um Fusca. Desde pequena dizia que um dia teria um e sairia por aí”.

A previsão de chegada ao estado mais ao norte dos Estados Unidos é em 2025. Renunciar o conforto não é um problema para ela, que se adaptou a vida nômade facilmente.

Moradora de Maricá, município da região metropolitana do Rio de Janeiro, ela vendeu sua barbearia na cidade por R$ 20 mil para realizar o projeto; entretanto, as inúmeras remodelações que o veículo necessitou para a aventura consumiram praticamente toda a quantia.

Para viabilizar mais espaço, todos os assentos foram removidos, restando somente do motorista, para que coubessem a cama, armários e um fogão portátil utilizado do lado de fora. No teto estão um painel de energia solar e dois tubos de PVC como caixa d’água.

Para suprir todas as despesas da viagem que mal começou, ela se divide cortando o cabelo onde o Fusca fica estacionado e também fazendo trabalhos esporádicos em barbearias das cidades onde vai parando.

Assim, ela vai colecionando amigos, histórias e garantindo o sustento. “Confio na minha profissão. Em todo lugar haverá alguém para cortar o cabelo, por isso também quis um Fusca com autonomia para poder viver nele”, conta ela, atualmente em Piracicaba, interior de São Paulo.

Sauer ainda não sabe quando deixará a cidade, mas frisa que enquanto não angariar uma soma ali, não seguirá para a próxima rota: Goiás. Antes disso, ela planeja comprar um toldo para ter mais facilidade para cozinhar e também cortar o cabelo em dias de chuva. “Por isso estou trabalhando nessa barbearia daqui para juntar essa grana, porque ele custa cerca de R$ 1.500”.

FOGO NO MOTOR

Desbravar o país e futuramente o exterior não será uma tarefa fácil. Os problemas apareceram logo no início da viagem e serviram como uma provação para a moça. No segundo dia de jornada, por exemplo, o Fusca pegou fogo no motor após dar a partida em um posto de gasolina na divisa do estado do Rio.

“Foi desesperador, peguei a Stella e saí gritando. Aí vieram três pessoas com extintores, mas não pensei em desistir”, conta.

O apoio dos seguidores da rede social, ainda que em número reduzido, somado aos cortes de cabelo ao longo de uma semana, fizeram com que ela conseguisse pagar o reparo mecânico, orçado em R$ 2.000, quando tinha apenas R$ 400 no bolso.

Alguns dias depois, duas rodas quebraram, mas ela já está providenciando um meio de resolver isso. “Eu sabia que não seria tranquilo”, diz.

Além desses problemas, Sauer também teve de lidar com pessoas que não viram com bons olhos seu ganha-pão. Em uma ocasião, quando estava cuidando da estética de caminhoneiros no estacionamento de um posto de combustível, ouviu de um frentista que o dono não a queria cortando cabelo ali; algo que a deixou chateada.

Comentários machistas são raros, mas ela se recorda de uma situação em que um cliente comentou com o gerente da barbearia: “Não dava nada por ela, por ser mulher, mas ela corta bem a beça”. Isso não a intimidou. “Nas cidades menores as pessoas ainda acham estranho uma barbeira, mas são mais opiniões positivas, por ser mulher, lésbica e em um Fusca.”

EM DIREÇÃO AO ALASCA

Um dos questionamentos mais comuns desde que iniciou o percurso tem sido a respeito de seu itinerário: a rota pan-americana. “Ela começa em Ushuaia (Argentina) no extremo sul e termina no Alasca, sendo a maior do mundo”. Em seguida ela explica: “São mais de 30 mil km e 14 países. E é espetacular passar por tantos lugares”.

O projeto é ambicioso, custoso e longo, mas a carioca não tem pressa. A vivência andarilha tem servido também como um autoconhecimento para a viajante, segundo ela.

“Na estrada, as suas percepções são diferentes, porque cada decisão influencia o próximo dia. Tudo é intenso, escolher entre ir ou ficar, para aonde ir, em quem confiar”. De Goiás, ela seguirá para Tocantins, Maranhão.

Sauer decidiu seguir um caminho oposto da maioria dos viajantes que topam o desafio de viver na estrada. Em vez de motor-homes que reproduzem uma casa, ela escolheu um automóvel pequeno e antigo para uma rota extensa.

Ainda assim, as pessoas que vão cruzando o seu caminho tem tornado essa aventura menos solitária. “O Fusca e a Stella me ajudam a fazer amizades. E m qualquer lugar que vá às pessoas tem uma memória afetiva com o carro”.

ANDRÉ ARAM / Folhapress

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